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Crítica | O Brilho de Uma Paixão

Suspiros poéticos

por Fernando JG
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O que quer esta cineasta Jane Campion é muito perceptível já nos primeiros minutos de filme: ao que parece, deve ter lido a biografia de John Keats e de quebra os poetas de sua geração, de modo que quis produzir, em seu longa-metragem, uma afetação emocional byroniana típica de uma juventude poética extremamente apaixonada, doente e trágica em algum limite. Um coração em chamas e um corpo doente – como um dia fora a geração que sucede a Lord Byron -, no entanto, não valem de nada se lhe falta paixão na composição geral do objeto fílmico. Está aí o problema de O Brilho de Uma Paixão: falta-lhe força e vigor, como é próprio do sentimento que busca trabalhar.

Há uma questão importante no que diz respeito à recepção de um filme pelo público, o que toca num ponto fraco da humanidade como um todo: estamos sempre nos impressionando pelas belas coisas sensíveis, isto é, pelas coisas que se apresentam a nós e nos agradam aos sentidos – e nos esquecemos de seu conteúdo. Uma bela imagem e um argumento que pretende ser poesia nos encantam porque são agradáveis, plenos e nos enchem de vida apenas pela ideia. A cinematografia evoca tudo isso a que me reportei e é um deleite à parte. Os campos floridos na primavera; os vastos campos secos no pré-inverno; os altos montes cobertos de neve; as borboletas que participam da cena fílmica, enfim, tudo isso é belo e portanto romântico, e assim pretende construir, na textura fílmica, aquilo que é próprio da poesia lírica: um coração cheio de sentimentalismo e um locus amoenus de destaque no ambiente cenográfico. Assim, é de grande notabilidade o fato de que a cineasta sabe elaborar uma mise-en-scène e ângulos incríveis, seja na redução focal, seja na abertura do foco, bem como não foge aos elogios a suavidade da trilha sonora, que opera com tons mínimos. 

Contudo, toda essa bela cinematografia vai escondendo um texto frágil, uma relação de personagem absolutamente débil e um ritmo muito, mas muito arrastado devido ao problema da debilidade do texto. O estilo adotado pelo filme é antes semelhante às obras enfadonhamente domésticas de Jane Austen ao lirismo apaixonado entre duas almas-amantes requerido pelo casal-protagonista. Não utiliza de figuras de hipérboles e exageros para exprimir, com verdade, o modo como a paixão corrói. A cineasta opta, claramente, por um tom amainado, gracioso e desinteressante. Ao conter e reduzir a sua linguagem cinematográfica, o filme se converte em algo próximo à castidade, transformando o ritmo leve num peso. Quero dizer, é uma produção bem à moda inglesa e isso já diz tudo. 

Pontualmente, tem os seus grandes momentos, que costumam acontecer, ironicamente, apenas quando trabalha os textos literários, as poesias e as cartas-poéticas propriamente. Penso se é um mérito o fato de que as grandes cenas do filme sejam, basicamente, leitura de poemas ou se um demérito por trabalhar coisas já canonizadas e textualmente belas…Ou seja, o que se sai bem no filme não é um material da cineasta, mas do próprio Keats, algo extra-filme. É claro que recitar a Ode a um Rouxinol seria encantador em qualquer situação, mas e quanto à construção ficcional da trama? 

Se por um lado, o trabalho com o texto literário é muito bonito, por outro, o seu roteiro – a ficção – vai se mostrando esvaziado, insistindo em situações banais e em cenas triviais para encher o filme. Parece-me que quando não tem mais o que escrever, Jane Campion introduz uma fala poética na boca de algum de seus personagens e resolve o problema, encobrindo furos. O contratempo é que isso não fica barato, isto é, isso gera consequências no curso dramático: se as falas são superficiais, causa uma falha de conexão genuína na interação entre os protagonistas, que não conseguem se conectar para além de conversas curtas e exaustivamente líricas, o que afeta o ritmo da película, parindo um efeito-dominó de profundo tédio. E é melhor que se diga que o filme não é sobre John Keats, mas especificamente sobre Fanny Brawne e como ela se relacionou com ele. 

Abbie Cornish e Ben Whishaw são ótimos intérpretes de Fanny e Keats respectivamente. Ela se sai ainda um pouco melhor do que ele e o atropela em cenas dramáticas, como as finais. Ele mantém um meio-tom para sempre. A última metade do longa-metragem é em si superior à primeira em todos os aspectos: imagens, diálogos, atuação, enredo e roteiro. E enfim coroa Abbie Cornish com um episódio final de sofrimento notável, com uma atuação em plenos pulmões mas ainda assim com uma escolha de direção que alivia o peso de uma interpretação dramática mais elevada. Escolhe filmá-la com uma câmera objetiva mas distante, retratando o seu desespero de longe, o que alivia e facilita o trabalho para a atriz. Diferente, por exemplo, do que faz outros grandes cineastas na hora de filmar suas heroínas trágicas em prantos: todos se lembram de quando Patrice Chéreau fez de Isabelle Adjani uma atriz perfeita em A Rainha Margot ao enfocar seus olhos úmidos diante das lentes das câmeras, ou mesmo Sergei Bondarchuk quando dirigiu Lyudmila Savelyeva em suas impecáveis cenas de choro em Guerra e Paz. São detalhes, mas que engrandecem. 

Não dá para negar que, embora falte engenho e um maior capricho textual, a película tem uma direção segura de Jane Campion. Não dá para dizer que não sabe o que quer. A cineasta é firme em suas escolhas e insiste em sua ideia de filme até o final, defendendo a forma romanesca como o estilo de seu longa-metragem. Por trás do manto de uma belíssima estética da imagem, está o conceito de amor, de amor romântico propriamente: sem limites, impossível, insuperável, trágico. É por aí que caminham alguns dos principais aspectos de O Brilho de Uma Paixão.

O Brilho de Uma Paixão (Bright Star) — Austrália, França, Reino Unido, 2009
Direção: Jane Campion
Roteiro: Jane Campion (baseado na biografia Keats: A Biography escrita por Andrew Motion)
Elenco: Ben Whishaw, Abbie Cornish, Paul Schneider, Kerry Fox, Thomas Sangster, Edie Martin, Antonia Campbell-Hughes, Olly Alexander
Duração: 119 min.

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