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Crítica | Misteriosa Paixão

Letárgico e antipático.

por Leonardo Campos
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Misteriosa Paixão

Com trama labiríntica e exposição de personagens sem escrúpulos e maldosos, Misteriosa Paixão é a típica narrativa noir contemporânea, com crimes, reviravoltas e mulheres que colocam em prática os seus desejos mais selvagens. Audacioso e bastante humorado em muitas passagens, o filme em questão é também uma narrativa pavimentada por um caminho dramaticamente pecaminoso, com excessos que atrapalham a jornada evolutiva das figuras ficcionais que circulam em sua estrutura demasiadamente fragmentada. Aqui, temos como ilustração o velho ditado “menos é mais”, definição para as escolhas do projeto que teve a direção de um sofisticado veterano, Roland Joffé, cineasta conhecido pela transformação da imagem cinematográfica em algo virtuoso, muito além das trivialidades lançadas cotidianamente na cultura do entretenimento. Ao assumir o roteiro escrito por Ron Peer, Joel Cohen e Alec Sokolow, ele acerta na condução de sua equipe técnica e elenco, mas leva para as telas um emaranhado de situações narrativas condenadas ao obscurantismo, num filme letárgico e antipático.

Em seus 103 minutos, acompanhamos a trajetória de Sandra (Patrícia Arquette), uma mulher fervorosa e lasciva, trajada pelos figurinos de Theodora Von Runkle como uma espécie de vampira. Logo no primeiro momento, ela se relaciona sexualmente com Ben (Don Johnson), um homem que descobriremos adiante ser o irmão de seu companheiro Jake (Dermot Mulroney). Com o parente mais novo do “oficial”, ela se esbalda e faz tudo aquilo que as suas necessidades pedem. Em suma, uma trama sobre adultério com traições que vão além dos desejos carnais e caminham para a concepção de crimes onde todos são suspeitos e ninguém é o que aparenta ou tenta ser. Jake, em seu trabalho numa agência de publicidade, também vide dias errôneos e constantemente se encontra envolto numa redoma de descaso consigo mesmo, álcool, drogas e outras escolhas que trilham o seu destino até o final da narrativa.

Ele é a representação cabal dos conflitos existencialistas de alguém perdido na vida conturbada que leva. Peggy (Mary Louise-Parker), uma ambiciosa e oportunista colega de trabalho, encontra no moço a oportunidade de também se divertir e não demora para os dois estabelecerem um caso. Atraente, a moça também pode ser perigosa, característica que só saberemos depois que as coisas engrenam e aprofundamos mais neste poço de pessoas sujas e malvadas. Logo mais, alguém morre. E a vida ceifada deixa para trás um seguro de U$ 4 milhões. Quem matou? Por qual motivo? Será que a pessoa realmente morreu ou tudo não passa de um golpe? Essas são algumas das perguntas que surgem diante do acontecimento que ainda mescla chantagens, um assassino profissional imitador de crimes alheios que ocorrem no mesmo tempo narrativo, tudo isso em meio ao tsunami de reviravoltas que precisam ser compreendidas pelos detetives Rita Pompeo (Ellen DeGeneres) e Rollins (Ray McKinnon), representantes da lei que também são capazes de se levar pela corrupção que os ronda, tamanha a tentação do que é ofertado.

Com diálogos afiados, aparentemente delineados pela presença de Joel Cohen como colaborador do roteiro, Misteriosa Paixão é visualmente deslumbrante, mas dramaticamente obtuso. O desenvolvimento labiríntico e o cinismo dos personagens funcionam como estratégia de não entregar os fatos logo de cara, mas a tentativa de narrar por artifícios do tipo acabam tornando tudo um tanto letárgico e cansativo para o espectador. Apesar da belíssima fotografia de Dante Spinotti, da trilha atmosférica de John Ottman e do design de produção de Stewart Starkin, repleto de elementos da iconografia religiosa cristã, presente em cena como proposta de potencialização das ironias, complementares ao texto ácido e sarcástico, o filme lançado em 1998 se apresentou ao público como um exercício cinematográfico visualmente elegante, como já mencionado, mas pouco funcional enquanto narrativa. Ao lado de Crimes em Palmetto, Falsas Intenções e outras produções do mesmo quilate, o filme com a ardilosa mulher fatal de Patrícia Arquette é mais um dos enterrados nos cemitérios das narrativas esquecidas, desenterrado por alguém como quem vos escreve, um “Ed Gein” das pérolas sublimadas pelo tempo.

Misteriosa Paixão (Goodbye Lover, EUA- 1998)
Direção: Roland Joffé
Roteiro: Ron Peer, Joel Cohen, Alec Sokolow
Elenco: Patricia Arquette, Dermot Mulroney, Mary-Louise Parker, Ellen DeGeneres, Ray McKinnon, Alex Rocco, Don Johnson, Andre Gregory, John Neville
Duração: 102 min

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