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Crítica | Nascido em 4 de Julho

Tom Cruise em uma de suas atuações mais comoventes.

por Fernando JG
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Mais um filme que expõe o fato de que os Estados Unidos da América são um país ideologicamente problemático e seus filmes, quando não lidam com a ideologia como forma de engrandecer bizarramente a pátria, criticam o fracasso humano que é o conjunto da ideia do American Way of Life. Este não é um filme de guerra, mas antiguerra. Beirando a década de 90, já estava saturada a temática sobre o conflito malogrado no Vietnã, já que todo mundo queria ter seu pezinho ali no hall de cineastas que fizeram belas peças fílmicas a respeito da maior desdita estadunidense da história. No entanto, ainda assim, Oliver Stone registrava o segundo filme da sua “trilogia” bélica, que vinha depois de Platoon (1986) e antes de Entre o Céu e a Terra (1993), em que cada parte enfoca, a princípio, um determinado ponto de vista sobre esse episódio fatídico do militarismo norte-americano diante do inimigo vietcongue. 

Nos é narrada a história de Ron Kovic (Tom Cruise), sujeito que desde criança é apaixonado pela ideia de defender a pátria. Obcecado com isso, cresce sem pensar em outra coisa, sobretudo porque todos os anos assiste a passeatas promovidas pelo governo em nome dos Estados Unidos nas quais desfilam soldados com bandeiras louvando o seu povo. Cresce e, na primeira oportunidade, larga os estudos e alista-se ao exército para ir ao Vietnã. Na guerra, fere-se de maneira irreversível e então repensa tudo aquilo que um dia glorificou, tornando-se um crítico ferrenho da guerra. O longa é baseado no livro homônimo de Ron Kovic. É um argumento de fácil manejo e que certamente não teria como dar errado, com isso, Nascido em 4 de Julho seria excelente caso não fosse o seu final ruim, que é absolutamente trivial, mas devo chegar lá ainda.

A interpretação geral do filme é uma só: a guerra não vale a pena. A cena inicial em que o pequeno Ron Kovic durante os desfiles anuais vê um soldado com os braços amputados atravessando a marcha com a bandeira dos Estados Unidos enquanto o olha fixamente é já uma das grandes cenas do filme. Se não a mais poderosa, a mais premonitória. Dentro de um episódio em que reina a atmosfera da glória norte-americana, o fracasso grita. A noção de que “eles dão o doce para depois tomar” se descortina em cada ato do filme, e é um trunfo porque mostra de maneira muito intensa a posição do governo diante dos soldados, que são cooptados por uma ideia inútil, levando-os a comprar uma briga que, definitivamente, não é do povo. 

Cabe um parágrafo inteiro para pontuar a atuação de Tom Cruise, que coloca emoção na medida certa em seu personagem. Cruise interpreta um Ron Kovic apaixonado do início ao fim e protagoniza as cenas mais marcantes do longa-metragem. É comovente a sua situação, mas não seria tão tocante se Cruise não colocasse um peso gigantesco ao fato de que ele, o seu personagem, é um ser humano invalidado pela guerra, e que, ao ficar sem movimento da cintura para baixo, perde seus movimentos, sua autonomia, sua juventude, sua primeira vez. Ron perde tudo aquilo que é mais caro a si e Tom Cruise evidencia isso com uma força dramática enorme, explodindo em ressentimento.

A direção tem uma bela percepção de montagem e constrói passagens precisas. Não é à toa que iniciamos um primeiro ato glorioso e otimista e num momento oportuno há um corte, que inicia um segundo ato muito sanguinolento, com imagens de inocentes e crianças sendo mortas em nome de uma ideologia desumana. São muito bem-vindos os cortes que nos reposicionam dentro da geografia do filme, mas são bem-vindos porque não é uma montagem de graça. Veja: ao fazer isso, esse contraste entre a glória e o fracasso, o cineasta cria um paradoxo na sua película, uma vez que enquanto o iludido personagem tem orgulho de sua pátria e da guerra travada, as imagens mostram o contrário, e isso nos faz julgá-lo como um patriota no mínimo inocente, mas, de novo, não à toa, porque o resultado de tudo isso é a preparação para o momento da desilusão máxima do protagonista entre o meio e o fim do filme. Ou seja, o cineasta desmonta com muita maestria as crenças de seu herói por meio da colagem das cenas. 

Já que falei do fim, preciso retomar ao que havia dito nos primeiros parágrafos sobre não concordar com o desfecho. Não me contempla que o cineasta tenha escolhido uma resolução dramática tão simplória e vulgarmente básica. Não sei o final do livro, mas como é baseado em fatos reais e Ron Kovic tornou-se ativista político e lançou um livro depois de tudo isso, creio que deva passar por aí. Contudo, como solução fílmica, mostra-se um desenlace muito barato pela densidade dos acontecimentos anteriores, e finalizar a trajetória de seu herói fazendo-o lançar um livro e terminando no momento exato de que isso acontece me soa previsível demais, isso para não falar que é uma solução preguiçosa para concluir o arco dramático. Fica a impressão de um vazio final, um vazio que é acima de tudo falta de criatividade. 

Viver e morrer pelo “sonho americano” parece ser um preço grande a se pagar, sobretudo um investimento que não retorna de modo algum, e quando retorna é em forma de perda, como Stone mostra em todos os filmes da sua trilogia. Como esta é uma película bem ao gosto da academia, o longa foi indicado em mais de sete categorias e carregou inúmeros prêmios para casa, inclusive o de melhor diretor. Oliver Stone entrega uma produção densamente crítica e com uma complexidade emocional evidente, que é amparada pela atuação memorável de um Tom Cruise inspiradíssimo e de uma condução diretorial que é firme e sabe o que quer de sua mensagem.

Nascido em 4 de Julho (Born on the Fourth of July, EUA, 1989)
Direção: Oliver Stone
Roteiro: Oliver Stone (baseado na autobiografia de Ron Kovic)
Elenco: Tom Cruise, Kyra Sedgwick, Raymond J. Barry, Jerry Levine, Frank Whaley, Willem Dafoe, Caroline Kava, Ed Lauter
Duração: 145 min. 

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