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Crítica | 365 Dias: Hoje

A fantasia da cultura pornográfica.

por Felipe Oliveira
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Música, sexo, qualquer diálogo porcaria. Pronto. É no que resume o “roteiro” de 365 Dias: Hoje ao longo dos seus 111 minutos de duração, e a ordem dos fatores não altera o resultado. Mas bem, o mínimo de pudor e esse filme não existiria; algum traço de noção, e essa “história” não seria posta em um livro, contudo, há um certo índice que não serve como justificativa, mas aponta para a inspiração daquilo que se vende como um entretenimento erótico nesta sequência adaptada: a cultura pornográfica.

Ao escrever uma história de cunho sexual baseado em Crepúsculo, E.L. James trouxe um conteúdo popularmente conhecido como fanfiction; a dita narrativa criada por fãs. Porém, ao mesmo tempo, a composição adulta da trama vampiresca se concentrava numa falsa moral de representatividade feminina ao relatar mulheres submissas ao parceiro, enquanto o homem recebia um tratamento de personalidade complexa e traumática que seria o embasamento para suas preferências sexuais e de frequentes episódios abusivos.

Dito isso, chegar em 365 Dias não seria como uma extensão, e sim um sintoma que normaliza narrativas do tipo como uma proposta adulta e erótica. Nisso, ao trazer o homem que corresponde à crença dos padrões de beleza no posto de protagonista masculino, é dizer que é aceitável a condição absurda de sequestro, de subordinação da mulher quando se tem um macho desses disponível, um fator sedutor. No que Laura (Anna Maria Sieklucka) decidiu não denunciar seu algoz no capítulo anterior, o roteiro de Blanka Lipinska e Tomasz Mandes colocava a personagem a agir de modo que estivesse numa fábula amorosa sob a exigência dos 365 dias de prazo para se apaixonar; como se estivesse num jogo de sedução e provocação com Massimo (Michele Morrone), ponto esse que ele nada se importava com o consentimento ao dizer que um homem bruto como ele não deveria ser provocado.

Então, depois de muito contrariar e não denunciar seu sequestrador, Laura se convence de que está apaixonada por Massimo quando ela acidentalmente cai no mar e se encanta com “o ato heroico dele de resgatá-la”. Dessa forma, é como a Síndrome de Estocolmo foi romantizada no filme, após maquiar o absurdo na fórmula que se sucede uma comédia romântica, dos opostos resistindo de maneiras improváveis ao que estão destinados. Em sequência, é quando Laura se entrega ao sexo. O desfecho, é a personagem feminina submissa, morrendo de amor, encantada porque o homem indelicado soube dizer “eu te amo” depois do sexo; grávida e como alvo, visto as operações mafiosas da família de Massino. E aqui entra outro fator que acompanha as fanfics de sexo e luxo: a vida perigosamente criminosa do macho.

O que 365: Hoje tem a dizer com seu título fica claro nos primeiros minutos, como se toda construção questionável anteriormente não tivesse impacto; ou seja, o que veio depois do chocante prazo que conceitua esse conto. Se 365 dni trazia cenas de softcore altamente bizarras, voltadas ao exagero e um retrato banal do sexo, a sequência decide apelar menos para toda narrativa ultrajada e romantizada de abusos como propulsores do erotismo e se assume de vez como um exercício fútil, patético, glamurizado e fantasioso da indústria pornográfica; em suma, um conteúdo feito e calculado para a audiência masculina.

De cara, o que se sabe é que Laura perdeu o bebê no episódio que quase foi morta, e agora que está apaixonada, prestes a se casar, tem tentado compensar e dissociar o temperamento agressivo de Massimo com sexo. Mas isso não é subtrama nenhuma para discutir como ela está subjugada na relação, não. Sem nem fingir nuance alguma, o filme ostenta um filtro amarelado em sua fotografia, junto a um enquadramento muito bem composto que sintetiza uma dedicação a execução das cenas, para então entrar no que resume a sua premissa: música pop, diálogo cafona “estou sem calcinha”, sexo, música, diálogo cafona, sexo, sexo, música… é literalmente um loop de 60 minutos nessa sequência aí, com os personagens deixando de falar besteira só quando uma faixa musical é inserida enquanto transam — se teve roteiro pra esse filme, foram duas páginas. Nisso, 365 Dias: Hoje simula que há um romance ardente em tela embalado com melodias do pop, fazendo de sua produção um conjunto de mini videoclipes pornográficos.

O polêmico sexo baseado totalmente em pornôs, se desenrola em cima de mesa, de pia de banheiro, até chegar em uma das sequências que mais pontua a influência da indústria de conteúdo explícito para o suposto erotismo que o filme vende, quando Massino e Laura estão no campo de golfe e há penetração com os objetos do esporte. Posto isto, o filme se veste de uma fantasia de que em todo lugar, qualquer hora e situação fosse cabível para o sexo, e em tudo a mulher sendo objetificada; de que breves gestos, conversas fiadas estão ali apenas como uma introdução esfarrapada para criar uma narrativa fetichista antes do coito; exatamente como um pornô.

A prova de que 365 Dias: Hoje atende a um conteúdo adulto voltado para o público masculino e que a mulher está inserida num contexto de submissão enquanto covardemente a produção segue mascarando essa narrativa com toques de romance, descontração e a enorme playlist avulsa do Spotify, não se resume apenas às cenas ousadas. Percebendo que o efeito de conto de fadas após o “eu te amo” não durou, e que seu marido agora quer controlar o lugar onde ela vai, a duração dos passeios ao lado da melhor amiga, Laura então tenta agradá-lo com suas fantasias sexuais favoritas, o que vai desde as roupas, aplique capilar a prática do BDSM; nesta falsa  fábula, a Bela ainda se vê trancafiada, podada de sua carreira, espontaneidade, e trajando-se sexualmente para satisfação da Fera, inclusive, são esses os únicos momentos que Massino não lança um olhar de reprovação ou fala como um bicho prestes a rosnar com a esposa. Os planos evidenciando que Massino domina o sexo, os enquadramentos seguindo os seios, as expressões faciais de Laura, os ângulos buscando parecer cada vez mais reais seguindo as movimentações que mais focam na mulher, são exemplos de que o filme parte de um ideológico masculino ao compor suas cenas de forma semelhante aos vídeos de sites pornográficos, logo, apontando o público que quer satisfazer.

Não bastando isso, o texto do longa quer ser empoderador e consciente quando convém, no que Laura começa a se opor às limitações impostos pelo esposo e a relembrar que quando se apaixonou, acreditava que as coisas poderiam ser diferentes da condição doentia em que foi coloca desde o sequestro, e afirmando que está farta de homens que acham que podem tudo. É total escolha do roteiro quando quer apontar sua história como doentia, isso num diálogo em que a protagonista está caindo na real, da mesma forma em que camufla toda situação de objetificação e subordinação da mulher com um envoltório de sexo, música, câmera lenta, uma iluminação que troca as cores em neon por tons mais quentes e locações com paisagens luxuosas. Ou seja, nada quer discutir se o intuito é vender pacote de sexo pomposo como entretenimento. Logo, aqui fica essa incongruência do que o filme quer atender; ora corresponde a um conteúdo adulto refletindo o gosto masculino, ora quer parecer relevante e que valoriza sua protagonista feminina, porém, além de Laura, há sua amiga Olga (Magdalena Lamparska) que age a favor de como Massimo deve ser agradado (uma amiga dessas…), solta umas frases em prol da comicidade e contracena algumas tomadas de sexo intercaladas aos videoclipes do casal principal, e também uma terceira figura aleatória surgindo como antagonista, o que deixa para discussão como a mulher é representada nessa história.

Para o homem, exala-se uma atmosfera de poder, de domínio, de privilégios atribuídos, e só piora com a adição de Simone Susinna para compor a apelativa cena dos dois “inimigos da máfia” se unindo para salvar Laura de uma emboscada que causaram. Chega a ser chocante que a única referência que tiveram para validar essa máfia foi caracterizar essa subtrama com homens carrancudos e de ternos pretos. O que determina o segundo ao terceiro ato do filme após o intervalo do loop de videoclipes de sexo — depois, os videoclipes com paisagens praianas para dormir — nessa trama sem lógica e de péssimos diálogos, é uma reviravolta forçada e que culmina mais uma vez com Laura em enrascada. Se o último cliffhanger foi ela em perigo na cena inexistente de um túnel o qual perdeu o bebê — o gasto com os direitos autorais das músicas impossibilitou de filmar —, agora, com um jogo de câmera lenta e dramatização, o que sobrou para o capítulo final dessa trilogia danosa, foi um triângulo amoroso e Laura baleada.

Depois de sequestrada, namorada, a sequência então trouxe o desafio de Laura como esposa do agressivo e manipulador Massimo. O que sobra uma questão: há entretenimento na abordagem erótica que emula o pornô objetificando a mulher, e que por fim ela é mais afetada em prol de definir um gancho dramático num filme contraditório, covarde e de muito mal gosto?

365 Dias: Hoje (365 Dni 2 – Polônia, 2022)
Direção: Barbara Bialowas, Tomasz Mandes
Roteiro: Blanka Lipinska, Tomasz Mendes, Mojca Tirs
Elenco: Anna Maria Sieklucka, Michele Morrone, Simone Susinna, Magdalena Lamparska, Otar Saralidze
Duração: 111 minutos

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