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Fora de Plano #85 | Pânico 4: O Reconhecimento Tardio de Uma Sequência Ousada

A tragédia de uma geração é piada de outra.

por Felipe Oliveira
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O que já foi dito sobre Pânico 4 que não seria repetitivo trazer aqui? O lançamento de um novo capítulo da saga novamente após uma pausa de 10 anos, agora se vê diante de uma cultura que se prepara fazendo uma maratona. Quando se trata de aterrorizar Woodsboro, é sempre um novo rosto por trás da máscara, mas que segue uma trilha de tragédia até a sua final girl Sidney Prescott (Neve Campbell). Chegado em 2011, Scream 4 vinha depois do encerramento da trilogia nos anos 2000, o que somava uma solidificada recepção na crítica, aceitação do público e uma bilheteria rentável. Desde o surgimento do primeiro capítulo, a sequência um ano mais tarde conseguiu entregar um filme mais denso e tenso, porém, ácido e criativo em sua autocrítica e sátira. Seguido de um intervalo de três anos,  Scream 3 finalizava um arco para seu trio de sobreviventes, mesmo que com uma porrada de ponderações que iam desde o roteiro até a pouca participação da protagonista. Onze anos se passaram, e Wes Craven voltava para mais um de seus trabalhos revolucionários com a bagagem de uma década para esmiuçar em um novo filme. O quarto capítulo foi categórico, brega, caricato, embebido em deboche, ironia e num movimento dançante e ainda mais consciente da forma que iria dialogar. É como se criticar os erros da sequência, ainda assim, não seria páreo, pois era como precisava ser concebido — exceto por aquela fotografia.
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A abertura

Filme dentro do filme dentro do filme: tem como superar?

O tratamento injusto para com Scream 4 não vinha só da crítica, mas principalmente do público, o que incluía a parcela do fandom que também não parecia pronto para a sequência, porém, o filme estava mais que pronto e habilidoso, e o planejamento da icônica abertura era a primeira prova disso. Ainda que alguns tenham resistido com uma dificuldade para digerir, temos um fato aqui: os onze minutos iniciais foram geniais e triunfantes para o retorno de uma franquia que sempre se desafiou.

Se analisarmos bem, cada sequência de abertura — com exceção do terceiro — surgia de forma a superar a anterior dado o reflexo vigente que o longa estaria discutindo, sem falar que a tetralogia de Wes não buscava começar com minutos para causar um espanto habitual de filmes de terror, mas além de introduzir com o Ghostface, a intenção era estabelecer o tom e apontar a linha de abordagem a ser destrinchada. O longa de 1996 acertou em cheio ao abrir com 13 minutos, um gancho renovador de Drew Barrymore sendo aterrorizada e morta em sua marcante participação. O ponto extraído disso era que muita coisa chocante poderia acontecer uma vez que uma estrela em ascensão como Barrymore deu as caras em um filme slasher para morrer de maneira brutal logo no começo.

Nada sutil na acidez, Pânico 2 abriu jogando na cara da audiência a exploração da indústria hollywoodiana em produzir sequências, também, a falta de diversidade em filmes de terror além do protagonismo branco e como atores negros são escalados para momentos específicos. Sabendo também que repetiu a carência de evolução da indústria um ano antes, e que essa faca não cortaria apenas um lado, o longa não poupou tempo para alarmar essas reflexões através do casal vivido por Jada Pinkett Smith e Omar Epps, enquanto se dirigiam ao cinema para assistir a Stab — primeiro filme fictício da franquia e que reflete a extensão que a própria tragédia em Woodsboro vai assumindo — baseado no livro Assassinatos de Woodsboro, de Gale Weathers (Courteney Cox).

A sessão está em êxtase, máscaras do Ghostface e facas de borracha brilhantes foram distribuídas para quem comprava o ingresso, e no ápice para sua conjectura acerca de adaptações, Maureen (Smith) é assassina em plena sala de cinema durante toda a alienação fervorosa que encarava toda cena como uma jogada de marketing. Foi um número insano abrir Scream 2, mas tal aposta que é banalizada pelas pessoas presentes até provar assustadoramente real para eles, foi o pontapé para o que texto de Kevin Williamson discutiria em dose dupla ao anterior:  a pressão midiática em cima de tragédias, enquanto entrava em pauta na metalinguagem se os assassinatos ocorridos no cinema por alguém trajado com mesma máscara e roupão preto dos homicídios passados, fariam parte de uma tentativa de superar a onda anterior. O terceiro ponto que as mortes levantou, era se Apunhalada estaria influenciando pessoas a cometerem crimes. Com tanta sagacidade para cutucar vários aspectos que estouraram na cultura pop, não é difícil Pânico 2 ser tido por muitos como superior ao original.

Em Pânico 3, a abertura não teve o tom de genialidade dos dois últimos, muito menos de tensão para uma ideia que poderia ter um pouco da pegada absurda e assustadora de antes. Terminando de maneira simplória o jogo do Ghostface com Cotton (Liev Schrieber), a sequência serviu para revelar algumas artimanhas do Cara de Fantasma e o alvo principal: Sidney (uau). Lançado em 2000, o longa pretendia encerrar a franquia como uma trilogia, e de tantas irregularidades que o torna divertido, faltou no seu início  conseguir fisgar a audiência com um arranjo convincente, mais elaborado e que apontasse com empolgação para onde o filme estaria indo — a excelente sacada do Ghostface atacando durante a produção de Stab 3. Em resumo, de cara, o que os primeiros filmes satirizavam com propriedade, o roteiro de Ehren Kruger esbanjava de forma amadora, fazendo o que deu identidade a Scream se perder em meio a um texto que também acertava.

Mesmo para um retorno tão bem apreciado pelo público, crítica, o que justifica a satisfatória bilheteria, a abertura do novo Pânico (2022) precisaria de mais para conseguir superar a de Scream 4, ainda que o texto tenha dado conta de preparar o terreno para sua abordagem. Iniciando com um trecho de Stab 6, o quarto capítulo em sua abertura atingiu o feito de dizer como foram as sequências dos fictícios Stab 5, 6 e 7 numa colocação ousada e instigante do filme dentro do filme dentro do filme para então chegar no seu escopo. Dizer que foi divertido o uso da metalinguagem brincar com as estrelas convidadas do sétimo Facada vendo o sexto, e a dupla final assistindo a Stab 7 e falando também do quinto, seria muito simples, mas só nessa jogada habilidosa, Williamson tratou de debater o cenário dos filmes de terror desde que Scream 3 foi lançado em 2000.

Na cena referente a Facada 6, Sherrie (Lucy Hale) recebe uma ligação duvidosa enquanto se prepara para assistir a um filme de terror com sua amiga Truedie (Shenae Grimes-Beech). A escolha foi para uma das produções de Jogos Mortais, e articuladamente, o assunto vira uma discussão sobre o subgênero torture porn, o que Trudie aponta que não há nada de assustador já que são enredos que não desenvolvem os personagens, apenas dão ênfase no gore. Em meio a popularização de Jigsaw, Mártires, O Albergue, Fronteira e A Invasora foram outros títulos que ganharam fama no subgênero. E propositalmente caindo no conceito óbvio de “assassino do Facebook” sendo adaptado em um filme de terror como uma crítica a tendência da época, a cena termina com o contatinho fake de Trudie se revelando fazer parte de um jogo do Ghostface encerrando a noite de “cinema” das amigas.

Kristen Bell e Anna Paquin agora protagonizam um trecho de Facada 7, com um texto assumindo um tom mais ácido e agressivo com a dupla representando o fandom discutindo com o que o terror vinha sendo trabalhado. “É a morte do terror bem aqui na nossa frente”, dizia Rachel, a personagem de Paquin vendo o desenrolar de Stab 7. “Assassino do Facebook? Do Twitter faria mais sentido hoje em dia”. Enquanto ela argumenta que a fórmula da metalinguagem da franquia fictícia tinha se desgastado com os jovens apontando falhas dos filmes de terror, e uma figura mascarado vinha dar um fim neles, Chloe (Bell) defende como ideias do tipo são mais pé no chão se comparadas ao subgênero sobrenatural com histórias de maldições. A cena de desfecho brutal com a dupla serviu para abranger um reflexo acerca das sequências, a falta de originalidade às tornando cada vez mais óbvias, e claro, os filmes sobrenaturais que ganharam mais popularidade enquanto o slasher buscava voltar no boca a boca com remakes, que é onde Pânico 4 era centrado.

Trazendo a terceira dupla de estrelas brancas, Marnie (Britt Robertson) e Jenny (Aimee Teegarden) protagonizaram a sequência definitiva, com ainda mais deboche. Na conversa, é mencionado que Facada 3 foi o último filme inspirado na história real de Sidney, e que após ela ameaçar os produtores, passaram a inventar os enredos, tendo o quinto filme utilizado viagem no tempo como plano de fundo. Nisso, o roteiro de Williamson lembrava como extensas franquias de terror em Hollywood se perdiam em suas ideias, estragando o que deu certo no caminho, levando a indústria sempre tentar se beneficiar do sucesso com remakes.

Fato é que na versão alternativa, toda abertura terminaria com um gostinho ainda mais louco de como tudo foi feito, mas a escolha utilizada não fez menos ao manter a tradição das cenas iniciais: definir as regras das sequências. Se continuações não sabem valorizar a essência do original, cabem aos remakes resgatar isso, e dois pontos justificavam o novo capítulo: quando Jenny diz que Woodsboro era conhecida história de Sidney, e com o Ghostface falando para ser considerado como um diretor de um filme, durante sua ligação com Jenny. Ao menos, o segundo ponto foi uma dica para o que Pânico 4 tratava.
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Nova década, novas regras: bem-vindos ao remake

Stab perdeu a base de seu argumento faz tempo, e atacar Marnie e Jenny foi o que o Ghostface precisava para ressurgir. Só por sua abertura, o texto de Williamson se mostrava inteligente e que ainda sabia usar de sua criação para autocriticar e revitalizar o subgênero. Certo que no desenvolvimento o autor se permitiu cair nas inserções de humor galhofa e de algoritmo da época, mas a agilidade do roteiro conseguia ir mais além.

Introduzido em Scream 2, Stab também representava a exploração da indústria cinematográfica com franquias enquanto funcionava como um reflexo do próprio universo, e após 11 anos sem um filme inédito, Wes e Williamson retornaram com estilo ao utilizar Facada para selecionar os principais tópicos do terror neste período de intervalo em que remakes de slashers não paravam de dar as caras. Em 1996 o primeiro foi revolucionário, no ano seguinte, provou que conseguiriam fazer mais, e como Rachel falou em Stab 7, já estava manjado o filminho tecendo críticas ao gênero e colocando um assassino como vilão, assim, apontando o que os filmes de Pânico se tornariam com o tempo.

A chegada de um capítulo inédito precisava ser bom, desafiador e causar o efeito de frescor para o subgênero que estava outra vez esgotado. Se refilmagens como O Massacre da Serra Elétrica (2003) e A Casa de Cera (2005) tenham caído no gosto do público, as tentativas de Halloween (2007), Sexta-Feira 13 (2009) e A Hora do Pesadelo (2010) não conseguiram sustentar os retornos, e dos três ícones do slasher, apenas Chucky mostrou progredir com o ousado O Filho de Chucky (2004). E Pânico 4 refletia o desânimo da audiência — e como balde água fria, também da crítica — aos poucos ao retratar o retorno do Ghostface justo quando a cidade fazia aniversário dos crimes originais. De um lado, decorações do Cara de Fantasma espalhadas pela cidade — o que faz Dewey (David Arquette) pontuar “A tragédia de uma geração é piada de outra” — e os agitados fãs de Stab Robbie (Erik Knudsen) e Charlie (Rory Culkin) afobados para saber o que as amigas Kirby (Hayden Panettiere), Jill (Emma Roberts) e Olivia (Marielle Jaffe) poderiam falar acerca da franquia que só eles pareciam apreciar. O momento era perfeito para uma Facadatona, mas o Ghostface já tinha reacendido e realizado ligações na manhã seguinte.

E em breve transições quando o escândalo e ameaça começavam a tomar forma, Scream 4 tinha inserido o comportamento digital e propagação de informações diante da internet. Ou seja, menos de vinte minutos, o filme sabia abranger um reflexo atual para sua metalinguagem sem parecer didático, o que só o tornava mais empolgante. O roteiro trazia uma Sidney que não aceitaria o caos em novamente sua vida e não poupa esforços para lutar contra o Ghostface em todas suas aparições, e na primeira chamada entre o vilão e a sobrevivente, é dada outra dica que sobre os ataques se tratarem de um filme, algo sendo registrado.

A próxima colher de chá, não é nada sútil e com uma baita cena costurando o reflexo sobre a tendência de remakes na indústria e como quem está agindo como Ghostface, é um fã de Stab, e que evitando uma sequência, está aderindo a moda dos estúdios: fazer uma refilmagem. Como o público está bem antenado às regras dos originais, as novas pedem uma abertura soberba, mortes mais chocantes e autênticas, e o inesperado como o novo clichê, com a subversão ditando o ápice da fórmula. Se você é gay, a nova regra te dá poder de escapar.  Nesse trajeto, é um primor como enquanto  funciona como uma sequência que trabalha com a ideia de refilmagem, Pânico 4 ter deixado para os fãs uma curiosa bagunça de pistas com easter-eggs de quem estaria sendo usado ou não para o desfecho, como a camisa estampada de Jill remetendo a roupa de Billy (Skeet Ulrich), a cena da abertura lembrando o icônico momento de Tatum (Rose McGowan) sendo encurralada na garagem, as roupas de Trevor (Nico Tortorella) como as de Neil Prescott (Lawrence Hecht), pai de Sidney.

Mas o  assassino não está seguindo a ordem dos acontecimentos de Stab, e nada se compara a cena de refilmagem de Casey (Barrymore) com Kirby sendo testada o quanto sabia dos slashers clássicos para salvar Charlie, e o ponto alto com ela citando em meio ao desespero uma porrada de refilmagens do terror, o que consagrou Kirby como uma das personagens mais queridas a passar pela franquia e infelizmente ter quase um fim trágico — sua última cena a mostrou sangrando no chão, mas ainda viva, o que deixou seu fim em aberto.
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Eu não preciso de amigos, preciso de fãs

Oh, não. Espera, o terceiro ato tinha reservado o que seria melhor dessa refilmagem que foi capaz de retrabalhar seu universo com o trio de sobreviventes raiz — precisava Dewey virar um chato ranzinza?  —  e ainda sim ser inesperado. Abraçando um senso mais cínico e louco, foi em seu desfecho que Scream 4 revitalizou a reflexão do filme original acerca da pressão, abordagem e criação de narrativas da mídia em cima de tragédias, o que foi um diferencial no longa porque entendemos a história de Sidney justamente pela proporção que foi tomando nos veículos midiáticos.

E puxando para era das redes sociais, o roteiro personificou com inteligência  um reflexo perigoso sobre a busca instantânea da fama com Jill insanamente caçando seu estrelado, e voltando para o tratamento narrativo midiático, o filme traçou essas duas vertentes ao tratar da disseminação de informações com a sobrinha de Sidney sendo falada como uma tal heroína e sobrevivente de final de filme, a colocando como ícone, a que resistiu a nova onda de massacre em Woodsboro.

Não se referindo apenas ao primeiro filme, Pânico 4 também remetia ao segundo falando sobre uma geração que banaliza a tragédia, agora para uma era em que tudo se torna assunto na internet. A morte de Rebecca (Alison Brie) a assistente de Sidney atendida a regra de mortes mais exageradas, bem como Cici (Sarah Michelle Gellar), ou do evento de Facadatona sendo realizado — ; bem semelhante ao que se passou com Maureen no cinema, se sucedeu a Gale, sendo o choque não a contemplação dos jovens presentes, mas a transmissão dos ataques — além de festas na residência apesar da ameaça iminente na cidade não servindo como aviso.

Onze anos depois do terceiro e quinze após o original, Scream 4 retornava à franquia sem perder o jeito de usar da metalinguagem e ironia para falar do cenário presente ao terror, tendências e cultura pop, ainda que tenha rebuscado para escolhas algorítmicas que serviam para as produções da época.

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