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Crítica | Resident Evil: No Escuro Absoluto

por Iann Jeliel
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Resident Evil: No Escuro Absoluto

  • Confira aqui críticas sobre tudo do universo Resident Evil.

Resident Evil: No Escuro Absoluto é desnecessariamente uma dupla adaptação. Primeiro, obviamente, trata-se de uma adaptação dos games em formato de animação, introduzindo uma “nova” história canônica do mesmo universo se passando entre os jogos Resident Evil 4 e Resident Evil 5, além de antes da sua primeira adaptação nesse formato, também parte do cânone oficial, Resident Evil: Degeneração. Segundo, e aí entra o adjetivo que utilizei, é uma adaptação de um filme para home video de pouco mais de uma hora e meia para uma minissérie de quatro episódios de 25 minutos em média, transformada assim sabe-se lá por quê. Quer dizer… Vamos desvendá-lo!

Estamos falando de uma franquia popular, embora consumida por um nicho bem específico de público, distribuída como conteúdo original de uma plataforma de streaming que domina o mundo, mas que corre sérios riscos de perder esse posto a concorrentes mais fortes no que diz respeito a títulos de peso. A Netflix vem apostando veementemente nos últimos anos na criação de franquias de peso popular, seja por ideias originais que deram certo, seja por outras que adquirem direitos de nomes promissores, para disputar com os fortes nomes que Warner, Amazon e Disney têm disponível para seus catálogos.

Resident Evil tinha uma bola cantada na TV e no cinema. As adaptações de Paul W.S Anderson são com justiça observadas a olho torto, e mesmo a trilogia de animações divertidas e respeitosas à mitologia da saga nunca chegaram realmente a empolgar ou apresentar a complexidade narrativa vigente no material vindo dos consoles. Algo que vale inclusive para várias das outras tentativas de levar títulos consolidados dos games para o audiovisual cinematográfico, em que nenhuma foi forte o suficiente para gerar uma tendência de mercado. Ou seja, o cenário nessa linha está aberto e Resident Evil, mesmo com o mau histórico, ainda tem potencial a ser aproveitado. Aparentemente os executivos da vermelhinha sabem disso e estão colocando muitas fichas aí ao já terem anunciado uma série e filme em live-action, fora esta de agora, que na prática demonstra ser um “teste” prévio de aceitação de seu público, antes das apostas maiores.

Ao estrear entre os mais vistos da semana em vários países, no sentido mercadológico, o interesse do povo foi validado, no entanto, isso veio com o custo da mutilação de uma obra, que claramente não se adequa ao formato seriado, inclusive, através dele expondo ainda mais das problemáticas vigentes das animações coproduzidas por EUA e Japão, tais como a falta de desenvolvimento de personagens ou profundidade dramática do campo político narrativo escolhido, jamais explorados com detalhes por uma suposta falta de tempo nos 90 minutos padrões de duração. Se Resident Evil: No Escuro Absoluto fosse realmente uma série, certamente essas lacunas temporais seriam preenchidas pela maior duração, de modo a dar as devidas camadas introdutórias e complexas desejadas. Os filmes anteriores funcionavam independentes dos jogos, mas ao mesmo tempo, nunca buscavam explicar os pormenores da história global da saga para o público fora do nicho, tanto que escolhiam se fechar muito em si, para serem compreensíveis a qualquer pessoa, mas nesse caminho abdicavam da complexidade que apresentariam, caso fossem pensados de forma mais complementar à saga.

Em série, esse complemento poderia estar incluso na obra, pois tinha tempo para fazer introduções e contextualizações, principalmente diante do público da Netflix, que gosta de algo mastigadinho, de modo a ajudar também a estabelecer uma base para oferecer o desenvolvimento faltante pela duração, fora não ter mais a limitação dela para se arriscar a fazer algo estruturalmente diferente do cômodo: atentado zumbi, investigação do atentado, pormenores políticos, luta contra um chefe consequência de outro megalomaníaco bioterrorista descoberto das sombras. No Escuro Absoluto até flerta com essa dramaturgia mais completa, mas o senso de continuidade elaborado pela montagem simplesmente não ajuda, pois parece refeita com  fade-outs muito bruscos de uma cena para outra, em que parece que tem algo faltando, quando seriam elipses comuns de um filme que precisa ser mais objetivo para conseguir contar o que quer.

A abordagem seriada transformou a objetividade do que seria o filme em uma contagem vazia de uma história até boa, com alusões temáticas modernas à guerra do Oriente Médio que poderiam ser complexadas, especialmente nos antagonistas, mas que soam extremamente desinteressantes por fugirem do compromisso de aprofundamento, ou nesse caso, quando ameaça ter, já pula para o próximo episódio sobre outra coisa, quebrando totalmente a linha rítmica de tudo. Se a ação genérica, mas empolgante das animações, preenchia esse espaço da falta de complexidade da história, como um gameplay de jogo, que igualmente cumpre essa função, onde o caráter sensorial de a estar vivenciando faz o resto ser estimulante, as poucas cenas de ação se tornam um dos maiores problemas de Resident Evil: No Escuro Absoluto, principalmente por serem voltadas a um âmbito realista, onde as acrobacias impossíveis de Leon S. Kennedy (Nick Apostolides) ou a mira anormal e superinteligência de Claire Redfield (Stephanie Panisello) deixariam as partes de exercício de gênero menos passageiras.

Porque os personagens em si, de novo, não são desenvolvidos pelo tempo, e diria que nem aproveitados pela história direito. Poderia ser qualquer um ali protagonizando a saga, ou somente um deles, que bastaria. Já que Claire basicamente descobre a mesma coisa que Leon descobriu antes na parte investigativa, e só um deles interfere realmente nos desdobramentos climáticos. A decepção de vê-los trabalhando em conjunto nem é o ponto, eles nunca foram explorados assim mesmo, tanto que cada um tem sua campanha em Resident Evil 2, onde há no máximo breves encontros de ajuda mútua, como foi também em Degeneração, animação protagonizada também pelos dois. Até acho interessante criar uma espécie de antagonismo entre eles graças aos caminhos pós-Raccoon City, Claire sendo essa ativista/jornalista crítica ferrenha do governo por ter acobertado a verdade daquele incidente, e Leon o agente dúbio que tem esse mesmo sentimento de Claire, mas quer resolver os pormenores de forma interna, já que agora trabalha em nome do presidente.

Esse drama, infelizmente, na prática é colocado só na última cena, de uma maneira um tanto antagônica à personalidade dos personagens, porque Claire, insistente do jeito que é, jamais aceitaria tão facilmente a atitude de Leon ao final, e a própria atitude que ele tem não faz o seu perfil, ao colocar de uma forma impositiva uma hierarquia que não existe entre os dois personagens. É complicado falar sem dar spoilers, mas posso dizer que a cena final encerra como gancho, quando  é uma conclusão que não leva os eventos a nenhuma consequência, canônica geral ou particular somente dentro da “série”, reforçando o sentimento de vazio após essa maratona de 100 metros rasos.

Resident Evil: No Escuro Absoluto (Resident Evil: Infinite Darkness | EUA – Japão, 08 de julho de 2021)
Criação: Hiroyuki Kobayashi
Direção: Eiichiro Hasumi
Roteiro: Shogo Muto, Eiichiro Hasumi
Elenco: Nick Apostolides, Bill Butts, Kellen Goff, Stephanie Panisello, Armen Taylor, Jona Xiao, Ray Chase, Billy Kametz, Doug Stone, Joe Thomas, Brad Venable
Duração: 105 minutos (quatro episódios no total)

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