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Crítica | Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore

A razoabilidade que proporciona uma narrativa capitular.

por Davi Lima
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Os Segredos de Dumbledore

Os Segredos de Dumbledore

I don’t tell him. Not always. Not everything. – Queenie Goldstein sobre Credence

A narrativa capitular é aquela que mede partes  de uma grande história, como um capítulo de um livro que, antes de prosseguir, detalha seu Universo. Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore não apenas tem uma narrativa capitular como é um filme capitular, com um grande propósito de esfriar a cabeça do potterhead e aceitar a necessidade pragmática do roteiro, mostrando que J.K. Rowling teve dificuldades nos filmes anteriores. 

O grande objetivo de tornar enxuta a mentalidade expansiva de J.K é demonstrado pela presença do roteirista Steve Kloves, famoso por escrever os roteiros dos 8 filmes de Harry Potter. A diferença entre livro e de roteiro é bem ampla, mas basicamente se diferencia pelas estruturas, sendo que a prosa tem mais liberdade que o roteiro. Nisso, o diretor David Yates parece mais seguro com a incrementação de Kloves como roteirista, dando mais valor à edição das cenas do que a movimentações de câmera para escrutinar esse  universo. A produção do Wizarding World se conserva quase como um todo, mudando apenas o diretor de fotografia, então qualquer insatisfação desde os filmes com Newt Scamander é muito refém das posições criativas de J.K no roteiro que, por vezes, não se atentam às necessidades cinematográficas. 

Essas questões técnicas acabam revelando a sensação capitular do filme, como o medo de seguir em frente antes de fechar um inchaço de subtramas acumulado em Animais Fantásticos. A participação de Jacob é crucial para evidenciar a retomada de um porto quando o barco já tinha zarpado. Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald havia deslocado a história do grupo Tina (Katherine Waterston), Queenie (Alison Sudol), Jacob (Dan Fogler) e Newt (Eddie Redmayne), adicionando mais Dumbledore (Jude Law), mais Grindelwald (Johnny Depp), mais Leta Lestrange (Zoë Kravitz) e mais cenários da Primeira Guerra Bruxa da década de 40. Isso tornou o segundo filme muito expositivo de diálogos e reviravoltas sem bases para uma crista dramática, colocando Jacob mais como um espectador, até medindo bem as sensações de passear pelo universo mágico sem fazer parte dele. Em Segredos de Dumbledore retoma-se Jacob como fundamental, embora repetindo-se a mesma ideia do personagem ser nosso guia por um território que já deveria estar bem detalhado.

Diante disso, mostra-se a necessidade e a problemática de uma narrativa capitular. Se Os Crimes de Grindelwald criaram consequências sem desenvolvê-las para além do discurso bem interpretado por Johnny Depp, agora com Mads Mikkelsen, substituto bem intencionado da má figura de Depp em Hollywood, além de sua figura europeia conveniente para o contexto desse terceiro filme,é preciso reapresentar Grindelwald a partir do jornal Profeta Diário, já em transição de um criminoso para um possível político candidato à Confederação Internacional dos Bruxos. Esse é o grande conflito da história, em que os segredos de Dumbledore são mais uma artimanha para tentar dar peso a esse projeto mais linear em direção à Guerra em paralelo aos animais fantásticos. Se Newt, no segundo filme, parecia um coadjuvante, agora ele volta ao protagonismo, com a chancela de Dumbledore, pelo menos.

Não apenas os bichos mágicos voltam a ter importância, capitulando-se algo que se havia perdido, como também são a ponte entre a relação de Dumbledore com Grindelwald. Pressupondo o alinhamento da montagem com o roteiro base para o filme, como é costume nas grandes produções de Hollywood, tudo é bem didático para que a parte política e romântica envolvendo os grandes bruxos seja conferido pelo lado diretamente mágico dos animais fantásticos. Esse é um dos maiores acertos desse terceiro filme, algo que David Yates, acostumado com esse universo, imprime com cenas espetaculares, pequenas e grandes, em volta do lado divertido do mundo bruxo. Uma câmera lenta aqui e ali, giros de eixo e um trabalho com espelhos que dão corpo ao filme muito mais centrado nas cenas do que numa abrangência da história.

No entanto, mesmo que dentro de uma narrativa capitular caiba uma dança com animais, uma escada de papéis e mais cenas que ainda dão gosto ao espectador de se impressionar com o mundo bruxo, assim como Jacob se impressiona com uma varinha nessa altura do campeonato, perde-se o escopo que uma sequência tenta implementar. Como a história gira em torno de um evento político, uma votação de Congresso Internacional, e até mesmo emula a estrutura do filme Harry Potter e a Ordem da Fênix para formar uma equipe contra Grindelwald – não à toa tem várias referências a Hogwarts, que seriam spoilers precisos -, o que contempla a dimensão grandiosa na história são os cenários em  Butão, Alemanha e pequenas recorrências de ministérios de outros países – como o Brasil. Mas esse trabalho técnicos dos filmes de Harry Potter já é reconhecido: até mesmo a figurinista Colleen Atwood se mantém na produção, nos colocando na composição da década de 40, algo que torna Grindelwald e o Ministério da Alemanha bem próximos do nazismo. O problema é como a narrativa é tratada em meio ao contexto político.

Mediar consertos, como Dumbledore dar protagonismo a Newt, os animais fantásticos terem relevância, a explicação sobre Credence (Ezra Miller) ser um Dumbledore, propor uma grande ausência de Tina em boa parte da trama e “apagar” Leta Lestrange da história, são exemplos do quão capitular é o filme. Junto a isso, detalha-se quem é Jacob, finaliza-se praticamente a trama desgastada do Obscurus e cerra-se as mais incongruentes mexidas no cânone. Para tudo isso, preserva-se o termo de aventura, algo fixo desde o primeiro longa, mas se coloca agora uma espécie de suspense planejadamente confuso, como uma justificativa para conveniências de roteiro e média para equilibrar o tempo, o ritmo e o drama do filme como massa de manobra. 

Assim, as referências a Harry Potter não parecem gratuitas. É possível incluir novos personagens e sempre se desculpar se houver passagens de tempo sem muita lógica. Nisso tudo, a política tão evidente nesse filme e tão proposta no segundo, fica num limbo, exatamente pela proposta de enxugar o roteiro de J.K. A própria trilha sonora de James Newton Howard nesse terceiro filme retoma mais John Williams e os temas estabelecidos em  Animais Fantásticos e Onde Habitam do que inova sons para novos personagens e situações apresentados como no longa anterior, seguindo a linha de cortar excessos.

Nesse pragmatismo, se torna um filme minimamente divertido, sempre se reequilibrando com os momentos plim plim fabulosos que animam qualquer pessoa apaixonada por magia em qualquer sentido que seja, cinema ou bruxo. De alguma maneira há reciclagens temáticas de momentos que já vimos em Harry Potter, algo que Kloves sabe bem escrever sem parecer repetido, e tudo de mais novo ou pontas soltas do segundo filme são cancelados. O que falar do bruxo francês Yusuf Kama (William Nadylam) e Theseus (Callum Turner) nesse filme, especialmente da aproximação deles com Leta e Newt? A personagem que mais se solta por ser “uma página em branco” nos filmes é a professora Eulalie, mesmo que ela seja famosa entre os potterheads mais atentos, criando um charme duplo mediante a simpática atuação de Jessica Williams. Apesar disso, Vogel (Oliver Masucci), Liu Tao (Dave Wong), Vicência Santos (Maria Fernanda Cândido) e Grindelwald acabam por pertencer a uma trama política simples com um evento complexo, tudo na base dos benditos segredos de Dumbledore, que muitos se resumem às resoluções à personagem Bunty (Victoria Yeates), afinal.

A sensação é de um final indeciso, como se David Yates não soubesse terminar, tentando manter algum segredo que não se criou gancho para interesse que não fosse o mesmo de sempre. Há intenções pragmáticas do longa, o que nos leva a se contentar com a magia de Harry Potter mais uma vez, ou reclamar de novo como a sequência prelúdio Animais Fantásticos poderia ser literária, primeiramente, para depois ser melhor adaptada para o cinema. Mas com a fama ruim de J.K Rowling, Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore pelo menos parece aquele filme de Natal, agora em Nova Iorque, que Alvo Dumbledore é o anjo do Natal presente, algo que alguns fãs podem bater palmas leves no cinema e alguns espectadores novos se divertirem com mais uma dança de Newt nas telonas ou na telinha HBO Max. Esse é o filme capitular do Wizarding World, com cara de encerramento – como a história da Fênix – na observação do sim ou do não de uma sequência para o romance conflituoso de Dumbledore.

Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore (Fantastic Beasts: The Secrets of Dumbledore) – Reino Unidos, EUA, 2022
Direção: David Yates
Roteiro: J.K. Rowling, Steve Kloves
Elenco: Jude Law, Cara Mahoney, Mads Mikkelsen, Eddie Redmayne, Katherine Waterston, Poppy Corby-Tuech, Maja Bloom, Ezra Miller, Paul Low-Hang, Alison Sudol, Callum Turner, Richard Coyle, Dan Fogler, Jessica Williams, Wilf Scolding, Kazeem Tosin Amore, Noor Dillan-Night, William Nadylam, Victoria Yeates, Manuel Klein, Aleksandr Kuznetsov, Oliver Masucci, Valerie Pachner, Ramona Kunze-Libnow, Dave Wong, Maria Fernanda Cândido, Lucas Englander, Fiona Glascott, Jan Pohl, Matthias Brenner, Peter Simonischek, Jacqueline Boatswain
Duração: 142 minutos

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