A história nós já sabemos: o livro de crônicas Sex and The City, de Candace Bushnell, levado para a televisão pelo showrunner Darren Star, deu início aos caminhos pavimentados por Carrie Bradshaw, interpretada por Sarah Jessica Parker, no multicultural e badalado território novaiorquino, trajetória de relacionamentos, consumo, desafios profissionais e outras aventuras vivenciadas ao lado de Miranda Hobbes, Charlotte York e Samantha Jones, interpretadas por Cynthia Nixon, Kristin Davis e Kim Cattrall, respectivamente, feixe de histórias finalizado na sexta temporada, em 2004, retomado em dois filmes, de 2008 e 2010, universo resgatado atualmente em And Just Like That: Um Novo Capítulo de Sex and The City. Além dos figurinos exuberantes, este universo também possui um grande destaque musical, com trilhas sonoras compostas por músicas incríveis, mescla de clássicos com sons contemporâneos. Aqui, farei um breve panorama dos álbuns lançados oficialmente em CD e disponíveis também em plataformas virtuais, um panorama que unifica pop, rock, soul, R&B, jazz, dentre outros ritmos contagiantes, músicas que acompanham as personagens e seus espectadores desde o primeiro episódio, exibido pela HBO em junho de 1998, parte significante da história da televisão mundial. Para a empreitada, foram analisados três álbuns, lançados em 2000, 2008 e 2010. Acompanhe.
O Tom Eclético de Sex and The City: Music From The HBO Series
Lançado em junho de 2000, quando Sex and The City já tinha engrenado e se tornado um fenômeno televisivo, o álbum em questão trouxe um conjunto de faixas sobre os temas abordados no programa, do relacionamento conturbado de Carrie e Mr. Big, aos devaneios sexuais de Samantha Jones, as aventuras românticas idealistas de Charlotte York e os paradigmas da inicialmente durona Miranda Hobbes. As 13 faixas emulam a atmosfera radiante da série e entregam ao ouvinte uma mescla de canções festeiras com baladas deprimentes e reflexivas. Produzido pelo criador da série, Darren Star, juntamente com Seymour Stein e Steve Greenberg, o álbum é empolgante, conteúdo que funciona independentemente dos interesses do ouvinte em acompanhar algo que seja ou não do universo novaiorquino da série. Pop, rock, soul, hip hop e house são os estilos predominantes ao longo dos 52 minutos de musicalidade contemporânea, revestida por alguns poucos momentos em busca de conexão com um tom mais clássico. O resultado, no geral, é bom, mas nada empolgante demais, apenas na média.
O álbum começa com os embalos de Sexbomb (Peppermint Jam Remix), de Tom Jones com Mousse T, faixa que estabelece um dos tons dominantes do conteúdo. Em Taste The Tears, som house da artista de música eletrônica Amber, a letra versa sobre os questionamentos de alguém que desejar saber do outro, os motivos para tanta mentira e imposição de momentos dolorosos, alusão ao minado terreno sentimental de Carrie Bradshaw e Mr. Big. Righteous Love, de Joan Osborne, em sua batida rock/pop/soul traz um refrão sobre dúvidas em relação a uma pessoa que nunca sequer acreditou verdadeiramente no amor. Bette Midler, atriz veterana que sempre manda bem nos vocais, entrega a faixa Love TKO, canção sobre lutas, perdas, ganhos e lágrimas ao olhar para o passado e ainda acreditar que possa haver força suficiente para empreender sentimental num mundo tão caótico. O álbum continua com Count To 10, de Imani Coppola; More More More, do grupo The Dust Brothers, o som hip hop de Missy Elliot em Hot Boyz-7, dentre outras baladas que mesclam o tom romântico e esfuziante do material, bastante conectado com o contexto aborda nas aventuras novaiorquinas de Carrie e suas amigas. O desfecho é com o tema de Sex and The City, na inesquecível versão da dupla inglesa de música eletrônica, Groove Armada, emulada em diversas releituras musicais deste universo.
A Trilha Desigual de Sex and The City – O Filme
O filme Sex and The City começa seguindo a linha narrativa do desfecho da série. Finalmente Carrie Bradshaw e Mr. Big estão juntos, Samantha Jones continua a sua jornada com Smith Jerrod, Miranda Hobbes e Steven estão casados, mas atravessam uma crise que se resolverá apenas no desfecho do filme e Charlotte York continua dedicada ao casamento com o judeu Harry Goldenblatt. Nesta aventura irregular de 150 minutos, quase um “épico novaiorquino”, Jason Linn e Salaam Remi assumiram a produção executiva do álbum com 15 faixas, complementado depois por um segundo material, não selecionado para a análise em questão. Os instrumentais, não inclusos no CD, ficaram por conta de Aaron Zigman, compositor conhecido por seus trabalhos nesta seara temática, tendo A Proposta, Diário de Uma Paixão e Ponte Para Terabitia como algumas de suas principais experiências. Suas parcerias com John Legend, Seal, Christina Aguilera, Phil Collins, dentre outros, permitiram conhecimento suficiente para adornar as imagens de Sex and The City com uma textura percussiva assertiva.
O álbum começa com a barulhenta Labels or Love, uma bobagem entoada por Fergie num momento bastante animado de sua carreira. A faixa versa sobre relacionamentos e consumo, apontando que é melhor consumir ao invés de se enganar com o amor, afinal, nada melhor que uma mala cheia de peças Dior e uma bolsa da última moda, não é mesmo? É a faixa que caracteriza a nossa protagonista Carrie Bradshaw, com trechos da composição de Douglas Cuomo, a música tema inesquecível da série, melhor momento da abertura do álbum. Logo adiante, Jennifer Hudson entrega dignidade ao material com All Dressed In Love, uma canção soul e R&B que versa, dentre tantas coisas, o trajar além do material, tendo o amor como peça fundamental do cotidiano. How Deep Is Your Love, clássico do Bee Gees, ganha uma versão synthpop com os sintetizadores, reverberações e vocais ofegantes da dupla The Bird and The Bee, formada por Greg Kursten e Inara George, releitura também dreampop da famosa música agradável dos anos 1970 ainda muito recorrente como trilha sonora no contemporâneo.
Outro clássico traz densidade ao álbum: How Can You Mend a Broken Heart, na voz firme de Al Green, agora acompanhada pelo ótimo tom sussurrante de Joss Stone, faixa que versa sobre um eu-lírico com coração despedaçado, cheio de mágoas, em busca de alguém que lhe permita acreditar no amor novamente. A canção, dedicada ao retorno de Miranda Hobbes e Steven Brady, é um dos acertos do conteúdo musical deste álbum bastante acima da média, finalizado pela versão orquestrada da música tema da série, mencionada anteriormente, faixa presente em todos os produtos que compõem o universo de Sex and The City. Dentre as 15 faixas, ainda temos Mercy (Duffy), It´s Amazing (JEM), Kissing (Bliss), I Like The Way (Kaskade), All This Beauty (The Weepies), The Look of Love (Madison Park, Lenny B. Remix e Nina Simone), dentre outras faixas que demarcam a contemporaneidade novaiorquina em consonância com todo jazz, soul, R&B, funk, pop, rock e demais derivados que embalam o caminho pavimentado pelos realizadores, trilha para os novos erros e acertos de Carrie e suas amigas inseparáveis.
Filme Medíocre, Trilha Fantástica: A Música de Sex and The City 2
Após o sucesso estrondoso do primeiro filme nas bilheterias, não era novidade que Sex and The City continuaria se expandindo. O segundo filme traz, mais uma vez, o quarteto, agora envolto em novos dilemas sentimentais e profissionais. Carrie e Big atravessam uma pequena crise. Samantha, agora solteira e mais sexual do que nunca, como na época da série, continua a sua jornada de aventuras equilibradas com o lado profissional em manutenção. Charlotte, ainda casada, também atravessa algumas crises, na dúvida sobre a fidelidade de seu marido e Miranda, mergulhada no trabalho constante, precisa de férias emergenciais. As quatro se unem para uma exuberante e xenofóbica viagem ao Oriente Médio, trajetória acompanhada, mais uma vez, pelo compositor Aaron Zigman, responsável pela textura percussiva entrecortada por clássicos da cultura pop, mais proeminente desta vez, diferente do tom soul/jazz/R&B do filme anterior. O resultado é um filme desprezível, mas com uma trilha sonora bastante envolvente.
Michael McGregor assume uma das faixas voltadas ao universo musical oriental. As atrizes Sarah Jessica Parker, Kim Cattrall, Cynthia Nixon e Kristin Davis entregam um entusiasmado vocal (na cena do karaokê) de I’m a Woman. Liza Minnelli aparece em duas faixas, Single Ladies (da Beyoncé) e Every Time We Say Goodbye (dueto com Billy Stritch), a primeira mais animada e a segunda um pouco arrastada quando dissociada do filme. Ainda sobre veteranas, Cindy Lauper é parte integrante da trilha sonora, com o seu “clássico” True Colors, de 1986, uma das baladas românticas mais famosas da cantora. Na faixa pop/new wave, a letra entoa sobre alguém com olhar triste e desanimado, em busca de coragem para encontrar o ânimo dentro de si mesmo, canção que dialoga com as necessidades dramáticas das personagens em determinados pontos da história. Toques da música podem ser percebidos em Love Is Your Colors, interpretada pelas vozes incríveis de Jennifer Hudson e Leona Lewis, canção com letra também significante que repete constantemente sobre “o amor ser a sua cor e o que te faz brilhar”.
No álbum de 18 faixas, ainda temos mais três bons momentos. Dido surge com a envolvente Everything To Lose, faixa gravada especialmente para a trilha sonora de Sex and The City 2. Com junção de elementos trance (batidas repetitivas e melodia progressiva) e house (vertente da música eletrônica com viradas e ritmos frenéticos), a canção versa sobre alguém destemida e sempre segura, mas que coloca tudo a perder quando se permitir levar pelo “outro” com quem divide a sua vida num relacionamento. Rapture, na voz de Alicia Keys, abre o conjunto de faixas do CD, tal como Fergie no filme anterior, emulando toques da canção tema da série, marco musical do universo de Carrie e suas amigas. Como nas canções de destaque, a letra entoa sobre alguém hipnotizada e que quase não consegue respirar diante das situações de sua vida. A cantora, presente em duas faixas do álbum, também surge na emocionante Empire State of Mind (Part II) Broken Dreams, escrita por Jay-Z, ideal para o contexto da série e dos filmes, situados em Nova York, um lugar que de acordo com a letra, é a selva de concreto onde os sonhos são realizados, um território iluminado e inspirador. Jason Linn e Salaam Remi, produtores executivos da trilha sonora do álbum anterior, também assumira a concepção musical desta sequência.
E a Música em And Just Like That: Um Novo Capítulo de Sex and The City?
A música ainda é um elemento triunfante para o universo de Sex and The City. Em seu revival, intitulado And Just Like That, Carrie, Miranda e Charlotte (sim, sem Samantha Jones), tem um feixe múltiplo de canções como parte integrante da jornada das personagens na vida após os 50 anos. Hello It´s Me, de Todd Rundgren, embala uma romântica cena entre Carrie e Mr. Big, no primeiro episódio, capítulo que ainda conta com uma passagem de Beethoven (Piano Sonata nº 14) e You Got The Love, de Candi Canton. A canção de Rundgren toca no enterro de um personagem que deixa o nosso mundo, momento do segundo episódio que ainda conta com Here Comes The Rain Again, do Eurythmics e Good Times, de Chic. Love is Back, de Celeste e If You Got a Problem, de Joy Oladokun, embalam o terceiro episódio. Nas empreitadas dramáticas seguintes, temos David Bowie, Johnny Nash, Jungle, dentre outros, nesta jornada musical eclética que também conta com a textura percussiva de Aaron Zigman, já veterano neste universo menos sexual, mas que ainda é sobre moda, consumo e relacionamentos.