Imagine que você morreu e está preso no purgatório, passando por um período de purificação guiado por um Jim Carrey radialista enquanto ouve uma sequência de melodias dançantes. Bem, essa é a experiência que The Weeknd quer te proporcionar no conceito de seu mais recente álbum, Dawn FM. Nesta obra, Abel Tesfaye continua com uma proposta similar à de After Hours, seu trabalho de 2020, buscando construir canções que ficam entre o dançante e a melancolia. É uma estratégia de sonoridade inteligente dentro do atual contexto mundial, onde vivemos ainda em meio a medidas de restrição. O resultado é uma obra que serve tanto para as pistas, quanto para o ambiente íntimo e doméstico – algo que não coincidentemente fez, inclusive, que ele se tornasse o maior artista deste período pandêmico.
Dawn FM assume uma influência oitentista ainda muito maior que seu antecessor, bebendo muito da fonte do synthpop e do house direcionado ao pop que ficou tão consolidado pelo Daft Punk. Basta notar as primeiras batidas do groove excelente de Gasoline para já constatar que é um trabalho que dá continuidade à sonoridade do álbum anterior, mirando nas pistas sem perder a marcante sonoridade melódica e romântica que sempre permeou a carreira do artista. Ainda que não seja tão meticuloso e instigante quanto After Hours, o novo trabalho mantém a melhor fase criativa do artista e coloca rumos interessantes para seu futuro.
É interessante observar como o som de The Weeknd, em primeiro momento, pode aparentar ser meramente retrô, mas com um olhar atento se mostra uma sonoridade quase revisionista, misturando várias influências musicais e criando algo de personalidade própria. Há espaço para música eletrônica em faixas como How Do I Make You Love Me?, para o disco e soul em pérolas como Sacrifice – com sua guitarra no estilo Chic, saltando aos ouvidos – e até para o soft rock em canções como Here We Go… Again e Out of Time, fazendo Abel soar como o Christopher Cross de nossos tempos. Vale ressaltar que diferente de After Hours, que não contava com nenhuma participação especial, aqui o artista volta a fazer parcerias musicais com rappers, acertando nas ótimas participações de Tyler, The Creator e Lil Wayne.
Abel vem se tornando um mestre em elaborar sonoridades absolutamente cinemáticas, daquelas que fariam Martin Scorcese afirmar que é mais cinema que a Marvel. Dentro do conceito do álbum de uma rádio vinda do além, a sonoplastia conta com papel importante, fazendo uso de uma bela coleção de synths a fim de ajudar o ouvinte a construir imagens em cima das mais diferentes sonoridades, criando um amálgama de cenário futurista com ambientação mística e transcendental. A própria ideia de trazer Jim Carrey como fio condutor da obra, atuando como uma espécie de entidade “radialista do além”, corrobora com a proposta cinemática do álbum, sendo a cereja do bolo nessa maravilhosa experiência.
“Então sente-se e relaxe, você pode ficar aqui por um tempo” – a fala de Jim Carrey na faixa de encerramento pode funcionar como uma referência dupla, seja quanto à imersão que o ouvinte terá ao ouvir múltiplas vezes a obra, seja sobre o atual período de transição da pandemia onde o fim nunca parece tão próximo como imaginado. A música, narrada pelo ator na forma de um poema, poderia ser considerada um dos melhores encerramentos de álbum já feitos, tamanha a sensibilidade, beleza e ineditismo daquilo que ouvimos. Ao fim do disco, somos deixados sozinhos com nossos pensamentos refletindo o que seria, de fato, o paraíso e qual nosso propósito nesta dimensão. É surpreendente se deparar com uma mensagem dessas em um trabalho de essência pop, mas muito mais do que buscar respostas ou incentivar reflexões, The Weeknd quer ressaltar apenas a importância da pura e simples experiência de viver o agora e se autoaceitar.
Aumenta!: Phantom Regret by Jim
Diminui!: Starry Eyes
Dawn FM
Artista: The Weeknd
País: Estados Unidos
Gravadora: Republic Records
Lançamento: 7 de janeiro de 2022
