Se você é fã de Jean-Claude Van Damme, mas nunca ouviu falar de Sinav, não se preocupe. Afinal, esse filme turco de 2006 está muito longe do que qualquer um poderia classificar como um “filme do Van Damme” que faz somente um ponta de um punhado de minutos ao final, como um ladrão que é contratado por cinco jovens para furtar as perguntas do ENEM de lá. Meu próprio uso da imagem do ator no longa que usei para ilustrar a crítica pode ser considerado como enganoso, mas fiz de propósito, pois o filme merece alguma atenção.
O lutador e ator belga aceitou participar da obra dirigida por Ömer Faruk Sorak sem receber qualquer cachê, por simplesmente ter gostado do roteiro e do esforço sincero que é feito aqui para trabalhar com surpreendente delicadeza aquele momento pelo qual quase muitos adolescentes pelo mundo passam quando estão para acabar a escola e ingressar na faculdade. Basicamente, como um deles diz em determinado momento, toda a vida deles é decidida em apenas algumas horas, o que significa que anos e anos de estudo, na verdade, podem ser resumidos a uma mera prova. A pressão da escola e dos pais é algo crescente e o texto de Yiğit Güralp consegue capturar muito bem essa ansiedade, algo que é amplificado, até certo ponto, pela direção altamente estilizada de Sorak.
O foco do longa fica em cinco desses jovens, cada um com suas características e problemas pessoais próprios que vão desde as maldosas comparações que a própria família faz em relação aos seus irmãos, até um deles que desiste de trabalhar e volta a frequentar a escola porque sua mãe é diagnosticada com câncer e queria mais do que tudo ver o filho na faculdade. Em comum, eles têm a amizade que os une, mesmo que com alguns percalços aqui e ali e, claro, o sempre assustador momento da prova surgindo vagarosamente no horizonte. Há um esforço grande da direção de Sorak em equilibrar as histórias de cada um dos cinco jovens, mas é evidente que o destaque fica mesmo com Mert (İsmail Hacıoğlu), cuja mãe padece de câncer, e que precisa correr atrás do prejuízo que ele mesmo se impôs ao escolher focar no trabalho sob a desculpa bastante real na Turquia, no Brasil e em diversos outros países, de que há muitos desempregados com diploma.
O filme lida muito bem com a sofreguidão dos adolescentes e com todo esse momento tão importante – mas imensamente desgastante – na vida deles e a inserção de Van Damme como o ladrão Charles nos últimos 10 minutos de projeção é uma espécie de autoindulgência narrativa que descola o longa da realidade, mas de forma benigna e até bem construída, já que há uma boa lição de moral ao final que não banaliza as ações dos cinco amigos e leva a um momento particularmente sensível e triste nos segundos finais que eclipsa todo o restante. Em outras palavras, Van Damme faz sua presença ser sentida, mas ele não é o que faz o filme funcionar e isso é muito importante, pois, caso contrário, Sinav teria pouco valor cinematográfico.
Porque sim, há valor cinematográfico no desconhecido Sinav e ele está justamente na maneira consciente com que o roteiro lida com o drama dos jovens, por vezes usando o humor, mas sem jamais deixar que ele atropele o drama bem real que é colocado na tela. O problema é que, mesmo considerando a vida dos cinco amigos, não há muito história a ser contada e o longa acaba durando consideravelmente mais do que deveria, o que leva a repetição de situações e a uma sensação de que a obra está girando no mesmo lugar sem conseguir avançar. Como se isso não bastasse, Sorak imprime seus maneirismos de diretor para criar uma fita extremamente cinética, que combina com a ansiedade e o périplo dos jovens, mas que, não demora muito, leva ao cansaço visual. São muitos cortes rápidos em sucessão, muitas transições enlouquecidas, muito uso de sequências em preto e branco que acabam dando aquela quase inasfastável impressão que estamos vendo uma obra que deixa sua substância ser soterrada por seu estilo, o que definitivamente é uma pena.
Além disso, toda a construção para a entrada de Van Damme fica parecendo exatamente o que é: a vagarosa abertura de uma cortina solene para que o ator entre triunfalmente no palco. Não que esse não seja um bom caminho para introduzir o personagem, mas a questão é que o tempo dedicado a esse artifício é longo demais para um pagamento de dividendos consideravelmente mirrado, o que acaba detraindo um pouco da experiência final.
Sinav é, sem dúvida alguma, um filme curioso e diferente, que merece ser visto por seu valor intrínseco e não somente pela ponta ilustre. É fácil criar conexão com os cinco desesperados protagonistas e com toda a situação que eles precisam encarar de frente, cada um de seu jeito.
Sinav (Turquia, 2006)
Direção: Ömer Faruk Sorak
Roteiro: Yiğit Güralp
Elenco: Yağmur Atacan, İsmail Hacıoğlu, Rüya Önal, Tuba Büyüküstün, Caner Özyurtlu, Altan Erkekli, Volkan Demirok, Güven Kıraç, Altan Erkekli, Itır Esen, Okan Bayülgen, Hümeyra, Jean-Claude Van Damme, Emir Faruk Uğurcan
Duração: 120 min.