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Crítica | Águas Negras (2021)

por César Barzine
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Muitos são os atritos que atordoam Tara (ela ainda se encontra traumatizada pela morte do irmão, vive uma vida medíocre como garçonete e terminou o relacionamento com o seu namorado), apesar de tantos problemas, a imagem que ela transmite prende a sua personagem a superfície, carecendo de maior ênfase sob tal sofrimento. Águas Negras se inicia justamente expondo a raiz de um desses problemas, que é a morte estranhamente acidental de seu irmão, que imediatamente demonstra ter um comportamento que importuna a jovem Tara. Essa primeira cena já indica todo o anticlima que acompanha boa parte do longa de Nanea Miyata: a situação é encenada de uma forma completamente banal, com atuações frias e diálogos inócuos. O que não são, como dito, fatores isolados aqui.

Apesar dessa sequência se configurar como um flashback que antecede dez anos da narrativa principal, ela acaba sintetizando a abordagem precária de Águas Negras, que se confirma na apresentação da protagonista mais velha e sua melhor amiga, Amy. Esta, uma personagem pessimamente construída e interpretada por Angela Gulner: antipática de modo involuntário, vulgar e insípida na caracterização de mulher rica sustentada pelos pais. A dupla de amigas não possui a menor química e transmitem uma atmosfera mecânica nas constantes conversas monolíticas (Amy tentando levantar o ego de Tara), constituindo uma relação homogênea que se altera somente mediante a alguns conflitos que carregam a mesma natureza da bajulação presente nelas: a vida meio desolada de Tara e a vida mesquinha de Amy.

O que provoca essa inversão na relação das duas é a presença de Lucas, um desconhecido que acaba residindo na mansão que a família de Amy possui no campo. De início, as duas se encontram sozinhas, portanto a chegada de um estranho é a peça-chave para o suspense do longa – e um baita clichê, diga-se de passagem. A direção é dona de algumas boas ideias na orquestração desse suspense, fazendo um constante uso de planos em ângulos distorcidos, dando a ideia de que há uma terceira pessoa escondida observando as conversas entre Tara e Amy, ou simplesmente qualquer coisa estranha habitando aquele espaço. Outro maneirismo que merece destaque são os breves travellings usados em volta de alguns personagens, fornecendo fluidez e uma pequena dose de tom fantasmagórico ao filme.

Em contrapartida, o espectador sofre com o péssimo uso de plano-contraplano utilizado numa cena de conversa à beira-mar em que Amy e Tara aparecem separadamente em enquadramentos fechados, dando um incômodo e falta de coesão na ligação entre os planos. O mesmo nível de incômodo se encontra em momentos que buscam realçar movimentos corporais dos personagens em consonância com uma montagem picotada a fim de transparecer a intensidade de tais passagens. O instante em que Amy e Lucas estão flertando na sala de jogos mais os flashbacks e trechos “tensos” envolvendo a identidade de Lucas são os exemplares de uma busca brochante por evocar certa excitação, mas que terminam sendo apenas momentos de vergonha alheia – o que é reforçado pelo péssimo uso de músicas pop na trilha sonora.

A mesma técnica é colocada em prática mirando, neste caso, exclusivamente em Tara, porém com o objetivo de perturbá-la ao resgatar seu grande trauma do passado (a morte do irmão). O que, desta vez, além de causar a já repetida sensação de constrangimento, ainda trabalha como um artifício extremamente frágil para a resolução da trama, ocupando parte do papel de um plot twist, no mínimo, bem risível. A figura de Lucas, que até então mantinha razoável suspense – apesar de seu personagem não ser nada demais -, revela-se a partir dessa reviravolta; que se apresenta como uma sacada preguiçosa e desconcertante, sendo tão burra que seria difícil imaginar algo pior.

Essas mudanças no terceiro ato formam uma trama que consegue ser inferior a fanfic mais fuleira encontrada por aí. O filme vai de algo meio lento e sugestivo – o que não é sinal de sofisticação – para uma série de intrigas desleixadas com revelações genéricas que beiram ao nonsense. Em seguida, Águas Negras chega ao seu clímax, que também pode ser chamado de anticlímax, já que é justamente um dos piores momentos do longa: uma situação de risco em que Tara é a grande heroína, mas que atinge tal triunfo de modo previsível e dentro de uma situação tão pobre que faz jus a reviravolta que a levou para o perigo que se encontrava.

Apesar do quão jocoso é a presença de Lucas no terceiro ato, é Amy que mais se destaca negativamente por ser antipática do início ao fim. É deprimente acompanhar ela como uma dondoca rica que não faz absolutamente nada da vida, e que nem sequer consegue criar uma personalidade firme no estereótipo de patricinha. Além disso, o figurino brega e vulgar que ela costuma usar também não ajuda muito em qualquer identificação positiva que o público possa ter com ela. Mas o filme em si não é muito diferente dela própria: frio, chato e tosquinho.

Águas Negras (Dead in the Water – EUA, 2021)
Direção: Nanea Miyata
Roteiro: Nanea Miyata
Elenco: Angela Gulner, Sam Krumrine, Michael Blake Kruse, Catherine Lidstone, Peter Porte
Duração: 92 minutos.

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