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Crítica | Como Estrelas Na Terra

Um olhar tenro sobre a importância da educação inclusiva.

por Rafael Lima
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Qual é a função da escola? A resposta parece óbvia: ensinar as crianças. Mas ensinar o que e para quê? A escola existe para formar guerreiros quase padronizados que vão se digladiar no mercado de trabalho em uma competição excludente que já começa no ambiente escolar; ou para formar cidadãos que reconheçam e explorem as suas próprias potencialidades, desenvolvendo-se tanto individualmente quanto coletivamente? Essa é uma das questões abordadas por Como Estrelas Na Terra. Na trama, Ishaan é um garoto travesso, que vem tendo dificuldades na escola, e é enviado pelo pai para um colégio interno, para obter uma educação mais intensa e disciplinada. Mas a nova escola faz Ishaan apenas sentir-se abandonado, até que Nikumbh, professor substituto de arte, percebe que o garoto precisa de atenção especial e passa a tentar ajudá-lo.

Dirigido por Aamir Khan, Como Estrelas Na Terra constrói com calma durante o 1º ato a personalidade de seu pequeno protagonista, explorando a visão infantil e inocente que Ishaam tem do mundo. São nesses trechos que a direção tem os seus momentos mais criativos, usando uma montagem mais dinâmica e até passagens totalmente feitas em animação para ilustrar a alegria e imaginação de Ishaan. Quando o protagonista vai para o colégio interno, o filme assume uma postura mais melancólica, e é a partir desse momento que as críticas da obra ao sistema educacional passam a ser feitas com mais afinco. O texto tece essas críticas de forma direta, inteligente, como no trecho em que um professor corrige Ishaan por não interpretar uma poesia corretamente, apenas para um colega  confidenciar ao menino que sua interpretação era correta, só não era aquela presente no livro da disciplina. A obra não apenas lança críticas sobre a efetividade do aprendizado de determinados modelos de ensino, mas também aponta o quão excludente eles podem ser.

A entrada do professor de artes é um ponto de virada na trama, especialmente por ele passar a ocupar o foco narrativo. Nikumbh é um catalisador, mas a sua chegada acaba denunciando os principais problemas do filme. O roteiro é estruturado em três momentos: a vida de Ishaan antes de ir para o colégio interno, os primeiros meses na nova escola, e os eventos que sucedem à chegada de Nikumbh. Não apenas o direcionamento dramático destas fases é distinto, mas a forma como Khan dirige cada uma delas também é. Não há problema com essa escolha, mas a costura entre esses momentos não é tão eficiente quanto poderia, atrapalhando a coesão da obra. 

Se o  1º ato traz os momentos mais visualmente inventivos da obra, ele acaba ficando redundante em certo ponto, e até um pouco cansativo. Além disso, a identidade estética que o cineasta constrói nesse terço inicial é abandonada no restante do filme. Ainda que haja justificativa para essa mudança, porque está ligada ao humor de Ishaam, é uma pena que Khan não tente resgatá-la de forma alguma, mesmo que reconfigurada às diferentes atmosferas do filme. Percebe-se também que quando Nikumbh identifica que Ishaan possui dislexia (algo sinalizado desde os primeiros minutos do filme), o roteiro até ensaia obstáculos para o professor enfrentar em suas tentativas de esclarecer os pais do menino e a própria escola sob a condição da criança. Mas esses obstáculos são superados sem dificuldade, eliminando qualquer tensão dramática que tais passagens poderiam ter.

Isso poderia ser desculpado, pelo texto tomar o cuidado de não transformar o pai ou os outros professores em figuras vilanescas. Mas acaba tornando-se um problema quando somado à forma apressada com que o diretor e o roteiro desenvolvem a relação entre Ishaam e Nikumbh, apelando para a boa e velha sequência de montagem videoclipada para mostrar o professor ajudando o seu aluno a superar os problemas de alfabetização. A questão é que não é como se o filme não tivesse tempo para construir esse processo com mais calma, afinal, são 165 minutos de projeção. Mas o roteiro e a direção acabam não conseguindo organizar muito bem todo esse tempo, demorando-se demais em alguns pontos, enquanto passa por outros com mais pressa do que deveria.

Apesar dos percalços, este ainda é um filme cativante, e muito disso se deve à forma delicada e assertiva com que o elenco aborda os personagens. Darshall Safary encanta o espectador como o pequeno Ishaan, carregando a maior parte do peso dramático do filme. O garoto é muito bem dirigido, concedendo uma energia contagiante ao seu personagem no 1º ato, que passa a minguar a partir do momento em que ele vai para o colégio interno, o que ocorre em uma atuação sutil que confere naturalidade ao papel. Aamir Khan, que também atua em sua estreia na direção, vive o professor Nikumbh de forma bastante eficiente, impedindo que o seu personagem limite-se ao arquétipo do professor idealista ao mostrar em pequenos gestos que mesmo que o educador ame a sua profissão, o caso de Ishaan mexe com ele de forma pessoal. Vale ainda destacar o trabalho de Vipin Sharma como o pai de Ishaan, que interpreta o personagem como um homem rígido e até mesmo insensível, mas nunca nos permitindo duvidar que esse pai ame ou se preocupe com o seu filho.

Como Estrelas Na Terra revela-se como um bom primeiro trabalho de Aamir Khan atrás das câmeras, onde o diretor/ator entrega uma obra com algumas escolhas estéticas interessantes e uma boa abordagem sobre o tema da inclusão na educação, que é extremamente necessária. Entretanto, o longa acaba não sabendo explorar a contento a sua longa duração, detendo-se demais em alguns pontos enquanto apressa outros, o que prejudica o ritmo e coesão do projeto. Mas mesmo assim, este ainda é um filme muito bom e com momentos de emoção genuína, que nos permite diversas reflexões sobre a necessidade de a educação ser inclusiva.

Como Estrelas Na Terra (Taare Zameen Par) – Índia, 2007
Direção: Aamir Khan
Roteiro: Amole Gupte
Elenco: Darsheel Safary, Aamir Khan, Vipin Sharma, Tisca Chopra, Sachet Engineer, Tanay Chheda, Girija Oak, Meghna Malik, Sonali Sachdev, Rajgopal Iyer, M.K. Raina
Duração: 165 Minutos

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