Mais uma produção do Coletivo Candiero, o disco Óia Lá de Chico Conrado esbanja o som dos instrumentos de cordas como trilha de músicas de resiliência, resistência e regeneração. Com uma cerne nordestina e sertaneja culturalmente presente nas letras e melodias do Coletivo, o traquejo com o baixo e a guitarra gritando em cada música que compõe a produção centraliza a contemporaneidade que o Candiero implementa na toada da representatividade. Remetendo mais uma vez a liderança de Marco Telles, que se volta para uma desconstrução do gospel capitalista em seus álbuns solo, Chico segue a linha cristã hippie (como diria meu irmão), que claramente tem ortodoxia nas letras e converte a grande harmonia das cordas sem apelar nem para a rima gospel, nem para a tradição nordestina como alguma nostalgia armorial erudita.
A linha produtiva de iniciar álbuns e EPs com uma introdução proclamada, teatral, como um Auto de inspirações trovadorescas, é algo costumeiro no Coletivo Candiero. Porém, mesmo que isso soe puramente medieval/nordestino, que tanto Ariano Suassuna popularizou em seu Auto da Compadecida, e visão até fideísta quanto a compreensão dos papéis sociais no sertão, Chico Conrado e a capa do seu disco com o sertanejo caminhando olhando para o céu dispersa o movimento armorial (representado por Ariano) e se volta para o popular rock e baixo que é acessível aos ouvidos mais gospeis até os pós gospeis. Porque, em verdade, quando o disco Óia Lá começa com Conrado falando sobre sua terra e suas “observâncias” quanto a pouca chuva que muda o sertão fortemente em imagem de esperança, não é uma referência apenas trovadoresca/medieval de um nordestino erudito que conhece suas raízes espaciais e culturais. Isso na verdade é para olhar além disso junto ao popular sobrenatural cristão visto no ordinário, lembrando da avó que conta histórias e das músicas da igreja como Firme nas Promessas que tomam outra melodia dentro da faixa Nosso Encontro. Logo, a introdução no Candiero é menos Auto e mais Evangelho, sem anular o ponto medieval que tanto periodicamente desenvolveu o cristianismo.
Por isso, pensando ainda nas características trovadorescas, mas de maneira mais moderna, tanto a boa gritaria das cordas eletrizadas de um baixo e uma guitarra, ou a amplificação da viola, ou cavaquinho, alinhada a interpretação romântica de algumas letras ou títulos, Óia Lá é a modernização formal de música, mas conserva a experiência ampla do trovador com a natureza e com o que sente falta amorosa. O histórico, por exemplo, de músicas gospeis que soam mais como uma canção de amor no grego eros da paixão física do que algo ágape de honrar Deus com algum atributo é bem amplo, e Chico Conrado especialmente na faixa Luara, que é uma serenata em essência (europeu/trovador) mas se torna uma verdadeira seresta (nordestino/cordelista) pela presença do baixo, principalmente, faz a harmonia entre o romântico e o transcendental com uma voz modulada. É uma música claramente de saudade, e recria o tal amor platônico trovadoresco medieval, clamando por um(a) tal Luara, ou Lua, que se quer beijar, que não se cansa de olhar. Mas o ponto fatídico, aí expandindo a cultura cristã, é a parte final da faixa que se alegra esperançosamente a volta desse ser que volta na hora certa para iluminar o breu da vida. Eis o sobrenatural no palavreado ordinário que transcende o romantismo, que vai modificando as faixas sem perder o estilo harmônico das cordas.
Ao longo do disco curto de 5 faixas o ordinário vai aparecendo mais, aproximando com a repetição de refrãos e valorizando mais interlúdios das cordas, tornando a ortodoxia e o dogma cristão parte da natureza nordestina e a experiência com ela ser uma espécie de samba e dança. A unidade Candiero, ou a linha hippie do Coletivo, se une nesse concerto marat sá, já cantado por Midian Nascimento no álbum Barulho. É na espontaneidade que surge tal expressão, e é nisso que a forma bem estabelecida das cordas, o barulhinho do dedilhar e as temáticas das letras olham para cima numa convergência cultural do nordestino que espera a chuva como um cristão que espera a volta de Jesus que Óia Lá se forja. Com o bastião Filipe da Guia, que é o tocador compartilhado do Coletivo, não uma banda, como diria Marco Telles, Chico Conrado faz seu cordel eletrônico ortodoxo. Não é trovadorismo nem Auto do sertão, é um Óia Lá resistente, indo da introdução poética de convite a regeneração ao Mandacaru como símbolo de resiliência.
Apesar desses encontros ricos na produção de Chico, ainda assim há de se atentar a um reflexo de começo. Diferente de Barulho de Midian Nascimento que mostra muita maturidade para uma primeira obra da cantora, Conrado se confiou nas qualidades isoladas das faixas, ou anteriores singles, que num disco se comportam “forçadamente” em uma unidade que destoa de um padrão Candiero. Não soa como um erro, e sim parece com uma antítese que não precisa existir entre um formalismo de cordas de Chico e as letras mais evocativas de confirmação temática. Em suma, há um misto de trava e liberdade em Óia Lá, algo mais de projeto do que em musicalidade. Quem sabe faltasse uma música de finalização que Mandacaru não contempla, ou inverter É Samba, É Marat Sá com Mandacaru na ordem. No entanto, tais possibilidades não adentram coerências plenas a uma crítica à associação das faixas, apenas pensamentos para o leitor pensar com o texto na concordância ou discordância.
Até porque, em geral, uma característica do Candiero que Chico carrega forte em seu disco é a conversa popular em meio a ortodoxia prosada e poetizada na cultura nordestina e naturalista. Não se mexer um pouco ouvindo É Samba, É Marat Sá não parece haver conversa com a insistência da música, ou não se sentir fortalecido com Mandacaru é realmente não gostar praticamente do disco. Mas se pelo menos a guitarra e as variadas cordas emuladas nas faixas criarem uma caminhada que se olhe para cima em algum momento da experiência de se ouvir Óia Lá, bem, óia lá seu gosto aparecendo.
Aumenta!: Luara
Diminui!: –
Minha Canção Favorita do Álbum: Mandacaru
Óia Lá
Artista: Chico Conrado
País: Brasil
Lançamento: 21 de Junho de 2021
Gravadora: Coletivo Candiero
Estilo: Nordestino