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Crítica | Undine (2020)

Lindo, mas vazio.

por Fernando JG
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A título de comparação, já tinha feito outrora, com muito mais engenho poético, Guillermo del Toro o seu magnífico A Forma Da Água, trabalhando, no subplano da imagem, temáticas como amor, política e sociedade em meio ao elemento fantástico que abrilhantou o seu enredo. Como não bastasse, Oslo, 31 de Agosto aparece aqui como influência direta. Ainda que muitos possam defender ideia contrária ao que digo, apenas relembro as cenas finais do filme de Joachim Trier, quando do episódio da submersão de seu personagem dentro do lago, que, com muita semelhança, é reelaborado aqui, em Undine. A falta de originalidade não é um problema e enriquece a bagagem do filme por meio da intertextualidade, o problema é que ele é vazio. É bom, mas é vazio. 

Fiquei tentando pescar algo que pudesse elevar o longa a um patamar um pouco melhor e que, enfim, pudesse me comover, afinal, a sua trama e o percurso dramático parecia que levaria a película a esse lugar da comoção, até porque Undine havia sido aclamado em Berlim e Paula Beer, com todos os méritos, levou para casa a estatueta de melhor atriz no Festival de Berlim. Mas esse momento não chegou. Fiquei obcecado por saber onde o roteiro me levaria e ele de fato me levou a um lugar: o nada. Apesar de imagens frias e belíssimas e uma atuação feminina de destaque, faltou esse elemento quase inominável, esse recurso invisível do cinema, que eleva a obra de arte um grau de reconhecimento ímpar em grande parte do público. Sabe aquele filme em que até mesmo quem não gosta de drama ao terminar de assisti-lo dá um suspiro e fala: “realmente, um ótimo filme”? Pois é. Undine tem tudo para poder chegar lá e causar esse efeito, mas não chega. E por que não chega? 

A noção de beleza não é puramente um artifício estético da arte, por isso as belas imagens não lhe garantem uma posição muito melhor do que a que lhe dou. O belo é, na sua gênese primeira, uma harmonia entre todas as partes que compõem uma obra. Sem equilíbrio não há beleza. De nada adianta uma beleza oca. A obra-prima de Louis Malle, Trinta Anos Esta Noite, recriada depois em Oslo, 31 de Agosto, e que opera no mesmo ritmo que Undine, inclusive no aspecto sonoro, isto é, no âmbito da trilha sonora, é uma aula de uma harmonia melancólica, e por isso é primorosa. 

Undine, a protagonista, está sentada numa mesa de um café com um rapaz que, ao que tudo indica, vai deixá-la. Ela ameaça matá-lo se partir. Ele vai, ela fica. Por meio de um encontro fortuito, Undine conhece Christoph (Franz Rogowski) neste mesmo dia, por quem apaixona-se perdidamente, no entanto uma tragédia separa novamente Ondina de seu par. Com um Adágio de Bach em D menor, a trilha tece finas camadas de melancolia. 

A protagonista encarna o mito de Ondina, uma espécie de sereia, um ser das águas, cujo destino parece selado e ela terá de se encantar por um mortal, adquirindo uma forma humana. Paula Beer tem uma atuação segura, com monólogos bem falados, cuja intensidade e sensibilidade a caracterizam. Impassível na maioria das vezes, sua postura assusta. Como havia dito, é por sua atuação que garante o prêmio de melhor atriz. 

Christian Petzold, o cineasta que assina a direção e o texto, finaliza mais um de seus filmes obcecado pelo elemento aquático e pela figura feminina (Phoenix, Barbara). A ideia de um feminino primordial, assim como a ideia da água que também na mitologia ocidental adquire um caráter de origem de todas as coisas que existem, contamina todo o longa-metragem. No fim, ao libertar Ondina minimamente, o cineasta castiga Christoph ao fazê-la sumir de sua vida depois de marcá-lo profundamente. 

Embora o longa seja uma releitura do mito, e uma releitura que mistura elementos promissores, o roteiro acontece de forma esvaziada. Independente do mito, o argumento falha em construir uma base de interesse para a trama e, na grande maioria das vezes, o filme acaba se perdendo em um grande nada. A história não cativa e são necessárias doses e mais doses de ânimo para que o olhar do espectador, como se procurasse pelo em ovo, encontre algo no roteiro que seja de fato distinto e interessante.  

Veja: a proposta alegórica do longa-metragem encobre a fraqueza de um roteiro que, se não é de todo ruim, é pelo menos anêmico. A história não se sustenta e necessita, cada vez que o filme avança, de uma imagem bonita, de uma metáfora incisivamente continuada e de uma trilha sonora sublime, que mascara tudo o que falta na construção textual do enredo. 

Sem querer me alongar muito mais, vejo que Undine caminha em cima de uma linha que a divide entre dois extremos: de um lado, é perceptível a excelência técnica na manutenção dos aspectos compositivos da obra, ou seja, de tudo aquilo que está fora do roteiro enquanto texto; e do outro lado desta linha temos um roteiro evidentemente danificado, que encobre um vazio criativo por meio de uma alegoria mitológica. Undine não é só um roteiro aguado, tampouco apenas uma bela fotografia, mas a união de ambos, o que dá um descompasso no todo. Fica o gosto de algo incompleto, de que poderia ser muito mais, mas não é.

Undine (Undine, Alemanha, França, 2020)
Direção: Christian Petzold
Roteiro: Christian Petzold
Elenco: Paula Beer, Anne Ratte-Polle, Franz Rogowski, Jacob Matschenz, Julia Franz Richter, Maryam Zaree, Rafael Stachowiak
Duração: 90 minutos. 

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