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Crítica | Até a Morte

O sombrio policial de Van Damme.

por Ritter Fan
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Até a Morte é um dos raros exemplos na filmografia do belga Jean-Claude Van Damme em que ele vive um personagem moralmente dúbio, aqui resvalando de leve na vilania. No filme, ele é Anthony Stowe, detetive da divisão de narcóticos de Nova Orleans que se entregou ao vício em heroína e que é obcecado em capturar Gabriel Callahan (Stephen Rea), seu ex-parceiro, que bandeou-se para o crime e vem aos poucos dominando o submundo das drogas da cidade. De certa maneira, a trajetória de seu personagem é exato inverso de Kyle LeBlanc, do ótimo Prisão Infernal de quatro anos antes, já que o longo começa no ponto mais baixo da carreira de Stowe, com sua esposa grávida prestes a se separar dele e caminha na direção de sua ascensão.

Apesar dos diversos problemas do longa, que abordarei mais para a frente, há que se elogiar não exatamente o roteiro, mas a premissa e a estrutura do que Dan Harris e James Portolese escreveram, já que o grande momento de mudança na vida do protagonista se dá quase na metade do filme, em que ele é baleado e entra em coma, gerando uma elipse de seis meses em que o vemos se recuperar e voltar à caça de Callahan como um homem renovado. Em outras palavras, não há a menor pressa aqui e há muito tempo para desenvolver o personagem e, ao mesmo tempo, abrir espaço para Van Damme novamente mostrar que, mesmo com suas limitações como ator, sabe viver papeis que exigem mais dele do que apenas sair na pancadaria com todo mundo que aparece à sua frente.

Tive o cuidado de não elogiar o roteiro em si, pois é nele que os problemas começam. Há uma tentativa dos roteiristas em fazer algo que tem um verniz de sofisticação, mas que eles não sabem espalhar uniformemente por toda a superfície. Todo o subtexto de violência policial, de culpa e de desdém pela vida que a dupla escritora tenta passar sem palavras acaba ficando na sarjeta, desperdiçada em um filme que é picotado demais e, talvez, em efeito contrário ao originalmente pretendido, didático demais mesmo em sua economia de diálogos. Além disso, a relação entre Stowe e Callahan oscila entre o obsessivo e o macabro, sem que sejamos realmente convencidos de que eles um dia formaram uma dupla de policiais. O próprio Van Damme, diferente do que faz em Prisão Infernal, joga fora toda e qualquer sutileza em sua performance, vivendo o arquétipo do policial drogado por metade da projeção, ainda que ele melhore bastante no arco de recuperação do personagem.

Apesar do roteiro fraco, o maior problema, porém, está na direção de Simon Fellows em seu segundo e até agora último longa em parceria com o belga, com o primeiro tendo sido o fraco Segundo em Comando. Deixando as papas na língua de lado por um momento, Fellows não sabe muito bem o que fazer atrás das câmeras, já que sua decupagem é terrível, gerando sequências desconexas, lentas mesmo quando precisam ser dinâmicas e que fazem o filme caminhar aos trancos e barrancos, como se estivéssemos em um carro sendo dirigido por alguém que pegou na direção pela primeira vez nesse momento. Ele é incapaz de extrair boas atuações de quem quer que seja, com Van Damme ficando levemente acima da média do filme que, convenhamos, é bem baixa. Suas sequências de ação chegam a cansar de tão episódicas, com cada morte parecendo um mini-capítulo de uma série de TV ruim.

Até a Morte, porém, tem o mérito de colocar Van Damme em um papel sombrio em um longa que é todo ele sombrio e violento, refletindo bem o abismo em que Anthony Stowe se encontra no começo da história. Infelizmente, é visível que havia material ali para ser algo muito bom, um genuíno thriller policial com pegada noir, o que só torna mais frustrante ainda a experiência capenga que Fellows acaba oferecendo ao espectador, roubando-nos a chance de ver o lutador belga retornar à forma de verdade nessa sua fase mais complicada de sua carreira.

Obs: Há dois finais para esse filme. O europeu, mais sombrio e o americano, mais feliz. Eu assisti os dois e o final europeu combina mais com a atmosfera do filme.

Até a Morte (Until Death – Reino Unido/Bulgária/Alemanha/EUA, 2007)
Direção: Simon Fellows
Roteiro: Dan Harris, James Portolese
Elenco: Jean-Claude Van Damme, Selina Giles, Mark Dymond, William Ash, Stephen Lord, Gary Beadle, C. Gerod Harris, Wes Robinson, Stephen Rea, Buffy Davis, Alana Maria, Fiona O’Shaughnessy, Rachel Grant, Adam Leese, Paul Williams, Andrew Nienhaus, Peter Kuiper, Raicho Vasilev, Yulian Vergov
Duração: 103 min.

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