Avaliação da temporada:
(não é uma média)
- Há spoilers.
Continuando a partir do razoavelmente confuso – e um tanto quanto frustrante – último episódio da temporada anterior, Raised by Wolves sofre uma drástica alteração de status quo em seu segundo ano, com a ambientação sendo alterada para a região tropical e, portanto, mais quente e rica em vegetação, e com a comunidade que acompanhamos sendo a ateia, não mais a quase que completamente exterminada mitraica. Além disso, há um foco maior nos androides e nas criaturas biotecnológicas em geral, aí incluindo a serpente voadora Número Sete e, claro, a árvore-Sue.
Visualmente, a série continua fascinante. Na verdade, minto, pois ela ficou ainda mais fascinante, mesmo que tenham inventado um mar ácido que só corrói quando conveniente ao roteiro e criaturas marinhas que parecem ser – conforme descobrimos no último episódio – humanos involuídos por razões ainda não totalmente claras. Os trabalhos da direção de arte, figurinos e fotografia são estupendos, assim como as atuações de Amanda Collin e Abubakar Salim como os dois protagonistas cibernéticos que ganham cada vez mais nuanças, aproximando-se mais da humanidade do que os próprios humanos ao seu redor.
É, aliás, nesta temporada, que começamos a perceber que a história é muito mais sobre os androides do que sobre os seres humanos que gravitam ao redor deles. Com a adição da misteriosa Avó, androide de centenas (milhares?) de anos que Pai acha e reconstrói como que invejando a capacidade de Mãe de criar vida, essa característica da série fica ainda mais saliente, mesmo que, como de costume, no apanhado geral, o que vemos são mistérios sendo acrescentado em cima de mistérios já existentes. Sim, há uma lógica carregada de simbolismo mitológico – cristão e nórdico ao mesmo tempo – que torna difícil entender exatamente onde está a barreira entre o tecnológico e o místico, com a “voz de Sol” tornando-se cada vez mais presente no que se refere a Marcus, Sue e, ao final, Lucius.
Não tenho a menor ideia a direção que a série tomará a partir dos eventos a que fomos apresentados em sua segunda temporada, mas sei que quero muito descobrir. Agora é aguardar a renovação (dedos cruzados!) e torcer para que o showrunner tenha um plano bem alinhavado para fazer todas – ou pelo menos quase todas – se encaixarem.
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Como fazemos em toda série que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês, lembrando que os textos abaixo são apenas trechos das críticas completas que podem ser acessadas ao clicar nos títulos dos capítulos. Qual foi seu preferido? E o pior? Mandem suas listas e comentários!
8º Lugar:
Seven
2X02
O segundo episódio é mais interessante do lado de Markus e seu recrutamento de mais um devoto, desta vez o responsável pelo fogo em frente à casa dos protagonistas, que foi espancado por Lamia por ordens d’O Íntegro. A reconstrução do culto a Sol e sua absorção dos descontentes com o controle de uma máquina é um caminho que promete eventos interessantes que têm o condão de reconstruir o conflito mortal entre ateístas e mitraicos, ainda que eu desconfie que haverá mais nuanças aí do que apenas algo tão claramente antitético.
7º Lugar:
The Collective
2X01
A nova ambientação, que o episódio se esmera em mostrar, é naturalmente mais rica e mais abundante no que oferece – mesmo que o mar seja ácido, claro – já que, agora, a série mudou para a tão falada, mas nunca vista, região tropical do planeta (um de meus problemas de origem na série é os androides nunca terem se coçado para estudar mais o planeta no tempo todo que ficaram por lá). No entanto, a “beleza” dos novos cenários é ainda, certa forma, árida, inóspita e feia. Novamente, a direção de arte se recusa a embelezar a série só para torná-la mais agradável aos olhos. Mesmo com enormes árvores e frutos variados, vê-se a preocupação em emudecer as cores e, mais do que isso, dar uma aparência perigosa a tudo que cerca a comunidade. E o mesmo vale para a caverna em que Markus se esconde e começa a montar seu próprio culto para converter os ateístas (como ele fará isso basicamente sozinho é um mistério…).
6º Lugar:
Good Creatures
2X03
Outro aspecto importante do episódio é avançar no lado do Pai. Mãe, claro, andou a passos largos em seu desenvolvimento na temporada anteriores e Pai, aqui, vem ganhando crescente destaque, especialmente agora que ele deve conseguir ligar o androide ancestral cujos restos ele encontrou nas imediações e ter seu próprio filho, em uma demonstração simultânea de orgulho por gerar viva e ciúmes de Mãe, que já teve essa oportunidade. O que sairá desse androide revivido, só o tempo dirá, mas considere-me intrigado, pois ele deve ser a fonte principal para conhecermos o que afinal aconteceu com os humanos (ou humanoides no planeta).
5º Lugar:
The Tree
2X06
A mensagem à la Campo dos Sonhos que Sue vinha recebendo – “plante a semente” – manifesta-se na literalidade, ou seja, com a plantação de uma semente contida no artefato religioso que Paul encontrara, com direito, ainda, ao paralelo disso com outra semente germinando, o nascimento do bebê, claro. A família em fuga faz de tudo para abrir o objeto, só conseguindo mesmo excitar Número 7 por razões que desconhecemos e que só acrescentam aos mistérios, mas ele só oferece seu conteúdo depois que Sue canta uma canção de ninar ou só oferece para Sue especificamente, independentemente do que ela falasse ou cantasse, fundindo-se a ela em seguida e, ao que tudo indica, transformando-a literalmente na árvore do título e que também é a imagem proeminentemente usada no material publicitário da temporada. Outro momento WTF?, sem dúvida alguma, especialmente se a árvore for mesmo Sue (só falta o rosto dela aparecer no tronco como o da avó da Pocahontas aparece na animação da Disney), mas outro momento igualmente fascinante e cheio de simbologia – árvore da vida, claro – e mistério.
4º Lugar:
King
2X05
King, portanto, marca com louvor a metade da segunda temporada de Raised by Wolves. Não tenho mais ideia dos rumos que essa prosa vai tomar, e começo a me acostumar com isso, mesmo ainda mantendo a fé de que aquela convergência que detectei em Control voltará a aparecer em breve com a ativação completa de Avó e a potencial revelação de seu passado e do que é aquela voz que Sue ouve ao final (fiquei desconfiado de que poderia ser o Trust ainda ativo de alguma forma, mas não sei…). É, sem dúvida alguma, e cada vez mais, uma série única e, diria até, especial, que mesmo não agradando a todos em tudo o que oferece – que série consegue isso, não é mesmo? -, precisa ser reconhecida por sua ousadia e capacidade de intrigar.
3º Lugar:
Control
2X04
Control, antes mesmo da metade da temporada, basicamente muda tudo o que sabíamos sobre Raised by Wolves ao reposicionar Mãe como líder dos ateístas, trazer um novo personagem que pode ser uma formidável força opositora a ela e, mais interessante ainda, com conexão com Pai, ao em princípio converter Campion em adorador de Sol e prometer transformar Paul em algo mais do que ele era. E o mais bacana é que o episódio faz tudo isso sem forçar situações e sem tirar nada de estranho (ou de mais estranho, deveria dizer) de dentro da cartola. Tudo parece ser desenvolvimento natural do que vimos até esse ponto, o que é um testamento da qualidade do que Guzikowski vem fazendo, mesmo considerando o final razoavelmente decepcionante da temporada inaugural.
2º Lugar:
Happiness
2X08
Como já escrevi algumas vezes, a série é fundamentalmente sobre seres artificiais. Os humanos, seus protegidos, são, na maioria das vezes, apenas detalhes ou instrumentos para que os androides sejam magistralmente trabalhados. Happiness reitera essa conclusão. Avó, que diz ter a função de perpetuar a humanidade, ou seja, dar uma de “vovozinha” mesmo, protegendo todo mundo, tem seu rosto magnificamente revelado, com seu véu sendo transplantado para Mãe, que, ato contínuo, com seus sentimentos postos em xeque, enfrenta Número 7 e o extermina de maneira tão cruel, tão fria e tão dolorosa, furando aquele olhinho de cobrinha pidona, que eu fiquei com pena do bicho em uma cena que não é menos do que memorável. Mas o conceito de humanidade que Avó tem parece ser bastante elástico e seu objetivo, na verdade, é manter viva qualquer versão da humanidade, mesmo que seja uma versão involuída para a forma de criaturas marinhas resistentes ao mar de ácido que, por seu turno, serve de proteção contra o inverno que está chegando agora que a camada protetora da região tropical foi inadvertidamente destruída por Mãe.
1º Lugar:
Feeding
2X07
E o mais interessante é que o showrunner, com esse festival do que em uma primeira análise rasa e com profunda má-vontade pode ser interpretado como uma confusão dos diabos, na verdade é um caos com ordem ou com um semblante de ordem. Para todos os efeitos, Kepler 22-b é como um tubo de ensaio para a vida na Terra, mesmo que a linha temporal, depois do diálogo de Mãe com Avó, que menciona centenas e não milhares – talvez milhões – de anos, ainda não seja algo que possamos bater o martelo. Não sabemos bem que veio antes, os humanos da Terra ou os humanoides do planeta distante e como uma espécie alimentou a outra ou criou a outra, mas começa a ser perceptível essa conexão que, claro, carrega as conotações mitológicas das mais diversas religiões que convergem para a mitraica dos poucos que ainda são dela, claro.