Quando, em 1999, Trey Parker concebeu South Park: Maior, Melhor e Sem Cortes, o primeiro e, até agora, único longa cinematográfico da longeva franquia que ele comanda com seu parceiro Matt Stone, ele o fez esforçando-se para afastar da estrutura narrativa a mentalidade de série de TV e mergulhar de cabeça na linguagem do Cinema. E é por isso que, em grande parte, o filme efetivamente funciona. Com a dupla tendo fechado um acordo milionário sem precedentes para garantir que sua série chegue à 30ª temporada, com direito a nada menos do que 14 telefilmes destinados ao serviço de streaming Paramount+, Parker não demorou para arregaçar as mangas e se debruçar sobre essa nova estrutura.
Quase que naturalmente, o primeiro destes longas, South Park: Pós-Covid, é uma espécie de continuação direta dos dois especiais sobre a pandemia lançados entre o final de 2020 e começo de 2021 – Especial da Pandemia e Especial de Vacinação -, mas, mesmo valendo-se de uma excelente novidade, ou seja, um pulo temporal de 40 anos para um futuro com os quatro amigos quase cinquentões e com a pandemia ainda correndo solto, a obra, de quase uma hora, luta para desvencilhar-se da aparência de “episódio estendido”. E, quase que inevitavelmente, South Park: Pós-Covid: A Volta da Covid, sua continuação direta, ou, melhor dizendo, uma segunda parte de um mesmo todo, luta com o mesmo problema, só que começando em extrema desvantagem, já que toda a novidade desse futuro assustador foi completamente esgotada.
Dessa maneira, o que resta é mais do mesmo. Temos mais sátiras envolvendo a versão futurista da Alexa, nada mais do que uma esposa resmungona (agora multiplicada por dois), mais menções diretas a Blade Runner, só que desta vez sem a menor organicidade, só mesmo aquela piscadela gratuita. Em contrapartida, não há mais quase vestígio da inspiração que Pós-Covid teve em It: A Coisa, o que é trocado, mas sem inspiração, por uma trama de viagem no tempo inspirada em O Exterminador do Futuro que só funciona nos primeiros segundos em que ela se torna explícita, inclusive com a imitação da icônica trilha sonora de Brad Fiedel.
Outra piadas novas e recorrentes seriam ouro em um episódio de duração normal. Aqui, ao longo de uma hora, elas são completamente diluídas pela mera repetição infinita. Seja como for, a melhor delas faz troça dos NFTs, com o misterioso Victor Chaos, que se revela como a versão mais velha de um famoso personagem da série, sendo uma espécie de líder daqueles esquemas de pirâmide, capaz de convencer todo mundo a mergulhar na compra das maiores bobagens digitais ao ponto de causar tiroteios e mortes. É sem dúvida hilário ver Trey Parker trucidar mais uma daquelas modas completamente sem sentido, mas quando ele dá a 25ª estocada no assunto, ele já deixou sua graça pelo caminho.
A própria fundação que o rabino Cartman cria para impedir a viagem no tempo por medo de ele perder sua família se o passado for mudado cansa pela repetição. A premissa que está por trás da fundação – desafiar a ciência com base em afirmações esdrúxulas e sem qualquer base – é obviamente excelente e que precisa ser cada vez mais usada para mostrar à relevante parte do mundo formada por gente que acredita em Terra plana, que a chegad do Homem à Lua foi uma grande conspiração e assim por diante. Além da repetição que satura, faltou ousadia, por incrível que pareça e o que poderia ser uma bela forma de se usar o personagem anti-vacinação, acaba sendo uma cansada maneira de se encerrar a história.
South Park: Pós-Covid: A Volta da Covid sofre duplamente a maldição do longa anterior de não conseguir sair da estrutura de episódio em tamanho avantajado. Afinal, não só é a mesma coisa martelada diversas vezes, como tudo o que havia de novo em Pós-Covid e que sustentou a primeira meia hora do primeiro telefilme desta nova fase da franquia, inexiste aqui. Por mais que a premissa – literalmente “a volta da Covid” – seja de um timing assustador, Parker erra na sustentabilidade de suas gags e acaba entregando um final que já nasce velho.
South Park: Pós-Covid: A Volta da Covid (South Park: Post COVID: Return of COVID – EUA, 2021)
Direção: Trey Parker
Roteiro: Trey Parker
Elenco: Trey Parker, Matt Stone, Mona Marshall, April Stewart, Kimberly Brooks, Adrien Beard, Delilah Kujala, Betty Boogie Parker
Duração: 60 min.