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Crítica | Ghostland: Terra Sem Lei

Um filme que tem tudo, mas não tem nada.

por Ritter Fan
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Como se faz um filme cult? A pergunta é retórica, obviamente, pois não há uma resposta para ela, pelo menos não uma que tenha qualquer peso. Mas uma coisa é certa: filmes cult não são feitos com o objetivo de se tornarem cult. Esse status – cuja própria definição é incerta e não sabida – é algo que simplesmente acontece por uma conjunção de fatores racionais ou não. Infelizmente, o que o japonês Sion Sono tenta fazer em Ghostland: Terra Sem Lei é um esforço concentrado para criar um filme cult já em seu nascedouro e é justamente por isso que ele falha miseravelmente.

Sendo talvez um pouco inclemente demais com a metáfora, o longa é como uma grande lixeira de metal em que os roteiristas e o diretor derramaram todo os restos de premissas, arquétipos, clichês, truques de câmera e atmosfera que costumam funcionar por aí e, depois, colocaram fogo em tudo esperando que a fusão de tudo em uma coisa só resultasse em algo fora do comum. Mas não resultou. Nem de longe. Se alguma coisa, o filme é justamente uma massa disforme que se assemelha mais a escombros de um incêndio descontrolado do que algo que tenha alguma coerência mesmo diante de toda a bizarrice que passa na tela.

O filme tem Nicolas Cage, que propositalmente se tornou um ícone trash, Sofia Boutella que, mesmo sem ter oportunidade para fazer algo que lembre atuação, conta com seu exotismo e presença em tela e, óbvio, tudo mais o que se pode esperar da tal lixeira que mencionei. Tem pistoleiros retirados diretamente de faroestes e samurais extraídos diretamente de filmes de samurai? Sim! Tem um mundo nuclear pós-apocalíptico à la Mad Max? Claro! Tem um herói calado, com cara de durão e que carrega um sentimento de culpa por atos do passado? Sem dúvida! Tem uma premissa à la Fuga de Nova York que coloca o herói, com bombas estrategicamente colocadas em seu corpo (notadamente uma em cada joia da família), tendo que embarcar em uma jornada perigosa para resgatar a dama em perigo? Mas evidente! E tem trilha sonora chupada de Ennio Morricone, vilões asquerosos, mutantes deformados, um samurai chamado Yasujiro (que espero que não tenha sido em homenagem ao grande Ozu…) e cultos loucos? Aleluia, irmãos!!!

Pois é. Ghostland: Terra Sem Lei é isso aí que descrevi, algo que provavelmente na mão de um Robert Rodriguez ou um Quentin Tarantino da vida poderia resultar em uma deliciosa aventura ensandecida, mas que, sob comando de Sion Sono, só dá… sim, não vou resistir… sono… O uso de uma miríade de influências cinematográficas não garante absolutamente nada sem uma história que engaje o espectador com um roteiro coerente e que vá além de uma colagem mais ou menos ordenada de ideias jogadas na parede.

Se pelo menos tivessem dado mais para Cage fazer do que andar de um lado para o outro de macacão de couro preto com explosivos, olhando com cara de maluco e falando o pouco que fala ou em sussurros ou em berros, já teria valido a pena. Teria ficado feliz até mesmo se Boutella tivesse mais do que duas linhas de diálogo e uma única cena de ação que durasse mais do que 10 segundos. Mas não. Sono troca todo o potencial para fazer uma trasheira inesquecível por uma colcha de retalhos que parece ter sido costurada com o objetivo expresso de fazer algo que um dia pudesse vir a ser cult. Claro que eu não posso – ainda – prever o futuro, mas se Ghostland se tornar cult, espero que arrumem uma nova expressão para qualificar esse “gênero”, pois o filme simplesmente não pode ficar ao lado de obras como Uma Noite Alucinante, Blade Runner, A Princesa Prometida, Isto é Spinal Tap e o suprassumo cult The Rocky Horror Picture Show.

Ah, Ritter, deixa de ser chato. O filme não é tão ruim assim.” – alguns terão coragem de dizer. E eu responderei com um sonoro “Me desculpe, mas é sim.”, ainda que salientando que ele não é completamente imprestável. Pois não é mesmo. Para começar, mesmo mal aproveitado, o longa tem Nicolas Cage como uma versão genérica de Snake Plissken. Isso já é alguma coisa, sem dúvida. Além disso, os explosivos efetivamente explodem e isso me fez rir, ainda que de dor… E, por incrível que pareça, a cidade onde o herói (que só é chamado mesmo de Herói) está preso é o resultado de um competente trabalho de desenho de produção com um mix interessante de figurinos para todos os gostos. Então sim, tem coisa para ser apreciada no meio da mais completa inanição que é o trabalho de direção de Sion Sono.

Em outras palavras, Nicolas Cage já protagonizou coisa muito, mas muito pior e Ghostland era até uma boa promessa quando o trailer foi originalmente lançado. Mas Sono não cumpre o que promete e entrega uma obra que, para ser somente descartável, precisa ainda fazer um esforço considerável. Para ser cult, então, só mesmo se queimarem todas as cópias desse desperdício de celuloide e ele, em 50 anos, alcançar um status quase mítico de filme perdido sendo caçado pelo mundo inteiro nos porões de museus e cinematecas…

Ghostland: Terra Sem Lei (Prisoners of the Ghostland – EUA/Japão, 2021)
Direção: Sion Sono
Roteiro: Aaron Hendry, Reza Sixo Safai
Elenco: Nicolas Cage, Sofia Boutella, Bill Moseley, Nick Cassavetes, Tak Sakaguchi, Yuzuka Nakaya, Young Dais, Koto Lorena, Canon Nawata
Duração: 103 min.

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