O segundo filme de 2001 de Jean-Claude Van Damme marca sua quinta parceria com Sheldon Lettich que co-roteirizou O Grande Dragão Branco e O Legionário e dirigiu e co-roteirizou Leão Branco, o Lutador sem Lei e Duplo Impacto. Com A Irmandade, pode-se dizer muito tranquilamente que a dupla Lettich-Van Damme é uma das melhores da carreira do ator e lutador belga, isso mesmo sem contar com Força de Proteção, de 2006, que é, até o momento, o último filme dos dois juntos.
Considerando que os pontos altos da carreira de Van Damme são normalmente considerados como restritos aos anos 90, quando o século XXI começou ele já vinha sofrendo bastante para encontrar papeis e orçamentos decentes, isso sem contar com distribuição cinematográfica em mercados relevantes como o americano. A Irmandade, portanto, apesar de contar com uma boa e surpreendentemente ambiciosa premissa, teve orçamento de apenas 12 milhões de dólares, muito aquém do que precisava, como fica evidente, além de a fita ter sido “enterrada” no mercado chamado direto em vídeo, mesmo que em alguns países ele tenha chegado aos cinemas.
Em linhas gerais, o longa é uma versão de baixo orçamento de Indiana Jones e a Última Cruzada, com filmagens em locação em Tel Aviv, Israel e participação especial de ninguém menos do que Charlton Heston como Walter Finley, o professor de arqueologia que recepciona Rudy Cafmeyer (Van Damme), que procura Oscar (Vernon Dobtcheff), seu pai desaparecido e também arqueólogo, no país. Mas Rudy não é Indiana Jones, mas sim um ladrão de relíquias bon vivant que começa o filme furtando um cobiçado ovo Fabergé da máfia russa. Ao chegar em Tel-Aviv, ele passa a ser alvo da polícia local enquanto investiga uma seita religiosa fundada por Charles Le Vaillant (Van Damme também, no interessante prólogo que começa em 1099), um cavaleiro europeu que “vê a luz” durante a Primeira Cruzada.
O que segue daí é o padrão de um filme de aventuras do gênero, com a bela tenente Dalia Barr (Sofia Milos, que deve ter sido obrigada a usar decotes independente do figurino disponível) hesitantemente ajudando Rudy a investigar a igreja fundada por Le Vaillant e hoje comandada pelo radical Cyrus Jacob (o sempre assustador Brian Thompson) que basicamente planeja começar outra Cruzada, com ingredientes como um evangelho perdido, uma rede de túneis e um antiquíssimo mapa da cidade sendo salpicados de tempos em tempo para apimentar a história que, como disse, segue estruturalmente de muito perto o terceiro filme da franquia Indiana Jones. Aliás, exatamente como a citada série de filmes, há uma tentativa de se costurar humor ao roteiro, algo que nem sempre funciona, mas que leva a uma boa cena em que Rudy se fantasia de judeu hassídico para despistar a polícia e acaba saindo no tapa (e chutes) com muçulmanos particularmente irritados.
Apesar de a violência ser constante, a direção de Lettich consegue manter a leveza da história extraindo o máximo dos histrionismo de Van Damme tentando ser engraçado e da sensualidade – sem dúvida uma abordagem machista, mas fazer o que – de Milos, além da presença imponente de Heston, então já com 78 anos bem vividos. As filmagens em locação ajudam a enriquecer o pacote humilde de A Irmandade, com a direção de fotografia de David Gurfinkel, israelense de Tel Aviv, extraindo o melhor da cidade, ainda que por vezes ele tenha a tendência de achar que está filmando um documentário turístico.
A Irmandade, por contar com uma ponta inusitada e ilustre, história épica pinçada de um clássico e que ganha escopo reduzido de filme B em razão do orçamento, o que lhe empresta um certo charme e um Van Damme aparentemente feliz como pinto no lixo, é uma pequena surpresa na carreira do ator já dobrando o Cabo da Boa Esperança em termos de destaque no mundo cinematográfico. Uma diversão simples, mas simpática e bem dirigida que sabe exatamente o que é e não tenta enganar ninguém no processo.
A Irmandade (The Order – EUA/Aruba, 2001)
Direção: Sheldon Lettich
Roteiro: Les Weldon, Jean-Claude Van Damme
Elenco: Jean-Claude Van Damme, Charlton Heston, Sofia Milos, Brian Thompson, Ben Cross, Vernon Dobtcheff, Sasson Gabai, Alon Aboutboul, Joey Tomaska, Peter Malota, Sharon Reginiano, Sami Huri, Abdel Qissi
Duração: 89 min.