O título simultaneamente técnico e surreal de Edição de Vídeos Digitais… sintetiza muito bem aquilo que é apresentado em tela pelo filme. De princípio, somos convidados a assistir cenas que introduzem um romance higienizado, genérico e com ares fantásticos, que muito bem nos lembra os filmes comerciais que são produzidos em massa todos os anos. Entretanto, há um problema com a obra, algo não está normal. Um erro aparece e demanda a correção. É neste momento, portanto, que compreendemos que, na verdade, não se trata de um romance qualquer, mas sim de algo metalinguístico, um filme que se debruça sobre esse erro e que, na verdade, passa boa parte de sua duração em uma plataforma de edição virtual, em busca dessa correção.
Sim, Edição de Vídeos Digitais… é um filme que se centra no erro, onde vemos o diretor e uma editora procurando as diversas formas possíveis para resolver os “defeitos” que aparecem em tela, mas que não foram percebidos durante a gravação. E toda a obra se faz sobre isso: a dicotomia entre duas visões distintas – uma “sentimental” e a outra “técnica” – que estão em constante acordo e desacordo em relação não apenas à elaboração cinematográfica, mas também ao próprio fazer artístico.
Nesse sentido, a obra consegue transitar de maneira satírica por gêneros como o já citado romance melodramático e comercial, o terror e a comédia, balanceando muito bem a cadência entre os mesmos, no sentido de que suas transições se dão de maneira clara e natural. Assim, em vários momentos presenciamos o drama exagerado, representado de forma ridícula, para sermos surpreendidos com o horror intenso que, logo em seguida, se dissolve na comédia. Trata-se, na verdade, de uma manipulação tão precisa que o próprio questionamento sobre a ideia de gênero cinematográfico é sutilmente abordado e ironizado. É como se, de certa forma, houvesse uma entrega a todas essas categorias, mas ao mesmo tempo a nenhuma.
Mas além desta questão dos gêneros, que sustenta o decorrer da obra, o debate sobre as noções de autoria no cinema e suas limitações ou liberdades é o que constitui o discurso central da encenação. Isso porque o filme é composto de maneira muito simples: imagens do programa de edição sobre o “filme falso” e as duas vozes tentando constantemente encontrar caminhos e soluções. E é justamente na mistura entre estes elementos imagético e sonoro que o confronto entre técnica e sensibilidade estética se dá. O diretor chama a editora para “resolver” seu filme, mas ao mesmo tempo não aceita suas mudanças e procura sempre colocar seu olhar respaldado numa “sensibilidade” que não deixa de ser, em certo sentido, cômica. Em contrapartida, a editora procura impor sua visão técnica sobre o sentimento procurado pelo diretor, criando assim um conflito sem solução que remonta a um debate muito antigo: quem é o verdadeiro autor no cinema? Ou seja: a aura de um filme é formulada pela visão da direção e sua forma própria de ordenar os planos ou pela mão do montador que conhece as “soluções” pautadas em um acúmulo histórico e cultural?
É sobre esse contraste latente que se dá quase toda a duração de Edição de Vídeos Digitais…, e é justamente quando o filme procura escapar dessa encenação que acaba por se perder um pouco em referenciais demais. Não apenas citações de cineastas, mas a própria dinâmica de transbordar a realidade do programa digital, revelando assim a “encenação fictícia” por trás daquelas vozes, acaba por simultaneamente adentrar em um fantástico que, até o momento, era sutil e passível de dúvida, mas que agora se fundamenta na realidade da obra. Ao mesmo tempo, essa quebra distancia o espectador da aproximação daquele universo puramente virtual que estava fundado, fazendo com que as dinâmicas entre ficção e realidade, que antes eram tão borradas, se clarifiquem.
Porém a forma como a manipulação dos gêneros em diálogo com o fervoroso debate sobre a autoria é tão bem estruturada que não anula a potencialidade da obra. Edição de Vídeos Digitais… é um ótimo filme no qual a experimentação estética e narrativa não possui fins unicamente sensoriais, mas discursivos no sentido de trazerem à tela algo que extrapola a obra – o clássico conflito – e inseri-lo numa dinâmica virtual solidamente elaborada. O que sobra, ao fim, é a concordância entre um e outro: a editora que reconhece o esforço poético do autor, e o autor que entende que sua posição criativa não pode ser solitária, visto que o cinema é um esforço coletivo.
Edição de Vídeos Digitais com Adobe Première Pro: Guia do Mundo Real Para Configurações e Fluxo de Trabalho (그녀를 지우는 시간) – Coréia do Sul, 2020
Direção: Hong Seong-yoon
Roteiro: Hong Seong-yoon
Elenco: Park Soo-yeon, Cha Seo-won, Seo Hyun-woo, Mun Hye-in
Duração: 40 min.