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Crítica | Punhos de Serpente (1978)

As Artes Marciais a serviço do humor físico.

por Rafael Lima
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No final dos anos 1970, o nome de Jackie Chan, então um jovem artista marcial e ator em ascensão era ventilado pelos produtores de Hong Kong como um novo Bruce Lee em potencial. Entretanto, os primeiros filmes protagonizados por Chan não deram o retorno esperado de bilheteria, e embora já trouxessem o ator fazendo os seus próprios stunts, ainda estavam longe de realmente se destacarem entre o mar de produções de Kung-Fu produzidas no período. 

Isso viria a mudar quando Yuen Woo Ping, coreógrafo que já havia trabalhado com Chan e estava se lançando como diretor, percebeu que o colega possuía um grande timing cômico, sugerindo que ele deveria aproveitar essa característica em sua carreira como ator. Embora boa parte dos produtores chineses que apostaram em Jackie Chan vissem essa proposta com desconfiança, o produtor Ng See Yuen comprou a ideia do projeto e o resultado não apenas rendeu o primeiro grande sucesso de Chan, que ditaria os rumos de sua carreira, como também trouxe grande impacto no subgênero dos filmes de Kung Fu.

Na trama, Chien Fu (Jackie Chan) é um humilde rapaz órfão que trabalha como faxineiro em uma escola de artes marciais, onde vive sendo humilhado e usado como saco de pancadas por alguns dos professores do local. As coisas começam a mudar quando Chien Fu resgata um velho pedinte de um assalto (Sin Tin Yuen), que secretamente é Pai Cheng Tien, um mestre do estilo ‘punho de serpente’. Os dois logo se tornam amigos e o velho mestre, temendo a extinção de seu estilo de luta, resolve fazer do rapaz seu discípulo. Entretanto, os Punhos de Serpente estão sendo caçados por seus antigos rivais, os praticantes do estilo Garra de Águia, que juraram eliminar todos aqueles que ousarem praticar o estilo Punho de Serpente.

Escrito por um time de cinco roteiristas, Punhos de Serpente (não confundir com o longa-metragem de 1971, também protagonizado por Chan) é o primeiro filme estrelado por Jackie Chan a contar com os elementos típicos da filmografia do ator. Estão lá os stunts e acrobacias absurdas do astro chinês, aliados a um humor físico que consegue transformar cada movimento de artes marciais em gags visuais que se utilizam de todo o cenário, e é claro, a persona desajeitada que Chan emprega a boa parte de seus personagens. A direção de Yueng Woo Ping abraça com gosto a proposta mais cômica do projeto, parecendo possuir uma montagem e atmosfera que se associa muito mais às produções dirigidas e estreladas por Buster Keaton do que aos filmes protagonizados por Bruce Lee. As coreografias e a própria montagem das cenas assumem um tom que beira o cartunesco, o que também é apoiado pela composição da trilha sonora, que em determinadas passagens utiliza arranjos que não ficariam fora de lugar em um episódio de Tom e Jerry ou Looney Tunes.

Toda essa aura cômica do longa é perfeita para Jackie Chan exercitar a veia cômica que inspirou a realização desse projeto. O que torna a performance de Chan tão divertida e cativante é a forma como ele consegue aliar os seus espantosos talentos acrobáticos e marciais a um estilo de pantomina que sempre deixa o público com a impressão de que mesmo o personagem do ator está surpreso com as proezas físicas que realiza, e frustrado por seus inimigos continuarem a se levantar. Chan encontra no veterano Sin Tin Yuen (que é pai do diretor) um ótimo parceiro de cena tanto no quesito das artes marciais quanto como parceiro cômico, como pode ser percebido especialmente na passagem onde o velho Pai Cheng Tieng desafia Chien Fu a pegar uma tigela em sua cabeça.

A estrutura do roteiro de Punhos de Serpente, que vê  um sábio mestre de artes marciais vivendo no anonimato adotar um aluno aparentemente sem aptidão como o seu novo discípulo, para que ele enfrente aqueles que o atormentam se tornou extremamente influente, repetindo-se várias vezes cinema de artes marciais oriental e ocidental, vide o clássico Karate Kid (1984). Entretanto, é preciso dizer que o filme apresenta certos problemas de ritmo em seu 1º ato envolvendo a apresentação da rivalidade entre os Punhos de Serpente e os Garras de Águia, que surge um pouco deslocado do resto do filme, por ser sisudo e arrastado demais. 

A narrativa apresenta duas linhas de problemas para os protagonistas enfrentarem; as rivalidades de Chen Fu em sua escola de artes marciais, e a cruzada assassina dos Garras de Águia contra Pai Cheng Tien. A primeira linha está completamente dentro da proposta mais leve e cômica adotada pelo filme, mas a ameaça dos Garras de Águia e seu brutal líder, Sheng Kuan (Hwang Jang Lee) soa muitas vezes fora de tom, apesar de algumas boas e inusitadas reviravoltas envolvendo a identidade de agentes ocultos do clã de assassinos. Punhos De Serpente carrega o mérito de não apenas ter lançado Jackie Chan ao estrelato, mas também por ter ajudado a redefinir o cenário dos filmes de Kung-Fu em Hong Kong. Apesar de possuir alguns momentos deslocados com a trama dos Garras de Águia, o longa garante a diversão com ótimas (e hilárias) coreografias de luta, e uma dinâmica muito divertida estabelecida por sua carismática dupla de protagonistas.

Punhos de Serpente (Se Ying Diu Sau) China, 1978
Direção: Woo Ping-Yuen
Roteiro: Chi Yuan Hsi, Huo An, Hsi, Shiao Long, See Yuen Ng, Chi-Kuang Tsai
Elenco: Jackie Chan, Sin Tin Yuen, Jang Lee Hwang, Dean Shek, Roy Horan, Hark-On Fung, Lung Chan, Yao Lin Chen, Kam Chiang, Chi Ling Chiu, Hsia Hsu
Duração: 98 Minutos

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