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Crítica | tick, tick…BOOM!

O que fazemos com a iminência do tempo?

por Roberto Honorato
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Há um ano, tivemos a adaptação do musical The Prom, no desastroso filme A Festa de Formatura, que conseguiu entrar na longa lista de musicais que não entendeu nem um pouco a essência do original, mesmo que eu não seja o maior fã da versão da Broadway também, e ela possui bem mais credibilidade do que outra produção que teve a preguiça de empregar James Corden e dar mais espaço para ele do que a própria protagonista. Mas mencionei essa obra para mostrar o contraste de experiência entre o festival de Corden e tick, tick… BOOM!, um musical que nunca tive muita curiosidade para conhecer por conta de outra peça do mesmo autor, Jonathan Larson, a sua incrivelmente popular, Rent.

Eu compreendo que Rent seja adorada por conta dos temas que aborda e as músicas cativantes, e não tiro mérito delas, realmente são pontos que concordo, só não é um dos meus musicais favoritos porque nem todo personagem me conquistou, e o próprio enredo da peça não considero tão envolvente quanto poderia ser, considerando os tópicos delicados que aborda. E por isso, sempre negligenciei tick, tick… BOOM!, o que realmente é uma justificativa boba, admito, e fico ainda mais arrependido de ter feito isso porque, depois de assistir o filme e ouvir a composição original de Jonathan Larson, percebo que gostei bem mais do que imaginava.

A semi-biografia segue o jovem compositor Jonathan Larson (Andrew Garfield), trabalhando como atendente em uma lanchonete, enquanto escreve e espera sua grande chance na Broadway. Próximo de uma apresentação importante, ele se sente pressionado com as mudanças à sua volta, desde amigos e namorada se mudando até seu aniversário de trinta anos, que considera uma data assustadora por acreditar que sua vida não está como deveria. Assim, ele passa a questionar se é capaz de concluir sua peça e resolver seus dilemas enquanto corre contra o tempo.

É mais interessante abordar esse musical com certo contexto, que pode entregar uma parte da história, mas o próprio filme revela em seus minutos iniciais, e acredito que essa informação dada de antemão, fortalece a experiência, na verdade. Jonathan Larson trabalhou por anos em um musical chamado Superbia, uma distopia sci-fi complexa que era elogiada pelo seu conceito, mas nunca aceita para exibição em grandes teatros, e essa frustração também é encontrada no musical tick, tick… BOOM!, que fez sucesso o suficiente para que Larson pudesse produzir a peça Rent, que logo se tornou um dos maiores musicais da história, sendo uma das exibições mais longevas da Broadway, onde ficou por doze anos e conquistou diversos prêmios, incluindo o Tony na categoria principal. A tragédia nessa história está no fato que Jonathan Larson nunca pôde ver a recepção calorosa da sua obra, isso porque ele morreu em 1996, no dia em que Rent faria sua primeira apresentação Off-Broadway (peças promissoras, mas em teatros com capacidade um pouco menor, muitas vez antes de ir para a Broadway mesmo). 

Isso faz com que o enredo de tick, tick… BOOM! seja mais simbólico no filme do que na proposta original. Se Larson escreveu a peça na intenção de exorcizar suas frustrações sobre o futuro, a adaptação cinematográfica faz um ótimo trabalho em mostrar a iminência do tempo e a relação da personagem principal com ele. E é por esse motivo que ter Lin-Manuel Miranda na direção fez toda a diferença em como capturar a essência do compositor e trazer uma sensibilidade maior para uma narrativa como essa. Miranda, sendo também compositor de grandes musicais, como Hamilton e In the Heights, é um fã de Jonathan Larson, e podemos ver o respeito que ele tem pelo escritor e seu material.

Em uma das sequências mais importantes da adaptação, durante a apresentação da música Sunday, a câmera revela o rosto de diversas figuras marcantes da Broadway servindo de figurantes, como Renée Elise Goldsberry e Phillipa Soo (Angelica e Elisa de Hamilton), o veterano André De Shields (Hermes, do excelente musical Hadestown) e membros dos elencos de outras obras de Jonathan Larson. Essa é uma belíssima homenagem, e ao mesmo tempo que mostra o diferencial do filme, elencando atores e atrizes da Broadway ao invés de apenas mais uma estrela pop atual – talentosa, porém, sem histórico de musicais (alô, elenco de Wicked, e basicamente metade das adaptações de musicais atuais, na verdade), também é nesse momento que o filme evidencia a sua maior fraqueza.

Tenho seguido o trabalho de Lin-Manuel Miranda há um bom tempo, bem antes de Hamilton (para ser exato, sua participação em um dos melhores episódios de Dr. House), e ele é um artista extremamente talentoso e criativo, mas sendo sua primeira tentativa dirigindo um longa metragem, seria mais do que normal perdoar alguns de seus deslizes como estreante, e foi o que eu fiz. Miranda até tenta experimentar um pouco com a estrutura básica do musical, mas sem grandes mudanças, focando na alternância entre a história de Jonathan Larson e uma de suas apresentações no palco, o que mostra como o diretor não queria simplesmente copiar o original e considerar isso um bom trabalho (cof cof maioria das adaptações, tantas que nem tem uma só de referência para essa longa piada cof cof).

Mas ainda fica visível como ele precisa de uma identidade mais forte por trás das câmeras, talvez por ter sido cauteloso e prezar mais pela atenção na construção do drama e na narração da história de Larson, o que comprometeu um pouco a parte mais técnica, como a própria sequência do número de Sunday, que é concluído em um péssimo uso de CGI, que realmente distrai o espectador. Até considerei relevar esse erro por ser um momento quase onírico do musical, então tentei imaginar que pudesse ser uma representação mais simples para parecer os cenários de papelão de um palco de teatro independente, mas baseado no que é exibido mesmo, é apenas um CGI mal feito – e ainda assim, é perdoável por conta das limitações da produção em meio à pandemia de covid-19.

Miranda pode ter perdido a chance de uma identidade mais forte na direção (pelo menos é o primeiro filme dele, ao contrário de alguém como Aaron Sorkin, que é um escritor de bastante presença, mas já está indo para seu terceiro projeto por trás das câmeras e não conseguiu sair do básico – foi mal, eu tive que mencionar), mas ainda que não pareça ter sido sua intenção, o diretor estreante parece ter comprometido a técnica para focar na emoção, dando mais espaço para o elenco brilhar com personagens que são bem simples, mas recebem um peso maior por conta de atuações, como as de Alexandra Shipp, Robin de Jesus e o próprio Andrew Garfield, que está em um papel que pode não ser original, mas ele entrega uma das melhores atuações da sua carreira, revelando um protagonista incrivelmente carismático, até mesmo em seus momentos mais arrogantes ou egoístas. A troca de técnica por drama foi acertada e o resultado é um dos melhores musicais em um ano surpreendentemente cheio deles (o divertido Everybody’s Talking about Jamie, o vibrante In the Heights, o insano Annette e o desastroso e ofensivo Dear Evan Hansen).

tick, tick… BOOM! consegue introduzir Lin-Manuel Miranda na direção de forma sólida e ainda entrega uma das adaptações de musical mais enérgicas de um ano cheio deles. Até para alguém que nunca foi muito fã da obra mais popular de Jonathan Larson, essa foi uma boa surpresa. É tão bom quando assistimos algo que sempre evitamos por motivos bobos e você acaba descobrindo que estava completamente errado. 

tick, tick… BOOM! – EUA, 2021
Direção: Lin-Manuel Miranda
Roteiro: Steven Levenson
Elenco: Andrew Garfield, Alexandra Shipp, Robin de Jesus, Vanessa Hudgens, Joshua Henry, Jonathan Marc Sherman, Michaela Jaé Rodriguez, Ben Ross, Judith Light, Bradley Whitford, Laura Benanti, Gizel Jimenez, Kate Rockwell, Joel Perez, Judy Kuhn, Danny Bursntein, Lauren Marcus, Tariq Trotter
Duração: 115 min.

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