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Crítica | Família Soprano – 2ª Temporada

A condição humana.

por Kevin Rick
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A 2ª temporada de Família Soprano consegue ser mais tóxica do que o primeiro ano, de maneira ainda mais sutil. Como eu falei na crítica da temporada de estreia, a série se desvia da tradicional imagem dramatizada do gângster em favor de um retrato psicológico e familiar da vida cotidiana da máfia em um subúrbio. O crime está sempre à espreita, dando a base para a ambiguidade de Tony e companhia, mas nunca é realmente o foco da obra. A máfia é mais um artifício para iniciar conflitos internos do que externos. Isso é, sem dúvidas, a base da série e do que nos é apresentado na primeira temporada. Problemas diários e ordinários ganham uma dimensão muito maior por causa da criminalidade. Os Sopranos têm dificuldades normais para uma família suburbana, mas eles não levam uma vida normal.

Interessante, então, como a segunda temporada mergulha ainda mais de cabeça nesse conceito. Mesmo com o primeiro ano já mantendo a máfia como recurso narrativo para o estudo de personagem de Tony e suas emoções/psique, a estreia da série parece uma obra de ação se comparada com o segundo ano. A segunda temporada restringe ainda mais a violência, praticamente esquecendo de uma trama superficialmente principal da máfia – como tivemos com a rixa entre Tony e seu tio Junior na temporada anterior. O ritmo se torna mais lento, os episódios mais soltos e o enredo independente de uma linha narrativa ao grau de sequer termos uma história específica em pauta.

A escolha do criador David Chase em enfatizar a linguagem enganosamente prosaica é muito certeira. Se desatando das poucas amarras que a obra tinha, o showrunner cria uma narrativa gradual e coletiva. Podemos claramente notar como a série se distancia de Tony e aproveita da estrutura solta para dar espaço aos personagens coadjuvantes em pequenos contos autônomos. Algo que eu senti falta na temporada anterior. Temos, em especial, o arco de Christopher e seu sonho hollywoodiano, contando com encontros com Jon Favreau e pequenas ilusões de sair do mundo da máfia. Há um contraste dramático poderoso nessa história, de como o jovem não se adapta às dinâmicas normais de relações humanas, até sua decepção em continuar um mafioso, o que leva o personagem a uma crise existencial – especialmente levantada como uma linha de culpa e moralidade quando ele começa a ter devaneios sobre o inferno e seus pecados.

Mas não só Christopher, como também Carmela e sua vida matrimonial adulterada, carregada para suas crenças religiosas hipócritas; Meadows e seus embates morais dissimulados com o pai; A.J. e seu complexo de inferioridade; e até mesmo Pussy com sua traição à Tony, no que é possivelmente o melhor desenvolvimento dramático da temporada – e o mais próximo de um núcleo principal. Além disso, somos apresentados a irmã do protagonista, Janice Soprano (Aida Turturro), e ao violento Richie Aprile (David Proval), que ganham seus próprios arcos na temporada, atrapalhando e importunando Tony, e, no final, acabam se casando. Nosso protagonista fica ausente por grandes porções de tempo, e praticamente não aparece em 3 ou 4 episódios. Quantas séries podem se dar ao luxo de tirar seu protagonista de cena, enquanto mantém (e até aumenta) a qualidade narrativa?

Isso ocorre porque tudo é intrigante. Cada personagem é dramaticamente atraente da sua própria maneira. O roteiro continua profundo em sua simplicidade e poderoso em seus diálogos sutis, dispondo de grandes atuações para além de James Gandolfini. Tirando o foco de Tony em vários momentos, a temporada eleva o nível ao trabalhar as nuances psicológicas de uma classe sensacional de indivíduos. Vemos suas pequenas vitórias e derrotas diárias, os conflitos internos e os sofrimentos silenciosos, dando mais dimensão para o próprio Tony, conforme os personagens em seu entorno se tornam tão complexos como ele. Aliás, sua ausência realça seu impacto, com a narrativa trabalhando mais sua influência e os danos causados pelo personagem em sua família, amigos e desconhecidos – particularmente adoro como ele vai de coleguinha para extorquir seu “amigo” David sem qualquer escrúpulo.

Outro ótimo exemplo de Chase construindo uma percepção mais ampla da personalidade de Tony está em como, agora, a Dra. Melfi tem encontros com um psicólogo para falar sobre seu paciente e sua obsessão com ele – quase um reflexo da audiência nesse sentido. Dessa forma, a complexidade psicológica de Tony se torna mais rica para além dos seus próprios dramas internos. Na temporada anterior, eu falei de como a série humaniza o personagem sem retirar seu caráter monstruoso, e Chase encontra o equilíbrio narrativo perfeito ao abranger os coadjuvantes para rechear o estudo de personagem. Ao mesmo tempo que a série é aprimorada para além do seu figurão principal.

O segundo ano de Família Soprano é uma aula de desenvolvimento conceitual. O que nos foi apresentado na temporada de estreia, de maneira criativamente espetacular pelas mãos de Chase e companhia, consegue ser mais ampla com a abrangência dos coadjuvantes e suas próprias histórias. Mas o show faz isso diminuindo o perigo e dando uma aparência de que “nada acontece”. Temos episódios inteiros que soam desconexos de uma trama mais objetiva, como uma viagem à Itália de mafiosos apenas para trabalhar a masculinidade de Tony, ou o episódio focado em A.J. descobrindo o existencialismo. É essa proposta descontraída que gera vários momentos inusitados e pessoais que transformam o aparente despreocupado em uma baita montagem de drama de personagens. Há, também, uma aula de economia narrativa, com a violência, as sessões de Tony e alguns desenvolvimentos da temporada passada, como o conflito entre o protagonista e sua mãe, que se tornam mais pontuais e, consequentemente, mais memoráveis. Chase construiu uma temporada que navega o absurdo cômico, o drama filosófico e até o surrealismo como no onírico episódio final da temporada, em uma embalagem cotidiana e despojada que nos prende por cada minuto sobre a análise metódica da condição humana.

Família Soprano (The Sopranos) – 2ª Temporada (EUA, 16 de janeiro de 2000 a 09 de abril de 2000)
Criação: David Chase
Direção: John Paterson, Allen Coulter, Alan Taylor, Lorraine Senna, Timothy Van Patten, Henry Bronchtein, Lee Tamahori
Roteiro: David Chase, Jason Cahill, Frank Renzulli, Mitchell Burgess, Robin Green, Michael Imperioli, Terence Winter, Todd A. Kessler
Elenco: James Gandolfini, Lorraine Bracco, Edie Falco, Michael Imperioli, Dominic Chianese, Steven Van Zandt, Tony Sirico, Robert Iler, Jamie-Lynn Sigler, Drea de Matteo, John Ventimiglia, Jerry Adler, Vincent Pastore, Matt Servitto, Nancy Marchand, David Proval, Aida Turturro, Jon Favreau
Duração: Aprox. 700 min. (13 episódios)

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