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Crítica | “Ants From Up There” – Black Country, New Road

Um álbum de exaustão que encontra beleza na fragilidade.

por Matheus Camargo
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“Ignore the hole I’ve dug again

It’s only for the evening

I never wanted you to see that much

Of the bodies down there beneath me”

For The First Time, primeiro álbum da banda britânica Black Country, New Road, foi um fenômeno gigantesco. A reunião do absurdo e do confessional, entre guitarras elétricas, tão distorcidas quanto a realidade relatada pela voz falada-cantada de Isaac Wood, ou as linhas de saxofone que buscam no jazz as melodias marcantes de suas canções, que sempre encontram afluentes para explodir em fardo e surpresa atraiu uma legião. Capazes de criar músicas de uma extensão épica porém desesperada, que nunca encontram conforto em lugar algum, tendo prazer em soar perturbada, conseguiam descrever angústias internas porém, de alguma forma, apáticos em relação à própria tristeza. Ants From Up There tem consciência de sua miséria. Mais que isso, possui consciência que sua desgraça se tornou universal, e que agora não carregam apenas seus monstros internos, mas os demônios projetados pelo seu público, a necessidade de decifrar os problemas de uma audiência que espera isso de você e, além disso, libertá-los através da música. Se antes ecoavam o industrial e amargo, agora lidam com a tristeza de uma forma diferente, dando permissão para que os momentos doces se manifestem. Isso não os torna menos tristes. Não, é um projeto pautado no tormento, na decepção, no luto. Porém, todo esse turbilhão é externalizado em beleza na sua mais pura forma, inspirando dor e expirando, finalmente, fragilidade.

Cinquenta e quatro segundos são suficientes para nos introduzir de cabeça no álbum, um boas vindas acolhedor que brinca com suas expectativas ao dar espaço para Chaos Space Marine. Na música, recheada de uma ironia ácida já conhecida em seus trabalhos anteriores, retratam o que parece ser apenas uma simples noite acompanhado de amigos e um jogo de tabuleiro. Num riff consistente, a consciência de que não podemos esperar nada da banda volta a se revelar quando camada a camada de instrumentos teatrais nos levam ao refrão e entendemos que toda a obsessão com o jogo, seus personagens e movimentos, estão sendo usados apenas como uma válvula de escape. Ao mesmo tempo, soa como uma viagem cômica, com melodias labirínticas que definem os novos caminhos que o álbum seguirá. O caminho definido se mostra na clareza assustadora de Concorde. Numa mudança de passo, guitarra e bateria soam gentis, acolhendo a voz que descreve, trêmula, os últimos suspiros de um relacionamento. Black Country, New Road, sabe trabalhar com o tempo. Seis minutos usados para que cada elemento e ressentimento impregne o ambiente lentamente e, independente de quantas vezes você suba essas mesmas montanhas, nunca estará preparado para o quão devastadora é a queda, antecipada por um “And I’ll come to you like a child / Concorde and I die free this time!”. 

Os motivos para a ruína dessa relação começam a ser contados em Bread Song por meio da grandiosa escrita de Wood, numa faixa lenta e soturna onde usa de suas metáforas e simbolismos para retratar a brutalidade de conseguir enxergar, em cada atitude, que não há mais nada a se fazer para recuperar o amor. O desejo de ser vulnerável, de ter momentos íntimos, de reatar a conexão, cortados pelo lacrimoso violino e pela indiferença do outro. A canção engata num folk menos carregado numa mudança de tempo, enquanto um ponto de luz parece brilhar: “And I’m ready for us to be understood”. Confesso que senti saudade da confusão deleitosa que faixas como Good Will Hunting trazem, o sentimento abstrato de não entender os desdobrares que os próximos segundos podem te trazer, e ainda assim ficar preso, atento a cada oscilação, ansioso pelo próximo detalhe, que, obviamente, estoura em vocais intensos e guitarras ásperas. E isso se repete quando Haldern usa do mesmo poder em nos deixar absortos em seu piano leve, intangível. Fruto de improvisação, os lados de delicadeza e ternura instituem os momentos mais tocantes e memoráveis do disco.

A vulnerabilidade de Mark’s Theme é, também, um divisor de águas para o álbum. Num tributo suave, feito de saxofone e emoção para o tio de Lewis, membro da banda, conseguem criar um momento emocionante que marca o ponto de virada do trabalho. The Place Where He Inserted The Blade é a minha faixa favorita não só do álbum, mas da discografia. Embargada de tanta emoção que melancolia nenhuma poderia acomodar, agarram a desolação com as próprias mãos e desmancham cada pedaço em música, num dos refrãos mais excruciantes que já ouvi, a voz de Wood é capaz de estilhaçar qualquer esperança de alívio. Tudo que expressa é uma fúria adocicada pelo sentimento de codependência enquanto vocifera “I’ll praise the Lord, burn my house / I get lost, I freak out” e realmente se entranha na insanidade, sempre no limite de quebrar completamente. Por fim, compara a situação de codependência com seu trabalho e a sede do público pelo seu desespero, pelo seu poder de pintar em som as suas tristezas e ansiedades. É avassalador e não dá sinais de que irá parar por aí quando Snow Globes começa logo em seguida, três minutos de notas repetidas de forma misteriosa e crescendo violentamente, uma performance de bateria deslumbrante que se torna personagem principal em nove minutos de delírio gritado que antecede perfeitamente o que está por vir.

Por fim, Basketball Shoes é a síntese de toda essa trajetória. Separada em três atos que conseguem se distinguir e soarem coesos ao mesmo tempo, enlaça todos os temas e canções exploradas no álbum de forma fantástica, enxergar todos os astros de insegurança se alinharem numa conclusão ainda mais intensa em doze minutos de pura catarse. A saída de Isaac Wood da banda, cinco dias antes do lançamento do disco, foi uma notícia difícil de digerir. E não é como se o vocalista nos devesse uma resposta, mas acredito que Ants From Up There é a mais certeira possível. Esse é um álbum sobre exaustão em cada um de seus pilares, órgãos e alicerces. Cada faixa cria o seu próprio estopim de formas diferentes, mas não se resume apenas ao seu clímax. É música sensível, poética e construída detalhe por detalhe para fazer você sentir a tragédia em seu âmago, e não há como derramar tanto de si mesmo sem se sacrificar. Olhar para o futuro é esperar que os próximos passos da banda sejam tão inventivos quanto esse, mas ainda que não sejam, já possuem nas mãos a conquista (ou o peso) de terem feito dois dos álbuns mais originais e extraordinários dos últimos dez anos. 

Aumenta!: Basketball Shoes
Diminui!:
Minha canção favorita do álbum: The Place Where He Inserted The Blade

Ants From Up There
Artista: Black Country, New Road
País: Reino Unido
Lançamento: 04 de Fevereiro de 2022
Gravadora: Ninja Tune
Estilo: Rock, Post-rock

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