Quando Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros foi lançado em 1993, eu era apenas um jovem adulto fascinado por filmes cujo amor de infância por dinossauros foi completamente reacendido por Steven Spielberg, que mostrou a verdadeira função da então ainda nascente computação gráfica no audiovisual: recriar animais pré-históricos para fazer gente como eu ficar com os joelhos fracos vendo brontossauros fotorrealistas, exatamente como o paleontólogo (a profissão que seriamente cheguei a pensar em seguir) Alan Grant ao chegar à Isla Nublar e deparar-se com uma manada de braquiossauros. A história mostrou que a lucrativa franquia iniciada pelo excelente livro de Michael Crichton jamais chegaria novamente aos pés do longa original, mas o que o CGI fez pelos dinossauros não seria esquecido.
Afinal, em 1999, a BBC, em parceria com a Discovery, teve a brilhante e mais do que bem-vinda ideia de usar a tecnologia de Jurassic Park para produzir o primeiro dos documentários de natureza sobre as majestosas criaturas de um passado distante: Walking with Dinosaurs, com narração original de Kenneth Branagh. O resultado? Ora, óbvio, não? Meus joelhos novamente fraquejaram e, aparentemente, o de muita gente, pois essa iniciativa tornou-se também uma franquia, com spin-offs e continuações que, nos anos seguintes, geraram outras obras na mesma linha.
Corta para 2022 e, mais uma vez, a BBC, desta vez em parceria com a Apple TV+, que vem investindo pesadamente em documentários sobre natureza, brinda-nos com Planeta Pré-Histórico que segue a mesma estrutura das séries documentais anteriores, com cinco partes liberadas diariamente ao longo de uma semana, desta vez com narração do biólogo e naturalista David Attenborough, que se notabilizou pelas narrações de obras do gênero ainda em 1954 e que, claro, é o irmão mais novo do saudoso Richard Attenborough, ninguém menos do que o próprio Dr. John Hammond, além de ter sido diretor sênior da BBC. O foco da nova série é especificamente abordar os avanços e descobertas científicas da última década, trazendo à vida dinossauros variados do período Cretáceo, mais especificamente do Cretáceo Superior, há 66 milhões de anos, com direito até mesmo à trilha sonora composta por Hans Zimmer em colaboração com Kara Talve e Anže Rozman.
Com isso, apesar de o documentário também abordar dinossauros tidos como clássicos, como o Tiranossauro Rex, que aparece logo no primeiro episódio, focado nas regiões litorâneas do planeta àquela época, ele o faz sempre tentando seguir um caminho original e inusitado. No caso do T-Rex, vemos uma fêmea nadando com seus filhotes para chegar a uma ilha onde há uma carcaça de tartaruga marinha gigante esperando por eles e lidando com os perigos de uma travessia assim. Em outras palavras, quando há foco em dinossauros mais conhecidos, o documentário esforça-se em mostrar algo que não havia sido mostrado antes, valendo também destaque para as maravilhosas “novas” cores da pele escamada dos gigantescos animais.
Se o fato de as atuais aves serem descendentes diretas de dinossauros é algo conhecido já há décadas – o livro de Crichton já abordava isso em 1990 – e se já havia provas concretas de que muitos exemplares portavam penas, algo inclusive visto em outros documentários e até mesmo na citada franquia cinematográfica, aqui o CGI aposta em raptors (velociraptores inclusive, mas também diversos outros) que se parecem mais com gigantescos perus, só mais magros e sem a papada vermelha, o que pode causar estranhamento, mas também maravilhamento, especialmente porque a sequência em que vemos os velociraptores caçarem pterossauros em uma escarpa íngreme no terceiro episódio – dedicado às regiões de água doce – é absolutamente fascinante. Até mesmo os enormes lagartos semelhantes ao T-Rex espalhados pelo mundo cretáceo ganha cobertura de pelos/penas em determinadas regiões do corpo, além de algumas interessantes e inusitadas cores berrantes que fazem a mímica de diversos pássaros de hoje em dia.
Como deve ter ficado claro nos comentários acima, cada episódio lida com um tipo de região, na ordem: Costas, Desertos, Água Doce, Mundos de Gelo e Florestas. Essa divisão permite que o documentário lide com as mais diferentes situações, mesmo que, por vezes, haja repetição de dinossauros. Há a jornada de uma manada de triceratops ao interior de uma caverna em uma densa floresta, a disputa por dominância entre gigantescos dreadnoughtus em uma região desértica, o nascimento e criação de olorotitans em regiões vulcânicas e assim por diante, com o uso mais do que eficiente de computação gráfica em ambientes reais ou também amplificados por CGI.
Aliás, que trabalho magnífico de computação gráfica. O fotorrealismo é impressionante, o que permite a imersão imediata do espectador em cada região, em cada uma das situações envolvendo os dinossauros, exatamente como acontece nos melhores documentários sobre animais na natureza. Sentimos o peso dos passos dos enormes saurópodes, assim como o tamanho e a improvável graça e agilidade dos vários pterossauros retratados, além do pavor que é observar as criaturas marinhas no fundo do mar. Assim como a pesquisa sobre os dinossauros não para, a evolução do CGI também não e, quando o uso não se dá para fazer carros tunados irem ao espaço em filmes idiotas, mas sim para recriar com os mínimos detalhes nosso mundo há dezenas de milhões de anos, o resultado não é menos do que maravilhoso.
Minha maior reclamação sobre Planeta Pré-Histórico é que há uma relativa falta de profundidade científica em cada situação que vemos. Há, para cada episódio, um minidocumentário de quatro a cinco minutos esmiuçando determinado comportamento de um dinossauro, com entrevistas com pesquisadores, mas é pouco demais para o que é mostrado nos episódios e, tenho para mim, a BBC poderia ou quebrar o formato tradicional desses documentários e investir mais fortemente no lado das descobertas científicas e das extrapolações a partir delas, ou lançar a versão 2.0 de cada episódio fazendo justamente isso, o que serviria tanto para os que apenas querer ver algo sem muita profundidade e para os que não se negariam a mergulhar por horas e horas em cada detalhe do que é mostrado.
Planeta Pré-Histórico é outro triunfo da BBC nessa seara e o primeiro da Apple TV+. Espero que essa parceria continue com a abordagem de outros períodos e eras tanto para frente quanto para trás no tempo, talvez até chegando aos primeiros homens. Seria, sem dúvida alguma, uma franquia muito mais enriquecedoras do que 90% das obras que se baseiam pesadamente em CGI que temos por aí. E sim, meus joelhos fraquejaram (mais do que o normal em razão de minha atual idade) novamente…
Planeta Pré-Histórico (Prehistoric Planet – EUA/Reino Unido, 23 a 27 de maio de 2022)
Showrunner: Jon Favreau
Direção: Adam Valdez, Andrew R. Jones
Roteiro: Paul D. Stewart, Dom Walter, Paul Thompson, Simon Bell, Matthew Wright
Narração: David Attenborough
Duração: 203 min. (cinco episódios)