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Crítica | Águia Solitária (1957)

por Luiz Santiago
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Cinebiografia do piloto americano Charles Lindbergh, Águia Solitária foi um dos poucos fracassos de Billy Wilder em sua carreira, que aqui também teve de lidar com um James Stewart difícil no trato, algo raríssimo de acontecer, uma vez que o ator sempre foi conhecido por sua amabilidade nos sets de filmagens e boa relação com os diretores com quem trabalhou. Sobre essa questão, talvez possamos encontrar uma explicação no fato de que Stewart percebeu, tardiamente, que foi mal escalado para o papel principal, tendo em consideração não apenas a idade (ele tinha 49 anos, interpretando um personagem de 25), mas também a pressão pela polêmica em torno de Lindbergh, por conta de sua aproximação com o nazismo e suas opiniões racistas.

O piloto, no entanto, sempre foi muito lembrado no ramo da aviação, tendo entrado para a História por ter conseguido, em 1927, realizar um voo solo e sem escalas através do Atlântico, indo de Roosevelt Field (Nova York) até Le Bourget (Paris), num voo de 33 horas e meia. É este grande feito que ganha a maior atenção em Águia Solitária, e através dele, temos diversos flashbacks para momentos-chave na vida de Lindbergh. Como em qualquer cinebiografia, o fator de aproximação com o público se dá pela exploração das dificuldades encontradas pelo protagonista em realizar algo de importante em sua vida, e o roteiro nos faz acompanhar todos os passos desse homem, das tentativas de conseguir voar pelo Atlântico, até a sua grande vitória.

Wilder inicia sua aventura com tomadas internas, no hotel onde Lindbergh está hospedado, na noite anterior à histórica decolagem. A sensação claustrofóbica, de constante observação do “louco” que irá sobrevoar o Atlântico mesmo após vários outros tentarem e morrerem, ajuda a apresentar o protagonista, algo completado pela primeira memória de seu passado, quando de sua atuação como piloto do correio aéreo. James Stewart interpreta o cinebiografado de forma bastante séria, focada e pontualmente irônica, abrindo espaço para breves momentos de inesperado humor que funcionam muito bem no filme, fazendo o espectador respirar um pouco em meio a tanta tensão.

O que pouco a pouco deixa de funcionar na obra são os olhares para o passado. Se no ato inicial eles estavam ali para dar um contexto sobre as atividades e encontros de Lindbergh durante a carreira, os flashbacks da metade do filme para frente parecem querer moldar uma aura heroica, de bom moço e de construção de caráter elogiável desse homem corajoso o bastante para enfrentar um desafio que poucos entendem. São sequências que, isoladamente, podem ser vistas com bons olhos, mas no contexto avançado do filme desviam a nossa atenção para coisas que deixam de importar. Isso porque após o The Spirit of Saint Louis levantar voo, focamos o nosso olhar nas dificuldades do trajeto e nas ações do piloto para livrar-se delas. A partir desse momento, pouca coisa além disso importa.

Já me deparei com muita gente reclamando dos efeitos especiais da obra (que ironicamente recebeu uma indicação ao Oscar na categoria), mas não vejo como exigir mais de uma produção de 1957. Wilder até consegue mesclar muito bem planos aéreos, nos mais diversos ângulos, com esses efeitos, criando uma boa cadência visual ao longo do filme. É claro que, julgado com um olhar do século XXI, são criações estranhas e datadas. Mas elas funcionam muito bem dentro do contexto em que foram concebidas.

Em Águia Solitária, o lado emocional e humano de um indivíduo se une à sua face heroica, corajosa e quase mítica. Mesmo com algumas questões em relação à diferença de idade, não acho que James Stewart faça um trabalho ruim aqui. Ele de fato dá um ar “demasiadamente maduro” para o jovem personagem que interpreta, mas não é o tipo de escolha dramatúrgica que descaracterize o biografado ou atrapalhe a condução da história. Cercando essa exploração individual, temos também o discurso já bastante conhecido das histórias de personalidades americanas no cinema, considerando o trabalho, os sonhos, as dificuldades da vida e a forma de vencê-las. Isso também não depõe contra a obra, pois é um de seus objetivos (reforçar um mito e recriá-lo), mas ao término, as cenas reais da recepção de Lindbergh após seu retorno aos Estados Unidos ficam como uma nota falsa, uma reticência sem propósito e sem força o bastante para finalizar a cinebiografia. Um dos poucos erros de Billy Wilder ao encerrar uma de suas histórias.

Águia Solitária (The Spirit of St. Louis) — EUA, 1957
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Billy Wilder, Wendell Mayes, Charles Lederer (baseado no livro de Charles A. Lindbergh)
Elenco: James Stewart, Murray Hamilton, Patricia Smith, Bartlett Robinson, Marc Connelly, Arthur Space, Charles Watts, Erville Alderson, Frances Allen, David Alpert, Gordon Barnes, Griff Barnett, Jimmy Bates, Paul Birch, Eumenio Blanco, Sheila Bond, Chet Brandenburg, Paul Brinegar, George Bruggeman, Robert Burton
Duração: 135 min.

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