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Crítica | Anatomia de um Escândalo

O que há de novo, David E. Kelley?

por Felipe Oliveira
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É bem notório que, falar em David E. Kelley, o nome que logo surge dentre seus inúmeros trabalhos televisivos seja Big Little Lies, isso porque, desde o suposto encerramento do fenômeno da HBO em sua segunda temporada — com os rumores de um terceiro persistindo — não se vê algo semelhante no quesito qualidade com tanta recorrência. Kelley ainda carrega um buzz instantâneo onde quer que seja anunciado, sendo um atrativo a possibilidade de conferir suas empreitadas. No entanto, é também curioso ter depois de Mr. Mercedes e Goliath apostas como Nove Desconhecidos e a popular Big Sky; e o ponto em comum entre essas duas últimas séries é a estimada entrega que “deveriam” oferecer visto o nome por trás da criação. E a questão que fica é: qual o segredo que há por trás do flop e Kelley?

Não há dúvidas de que, num possível retorno às histórias das cinco musas de Monterey, o rendimento abaixo do seu último ciclo seria esquecido, com a audiência pronta para abraçar essa comunidade mais uma vez, enquanto isso, Kelley tem levado seu nomes em vários acordos com plataformas de streamings, e só com a Netflix, três atrações estão definidas, com duas confirmadas para este ano. A primeira veio em formato de minissérie com a britânica Anatomia de um Escândalo, já se destacando no Top 10 da vermelhinha.

Embora o título provoque a ideia acerca de uma nova antologia, a atração, que adapta o livro homônimo de Sarah Vaughan, se contenta em contar a sua história em breve seis episódios. E esse é um dos primeiros pontos positivos que pode ser conhecido na série: a ágil simplicidade que optou por narrar seu argumento. Mas até que ponto isso beneficia o seu estilo, é o que põe em hesitação essa escolha acertada quando o show quer se sentir um ponto fora da curva, tão logo que poderia reconhecer que não é bem assim; é boa, mas não genial.

Co-criada por Melissa James Gibson (House of Cards), ao lado de Kelley, a dupla fez uma interessante adaptação do sucesso de Vaughan que conta a história de como uma tradicional família da elite britânica se vê afetada quando um escândalo político irrompe a perfeita vida que seguia. Nela, somos apresentados a um casal, com Sienna Miller na pele de Sophie, a esposa arrastada para um repetindo choque quando seu marido, o ministro James (Rupert Friend) é exposto sob acusação de estupro. Fechando o leque de personagens principais, conhecemos a implacável advogada criminal Kate (Michelle Dockery), pronta para pegar mais um caso da notória carreira.

A base Anatomy of a Scandal é essencialmente simples, e tem uma fórmula, ainda que óbvia, que precisa ser sustentada e se manter interessante, e felizmente, Kelley e Gibson definiram bem o tom a ser abordado se concentrando nas figuras chaves conforme a narrativa vai avançando. Com todo charme que a atração se define, é conveniente lembrar que há quase dois anos uma familiar produção, também assinada por Kelley, detinha um envoltório parecido que estabelecia sua boa sacada com mistério, manipulação e temáticas apontadas: The Undoing. Era a típica designação do clichê que cai bem, porque, mesmo o público admitindo isso, os poucos episódios se faziam um compromisso indispensável para ir até o fim que a ruína, o desfalecimento sugerido no título levaria.

Aqui há um estudo, um escândalo anunciado para ser esmiuçado; e o senso de julgamento da audiência não pode ficar de fora, sendo atraída para tomar suas notas, embora esteja escancarado que não haverá surpresas no desfecho dessa polêmica. A impressão é que a garantia da receita daria tão certo que não há muito esforço quando o assunto é desenvolver os personagens, bem como a imersão na derrocada história. O seu início beira cafonice ao direcionar as figuras chaves de sua narrativa, de que nada esperaram, mas estão prestes a colidirem graças a um escândalo que parece que nunca deixará de revelar suas muitas consequências.

Contudo, há dois aspectos chamativos que caracterizam muito bem a produção. O primeiro, a forma como o texto trata e debate a persistência sobre o consentimento; já o segundo, a direção de S. J. Clarkson. É certo de que a obviedade não foge a composição da série, e a fagulha interessante está em como esse é elemento é disfarçado para obter um tom de revelação e choque constante, e nisso, Clarkson trouxe uma abordagem teatral e com inserções de planos surrealistas. Tal escolha é justificada como forma para transmitir os impactos dos “twists”. Um momento que ilustra essa execução fantasiosa, é o final do primeiro episódio, com James sendo atingido como um soco ao descobrir que mais podres seus estavam vindo à tona. 

E mais desses planos se faziam presentes sempre nos minutos finais dos capítulos, ao menos nos três primeiros, com os últimos abraçando a ilusória condição de que estaria reservando altas reviravoltas, e nisso, se apropriando ainda mais do tom teatral em prol do melodrama que discorria, exemplo da cena do julgamento no fechamento da série fazendo jus a tensão proposta das “viradas” do roteiro. Ainda que toda trivialidade, Anatomia de um Escândalo consegue driblar essa dança com movimentos e enquadramento da câmera sempre buscando uma imersão do telespectador às informações e impacto aos personagens mal desenvolvidos e limitados ao método, bem como a montagem que sobressai com os paralelos e transições entre flashbacks e linha de tempo atual.

Sendo a primeira das criações de Kelley para a Netflix, terminar Anatomy of a Scandal não subtrai a sensação de recorrência da fórmula, mas a breve atração se empenha tecnicamente bem a ponto de movimentar sua trama de maneira genericamente eficiente.

Anatomia de um Escândalo (Anatomy of a Scandal – Reino Unido, 2022)
Criação:  David E. Kelley, Melissa James Gibson
Roteiro: Melissa James Gibson, David E. Kelley
Direção: S. J Clarkson
Elenco: Sienna Miller, Michelle Dockery, Rupert Friend, Angela Regan, Naomi Scott, Ben Radcliffe, Nancy Farino, Hannah Dodd
Duração: 6 episódios (48 a 45 min, cada)

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