- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Antes de entrar na crítica do episódio e nas minhas chatices, queria falar das jaquetas que os personagens usam na aventura da semana. Olha só, é o figurino mais legal da franquia Star Trek inteira (!) e quem pensa o contrário está profundamente errado. E digo mais, quero o elenco usando este traje como uniforme em todas as próximas aventuras! hahahaha
Com isso tirado do sistema, podemos falar de Ghosts of Illyria. O terceiro episódio de Strange New Worlds acompanha a tripulação da Enterprise investigando uma colônia abandonada da raça Illyrian, um povo que têm uma história complicada com a Federação por causa da sua cultura de alteração genética, considerando que a organização proibiu as mudanças biológicas após as Guerras Eugênicas. De início, acho interessante o uso de uma narração didática no comecinho da história, pulando por contextualizações, economizando tempo e nos jogando direto na aventura em torno do planeta que sofre com tempestades de íons. Por causa das interferências dessas tempestades, Pike e Spock ficam presos no território, enquanto o grupo liderado por Una volta à nave com uma estranha doença contagiosa.
Dessa forma, a narrativa do episódio é dividida em dois blocos. A trama no planeta explora em menores doses os temas da história, principalmente em torno de estereótipos e aprendizado sobre o outro – vemos isso nas leves contextualizações históricas de Spock, dando background aos acontecimentos dentro da nave. Gosto bastante da interação entre Ethan Peck e Anson Mount nessas sequências, e também dos efeitos especiais e os conceitos visuais bem leves e infantis de horror com os fantasmas, mas, infelizmente, vemos pouco da dupla, da ação na colônia abandonada e ficamos com a sensação de uma oportunidade perdida em explorar uma das bases conceituais da franquia: conhecer novas civilizações.
Todo esse bloco me lembrou um pouco a missão no cometa do episódio anterior, trazendo cenários e conceitos fascinantes (lá da música, aqui de fantasmas) que não são bem explorados pela direção e pelo roteiro, tanto de uma perspectiva de pura diversão aventureira quanto em termos temáticos, simbólicos e de significado da imagem. Peguem, por exemplo, o episódio de estreia e a situação diplomática, em como Goldsman filma o discurso de Pike com um senso de elegância e magnitude, em como a montagem transforma o momento numa aula de História sobre os erros da humanidade, dando à sequência uma dimensão emocional e um peso visualmente emblemático na sua propaganda de um futuro otimista e utópico. Tá faltando esse nível de criatividade e de sensibilidade dos outros diretores, sabem?
Olhando por outro ângulo, porém, o evento também é curtinho e mal explorado porque o foco dramático da história está nos acontecimentos da Enterprise. A protagonista da vez é Una, para a loucura dos “fãs” conservadores, também revelando novos aspectos de outros membros da tripulação, especialmente o Dr. M’Benga (Babs Olusanmokun). A exploração do braço direito de Pike vem na forma de um vírus que infectou a tripulação, mas que não a atacou por ser uma illyriana, algo que ela vinha mantendo em segredo. Sendo um episódio de contaminação, o ritmo da história é mais monótono, mas gostei da cadência lenta no núcleo da nave, fortalecendo a sensação de um inimigo invisível e inatingível, tendo como essência narrativa as dúvidas de como encontrar o antídoto, vindo na forma de muita exposição de ótimas nerdices biológicas e também no confronto dramático de Una em se revelar.
Como aconteceu no episódio anterior, a mensagem final parece ser mais importante que o desenvolvimento da história até a conclusão catártica (não gosto muito disso), levando a conveniências narrativas e alguns momentos de Deus Ex Machina que deixam um gosto pouco satisfatório na resolução da história – a saída do roteiro para a cura dos personagens foi tão anticlimática e pouco criativa como Uhura cantando para desativar os escudos do cometa. Também não gostei das atuações de Rebecca Romjin, muito apática pro meu gosto, e Babs Olusanmokun, tendo dificuldades em entregar alguns diálogos de forma crível e com uma entonação de voz bem estranha. É, como podem ver, um episódio que tive sentimentos mistos, gostando de muitos conceitos, mas novamente preocupado com a execução narrativa.
O desfecho de Ghosts of Illyria é, no entanto, extremamente poderoso. Temos a ótima cena de Pike aceitando Una e exemplificando a ideia temática da história de mudarmos nossos pré-julgamentos sobre diferentes culturas e formas de olhar a vida e a natureza (adoro como o roteiro faz isso com um assunto tão complicado como alterações genéticas). Também temos a cena extremamente humana com o doutor e sua filha, mostrando que ainda temos muito o que aprender sobre essa tripulação e seus passados – mal posso esperar para conhecer mais deles!. Mas a sequência mais marcante vem com Una questionando os motivos da sua aceitação por Pike, se foi por ser uma illyriana ou por ser uma heroína illyriana. É uma pergunta até complexa e com diferentes camadas sobre autoaceitação, senso de pertencimento e se uma posição cultural é suficiente caso seja diferente – podemos traçar paralelos dessas reflexões para a forma que o mundo enxerga os mulçumanos, por exemplo. Por fim, mesmo que Ghosts of Illyria seja o episódio que menos gostei até aqui, temos mais uma história essencialmente Star Trek com uma mensagem final potente. Strange New Worlds continua sua trajetória tematicamente e conceitualmente fascinante, só faltando mais criatividade narrativa e rigor da direção.
Star Trek: Strange New Worlds – 1X03: Ghosts of Illyria (EUA, 19 de maio de 2022)
Desenvolvimento: Akiva Goldsman, Jenny Lumet, Alex Kurtzman (baseado em personagens criados por Gene Roddenberry)
Direção: Leslie Hope
Roteiro: Akela Cooper, Bill Wolkoff
Elenco: Anson Mount, Ethan Peck, Jess Bush, Christina Chong, Celia Rose Gooding, Melissa Navia, Babs Olusanmokun, Bruce Horak, Rebecca Romijn
Duração: 57 min.