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Crítica | Raised by Wolves – 2X01 e 02: The Collective / Seven

O Grande Irmão e a Grande Cobra.

por Ritter Fan
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The Collective

Seven

  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Apesar de concordar substancialmente com as críticas de meu colega Luiz Santiago (minha avaliação final ficaria levemente abaixo, algo como 3,5 HALs), como não fui eu o autor dos comentários sobre a primeira temporada de Raised by Wolves, vale começar com minha visão geral sobre a série até agora. A criação de Aaron Guzikowski é, para mim, uma contradição em termos. Fascinante e única em sua premissa, competente na forma como os personagens principais, especialmente a dupla de androides e Marcus/Caleb, são desenvolvidos, corajosa na direção de arte e na fotografia lúgubre que não procuram embelezar ou artificializar nada, a série produzida por Ridley Scott é, também um frustrante exercício de amontoamento de mistérios que só vai se agravando na medida em que avança, sem muita preocupação efetiva com a solução de pelo menos parte deles.

Com um final que é o ponto alto dessa frustração e que tem o condão de mudar completamente o status quo e enfileirar ainda mais perguntas do que a temporada já tinha feito, Raised by Wolves arriscou-se bastante em alienar eventuais interessados em continuar na empreitada ao se recusar a apontar em uma direção geral dentro da lógica construída, preferindo acabar no espetáculo, sem que ele também trouxesse substância. Ainda assim, a série foi uma das grandes e boas surpresas de 2020 e um dos poucos sci-fis realmente desafiadores em muito tempo.

E é a mudança completa de status quo que é o mote de The Collective, episódio de retorno da série. Mas será que as coisas mudaram mesmo? Afinal, se formos reduzir o episódio à sua essência, o que temos é a apresentação de uma situação substancialmente idêntica à que tínhamos antes, só que, agora, em meio à outra facção, a dos ateístas que vimos chegar ao final da temporada inaugural. Por vezes, senti-me na “segunda parte” de uma narrativa rashomônica, em que, agora, entendemos a mesma situação só que pelo outro lado. Claro, não é exatamente isso, pois há continuidade aqui, com os eventos se passando algum tempo depois que Mãe e Pai literalmente entraram pelo “buraco da minhoca”, aparentemente morrendo, mas o efeito geral, no frigir dos ovos, é que tudo mudou, para nada mudar de verdade.

De novo, aquele sentimento antitético vem à tona, em que tudo é visualmente fascinante, mas ao mesmo tempo frustrante. O retorno dos androides ao que eles eram antes, com Mãe sem seus poderes especiais, é fácil demais, inclusive com todas as crianças ali, sendo recebidas no seio ateísta mesmo sendo mitraicas. Sim, claro, há os descontentes e o sol em chamas em frente à nova moradia dessa família disfuncional não deixa dúvidas de que ela encontrará obstáculos à frente, mas, tirando isso, o que temos é a reapresentação de essencialmente a mesma situação, mas com as famosas “pequenas diferenças” típicas da ambientação ateísta.

É sem dúvida interessantíssimo saber que quem controla essa comunidade é uma inteligência artificial, chamada de O Íntegro, uma espécie de Grande Irmão que toma todas as decisões e dita o que cada um deve fazer, tudo em tese esperando o desenvolvimento de algum humano que possa efetivamente governar. Esse controle, inclusive, ganha contornos de divindade, uma gigantesca ironia, não tenham dúvida, já que até penitências de confessionário ela determina e sua presença física é para poucos, quase que uma revelação da palavra de um deus, só que literalmente “na máquina”. O roteiro, do próprio, Guzikowski, basicamente quer reiterar que esses dois lados em um conflito que acabou com a Terra e que promete também acabar com Kepler-22b são “farinha do mesmo saco”, como nós sabemos que são mesmo e que isso vale para literalmente qualquer conflito bélico entre potências na História do Homem.

A nova ambientação, que o episódio se esmera em mostrar, é naturalmente mais rica e mais abundante no que oferece – mesmo que o mar seja ácido, claro – já que, agora, a série mudou para a tão falada, mas nunca vista, região tropical do planeta (um de meus problemas de origem na série é os androides nunca terem se coçado para estudar mais o planeta no tempo todo que ficaram por lá). No entanto, a “beleza” dos novos cenários é ainda, certa forma, árida, inóspita e feia. Novamente, a direção de arte se recusa a embelezar a série só para torná-la mais agradável aos olhos. Mesmo com enormes árvores e frutos variados, vê-se a preocupação em emudecer as cores e, mais do que isso, dar uma aparência perigosa a tudo que cerca a comunidade. E o mesmo vale para a caverna em que Markus se esconde e começa a montar seu próprio culto para converter os ateístas (como ele fará isso basicamente sozinho é um mistério…).

Mas, em The Collective, não há nada, absolutamente nada que ofereça um pouco mais de esclarecimento sobre o que exatamente aconteceu na primeira temporada. Essa tarefa, em tese, fica com Seven, em que vemos a simpática cobra-bebê voadora aparecer de vez e assustar todo mundo na comunidade, matando um pequeno grupo no processo. Na verdade, “esclarecimento” foi uma liberdade minha, pois nada disso acontece no episódio no que se refere ao bicharoco em franco crescimento. Apesar de seu conceito estar costurado à narrativa principal da série desde o começo, tenho ainda grande dificuldade em aceitar essa criatura no tecido atual de Raised by Wolves. Como uma gigantesca espécie pré-histórica no planeta, tudo bem, nada a reclamar, como um monstro biotecnológico nascido de uma androide, tenho minhas reservas, reservas essas que acendem aquela luzinha de alerta que costumo batizar de Urso Polar em razão de Lost, ou seja, um negócio bizarro que está ali só para ser bizarro. Mas, claro, temos que esperar para ver em que isso vai dar.

O segundo episódio é mais interessante do lado de Markus e seu recrutamento de mais um devoto, desta vez o responsável pelo fogo em frente à casa dos protagonistas, que foi espancado por Lamia por ordens d’O Íntegro. A reconstrução do culto a Sol e sua absorção dos descontentes com o controle de uma máquina é um caminho que promete eventos interessantes que têm o condão de reconstruir o conflito mortal entre ateístas e mitraicos, ainda que eu desconfie que haverá mais nuanças aí do que apenas algo tão claramente antitético.

Curiosamente, meu segundo maior incômodo com o episódio – a lombriga gigante fica em primeiro lugar – é o que pode parecer apenas um detalhe ou uma bobagem para muitos: como é que funciona a mecânica do mar de ácido. Afinal, já ficou muito bem estabelecido que o negócio é mortal, impossível de sobreviver. Como corolário, gotas dessa água são no mínimo extremamente perigosas, capazes de atravessar a pele. Saliento esse aspecto porque há spray de água para tudo quanto é lado nas proximidades da caverna de Markus, com ele e a sua primeira convertida basicamente brincando nas pedras da costa até ficarem literalmente cercados de morte certa por todos os lados. O spray não é ácido? E a água na areia que eles pisam ao fugir dos soldados ateístas? Não faze efeito algum nas solas dos sapatos?

O recomeço de Raised by Wolves continua os problemas do final da temporada anterior. Interessante a apresentação da estrutura de uma comunidade ateísta comandada por uma inteligência artificial, mas os grandes mistérios da série não ganham nenhum tipo de desenvolvimento. Se alguma coisa, eles são aprofundados, como é o caso do misterioso sinal e do androide milenar que Pai começa a reconstruir, mas mantendo-se tão inescrutáveis quanto antes, ainda que, pelo menos em tese, reduzindo a presença do que poderia ser classificado como sobrenatural.

Raised by Wolves – 2X01 e 2X02: The Collective / Seven (EUA, 03 de fevereiro de 2022)
Criação: Aaron Guzikowski
Direção: Ernest Dickerson
Roteiro: Aaron Guzikowski
Elenco: Amanda Collin, Abubakar Salim, Niamh Algar, Travis Fimmel, Jordan Loughran, Felix Jamieson, Ethan Hazzard, Aasiya Shah, Ivy Wong, Peter Christoffersen, Selina Jones, Morgan Santo, James Harkness, Kim Engelbrecht, Jennifer Saayeng
Duração: 49 min. (3X01), 44 min. (3X02)

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