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Pode parecer exagero o que vou dizer, mas estamos provavelmente diante de uma das melhores trilogias nacionais já feitas. Turma da Mônica: Laços foi maravilhoso (discordando do meu companheiro Gabriel Carvalho que fez a crítica, daria a mesma nota que dei para esse) certamente se fosse um filme estadunidense feito nos anos oitenta em que o lúdico era mais aceito em nossas cabeças seria uma adaptação ainda mais valorizada. Turma da Mônica: Lições consegue o feito de tão boa quanto ou até melhor em muitos aspectos que o filme anterior, ao não se limitar, apenas, à uma transposição fidedigna do material dos quadrinhos num escopo aventuresco hollywoodiano mais consumível. Laços tinha uma história com inspirações muito claras em sua estrutura, já Lições apresenta mais riscos e novidades, estritamente calculados pelo seu idealizador Daniel Rezende, que sabe da responsabilidade de ter nas mãos (possivelmente) o maior patrimônio do entretenimento infantojuvenil brasileiro.
A escolha de dividir a turminha, por exemplo, talvez seja a mais significativa. Muito do encanto do anterior e, logicamente, dos quadrinhos, passa pela combinação e química do quarteto em desventuras esporádicas no Limoeiro. Separá-los em jornadas individuais poderia ser uma decisão equivocada para um segundo filme, principalmente pensando na abertura dada pela premissa de enfim contemplá-los juntos dentro da ambientação da cidade, do colégio e com um caráter episódico mais possibilitador. O roteiro arrisca ainda por cima, uma desconstrução das características primordiais da turminha como uma ponte de um amadurecimento forçado goela abaixo pelo “crescimento” e, por que não, também pela modernidade mais “realista”. Felizmente, as duas coisas não se anulam, pelo contrário, se complementam. Rezende renega o amadurecimento para conseguir amadurecer dentro de uma linha coerente que não abandone a ingenuidade infantil, atmosfera retrô e a exploração dos personagens na linha cotidiana.
O aparente distanciamento da essência torna-se motriz para explorá-las com uma nova significância dentro de um senso de responsabilidade temática atual. O complexo de violência de Mônica (Giulia Benite) é retratado com clareza como uma autodefesa, quebrada ao ir para uma nova escola e não ter o controle da situação, revelando uma tremenda insegurança da menina, possivelmente consequência dos atentados de bullying que sofre. A fome de Magali (Laura Rauseo) é colocada como um reflexo de uma ansiedade que pode ser abatida sem que ela deixe de ser assustadoramente comilona. O medo de água do Cascão (Gabriel Moreira) é confrontado como qualquer outro medo, sem que o personagem deixe de odiar água e seu fedor seja criativamente utilizado como solução de alguns problemas inusitados. E o Cebolinha (Kevin Vechiatto) com sua dificuldade de dicção com as trocas de “R” por “L” quando levado para o fonoaudiólogo compreende que para conquistas individuais que tanto busca – ser o verdadeiro dono da “lua” – precisa converter sua personalidade para um viés altruísta e humilde para seus “planos infalíveis” darem certo.
O quarteto principal do elenco se garante ao compor cada arco de maneira crível, provando ser muito mais do que uma ótima escolha de casting conduzido por um sábio diretor. Há muito talento individual aqui. De quebra, Turma da Mônica: Lições ainda consegue expandir o universo dos gibis de Maurício de Souza nas telas, integrando a aparição de vários personagens secundários conhecidos como válvulas de escape para cada uma dessas jornadas individuais e também para a grande lição do arco da turma em conjunto: aliar ciclos, tanto de mentalidade – “é possível crescer sem deixar de ser criança.” –, quanto de amizades. O clímax é revigorante, nesse sentido. A junção das subtramas se dá de forma emocionalmente potente, graças à ótima característica do diretor em segurar ao máximo os planos e saber hiperbolizar os elementos cênicos sem perder o controle (a trilha sonora nas alturas, quase como uma ópera numa cena de teatro infantil, funciona) pela plena consciência da significância do recurso nesse contexto (a utilização da metalinguagem com a tragédia Shakespeariana para a separação de Mônica e Cebolinha cai como uma luva).
No entanto, a amarração de personagens é um tanto apressada no terço final. Até entendo, pensando na pressa necessária para a constituição de uma franquia (que desejo amplamente: assistiria infinitos filmes com essas crianças), mas é um dos poucos momentos em que ficou evidente um excesso referencial à frente da construção narrativa, predominantemente elaborada com sutileza (destaque para a cena que recria o poster da graphic, lindíssima!) na duologia. Enfim, é um detalhe que não tira o brilho de uma adaptação feita com tanta paixão e competência. Turma da Mônica: Lições, bem como o primeiro filme, tem tudo para ser um jovem clássico brasileiro, seja olhando como trilogia, quando for finalizada, seja separadamente (são dois filmes que funcionam perfeitamente cada um no seu canto). Um tipo de blockbuster fundamental para que o imaginário popular quebre paradigmas de preconceito com o cinema nacional de gênero.
Turma da Mônica: Lições | Brasil – 2021
Direção: Daniel Rezende
Roteiro: Thiago Dottori, Mariana Zatz, Marina Maria Iorio (baseada na novel homônima de Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi)
Elenco: Giulia Benite, Kevin Vechiatto, Gabriel Moreira, Laura Rauseo, Monica Iozzi, Fafá Rennó, Luiz Pacini, Paulo Vilhena, Adriano Paixão, Angélica Paula, Ana Carolina Godoy, Beto Schultz, Malu Mader, Isabelle Drummond, Gustavo Merighi, Camila Brandão, Fernando Mais, Laís Vilela, Emily Nayara, Lucas Infante, Vinícius Higo, Rodrigo Kenji, Giovani Donato, Marcos Felipe Bojar, Eliana Fonseca, Cauã Martins, Sofia Munhoz, Vitor Queiroz, Tiago Minski Schmitt, Gabriel Blotto, Pedro Souza, Vitor Cafaggi, Mauricio de Sousa
Duração: 97 minutos