Grande Ciclo: Via Láctea — Ciclo 1: A Terceira Potência — Episódio: 22/49
Principais personagens: Perry Rhodan, Reginald Bell, Thora, R-17, Adams, Son Okura, John Marshall, Rabov, Tomisenkow
Espaço: Vênus, Terceira Potência (Galáxia/Terrânia)
Tempo: 1980/1981
A Fuga de Thora é um paradoxo para mim. Por um lado, estava ansiosamente esperando por uma história focada na dinâmica política da Terra após Perry Rhodan e Deringhouse evitarem uma guerra atômica no Livro 21. No entanto, o texto de Clark Darlton resolve o conflito político em poucas páginas, com Rhodan basicamente criando um tratado verbal em uma conferência global, o que me deixou insatisfeito com a facilidade da resolução de uma trama que tinha o potencial para durar um arco inteiro! – pensando por um lado positivo, há alguns diálogos deliciosamente cômicos quando um apreensivo Bell precisa assumir a posição de Perry e dar um discurso global.
Todavia, apesar do meu pequeno dissabor ao não termos uma sequência temática para a trama de espionagem/política/diplomacia do A Guerra Atômica que Não Houve, o vigésimo segundo livro do Perryverso traz uma outra história que tenho aguardado, e uma que não esperava em dado ponto da série literária (antes de ler o óbvio título, claro), sobre a rebeldia de Thora explodindo e dando base problemática para uma aventura. Houveram vários momentos de objeção da arcônida arrogante, principalmente nos primeiros volumes onde a teimosia de Thora ativamente revirava a história, mas ainda não tínhamos um livro inteiramente focado na discórdia da personagem como centro narrativo.
A Fuga de Thora vem como a consequência de um evento praticamente premeditado desde que a personagem caiu em desolação após a humilhação de AQUILO ao negar a imortalidade para sua raça, ao mesmo tempo que chegou no limite da espera da viagem de retorno à Àrcon. Por ser uma personagem sempre posicionada em confronto com Perry, Thora, apesar de ser uma chata classe-A, tem um dos papéis mais interessantes dentro da dinâmica certinha e exata dos membros da Terceira Potência: trazer desentendimento, disfunção e criar artifícios narrativos para formar obstáculos; situações importantíssimas em uma ópera espacial que largamente acompanha uma tripulação obediente – Gucky é outro personagem que veio para acrescentar em termos de imprevisibilidade dentro da Terceira Potência, só que, claro, em um viés mais cômico. Dessa forma, quando Thora decide roubar um destróier experimental e decolar para Vênus, onde espera estabelecer contato com Árcon, a personagem estabelece um ótimo tom dramático de aleatoriedade dentro do convívio do grupo principal.
Aliás, a personalidade errática de Thora ganha o melhor desenvolvimento pessoal da personagem desde o início do Ciclo 1, trabalhando o drama da personagem não apenas de uma perspectiva de arrogância, e sim por uma ótica que faz uma tratamento dramático de como Thora enxerga esta condição forçada de submissão. Mesmo que talvez não simpatizemos com a personagem, seu ponto de vista é bem exposto ao momento de pelo menos entendermos as ações dela, algo extremamente importante para tirar a personagem de um arco unidimensional e caricato. O texto de Darlton utiliza-se da interação da personagem com o ótimo R-17, um robô comicamente insolente e divertidamente lógico, que sempre tira Thora do sério ao priorizar as ordens de Rhodan, daí os vários diálogos que trabalham tanto com humor quanto com contornos de drama a posição de resignação que Thora não aguenta. É um bloco inicial que é uma gostosura de ler, pois, além de mergulhar na personalidade de Thora, nos dá um curioso olhar de como funcionam os robôs de Àrcon – espero que R-17 se torne um personagem recorrente!
No mais, após Thora “chegar” em Vênus e Rhodan começar a persegui-la, a narrativa ganha outras camadas que pintam um quadro até meio complexo para futuras aventuras. Em um primeiro instante, existe toda uma construção narrativa das defesas de Vênus abatendo as naves da arcônida e de Perry, servindo como possível base para a trama do próximo livro, mas principalmente criando interessantes empecilhos para os personagens. Apesar de Darlton não descrever tanto os perigos da fauna e da flora venusiana, o autor cria dificuldades mais ásperas e penosas para os personagens, como Perry se machucar feio ao ponto de não conseguir locomover, a falta de alimento e água, entre outros impasses que desafiam mais os personagens em um cenário sem tecnologia, deixando a jornada mais complicada e consequentemente mais interessante.
Mas retornado a tal complexidade que disse, o livro traz de volta o núcleo do general Tomisenkov e o russos que ficaram presos em Vênus, criando diferentes facções, entre pacifistas, totalitários e rebeldes. Além de inserir mais um ótimo obstáculo para Thora e Perry, o grupo esquecido me fez perguntar se os autores da série pretendem desenvolver uma trama de colonização, criação de civilização e divergência política em Vênus, pois seria uma história fascinante de acompanhar pensando no reflexo de expansão terráquea para além das ideologias de Perry, como também o ótimo reflexo sociopolítico da Terra nessa espécie de microcosmo. Dessa forma, mesmo inicialmente me decepcionando por não continuar a trama de unificação de nações, A Fuga de Thora é um livro interessantíssimo, pois dá mais holofotes para Thora brilhar como antagonista e personagem mais complexa, coloca Rhodan e seus parceiros Marshall e Okura em uma aventura árdua e retorna para aprofundar o arco dos russos exilados, terminando em um sublime cliffhanger para Chave Secreta X.
Também os imortais podem cometer tolices! Quando Thora fugiu, Perry Rhodan cometeu a tolice de segui-la com uma nave espacial que ainda não estava em condições de emitir o código de identificação exigido pela base de Vênus. A consequência disso foi a imediata ativação da Chave Secreta X, que fez de Perry Rhodan um prisioneiros de Vênus. CHAVE SECRETA X é o título do próximo volume da série Perry Rhodan
Perry Rhodan – Livro 22: A Fuga da Thora (Thoras Flucht) — Alemanha, 02 de fevereiro de 1962
Autor: Clark Darlton
Arte da capa original: Johnny Bruck
Tradução: A. F. Immergut
Editora no Brasil: Ediouro (1976)
110 páginas