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Crítica | Shrek Terceiro

por Davi Lima
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Shrek Terceiro Alguém me ajuda, fui sequestrado por um monstro que quer ser meu brother! 

Embora seja algo pouco significativo de maneira direta, ainda assim a mudança de título da franquia Shrek, com o adicional do “terceiro”, ou “the third”, se torna significativo para compreender as quebras de expectativas abruptas do filme e como mais uma vez na franquia se muda completamente na abordagem cômica. Com o primeiro filme sendo um deboche clássico, numa junção temporal de termos sobre narrativas, e o segundo abusando da intertextualidade como mantra, o Shrek Terceiro recoloca mais verossimilhança e realismo na mesma medida que abraça a comédia pastelona, teatral e medieval. Talvez, para ser mais preciso, são vários tipos de comédia misturadas, em vista que a trilogia Shrek exercita muitos de tipos de comédia justificada pela paródia específica que se aborda, como também esse terceiro filme parece comentar internamente piadas para quem conhece a franquia. desde a trilha sonora aos detalhes do pântano. Nesse terceiro filme há piada com tudo, com o jovem chato, o naturalista hippie, o pai medroso, e com a modernidade paranoica de Hollywood e seus conservadores, entre várias ideias progressistas implementadas. Mas o problema acontece na implosão do universo, já criado no deboche, exagerando fisicamente na comédia, mesmo que tenha sua função positiva. Acaba faltando a história que converse com a problematização impulsionante que é o Shrek (Mike Myers) não querer ser rei e não dever ser rei.

Num processo de desenvolvimento de personagem, mais uma vez confiando no público engajado, Shrek segue na linha familiar de querer ter seu romance, poder casar e posteriormente ter filhos. Pensando centralmente nessa trama, Shrek Terceiro faz seu papel dramático, entregando o “processo natural” de um “felizes para sempre” dos contos de fadas, ou ao menos do que se espera após os pombinhos Shrek e Fiona (Cameron Diaz) terem sua carruagem de cebola e terem sua festa de bodas enfrentando uma fada madrinha. Mas dentro das histórias de Shrek o “felizes para sempre” são sempre fases modernizadas de uma constituição familiar, com um carga forte de referenciação hollywoodiana de cinema, e por serem fases elas tem peculiaridades que precisam ser reforçadas na dramaturgia, com a básica subversão verossimilhante da Dreamworks, que cria universos únicos fantasiosos, mas que apresenta uma representação de uma escola americana com traços medievais para introduzir um personagem nesse terceiro filme. Assim, o tal “processo natural”, e a concepção de fases de sempre buscar o “felizes para sempre”, interminável de maneira harmônica no anseio pelo realismo de tratamento da Dreamworks, ficam no círculo de piloto automático que são suprimidas pela comédia pastelona, física e extremamente afiada em curtas duração.

Se por um lado a dinâmica do porquê Shrek não quer ser rei parece óbvia e o filme busca o automatismo disso, e se perde o conflito dramático do porquê ele não pode, na manutenção da coerência do personagem, ser rei, o subterfúgio da comédia slapstick, ou facilmente reconhecível como “comédia Os Trapalhões”, compensa, quase que de maneira planejada, a fragilidade dramatúrgica evocada no desenvolvimento do ogro ter seu conto de fadas. Fica compreensível como proposta não insistir na justificativa, ou muito menos investir no público questionar o porquê Shrek não quer ser rei, e a comédia escrachada, totalmente anticlimática, quase como esquetes sucessivas que forjam uma narrativa linear, tomar conta de evidenciar objetivamente o desejo do ogro voltar para o pântano, num ciclo de jornada. No entanto, o plano maléfico do personagem Encantado (Rupert Everett), em toda a sua teatralidade e artificialidade shakespeariana, falando com o espelho num beco escuro como camarim e vislumbrando o castelo de Far Far Away após iniciar o filme cavalgando num cavalo de pau para a esquerda, reverso do seu cavalgar de Shrek 2 realmente num cavalo num teatro de bar, em toda essa descrição há um surgir temático para se falar de maneira exagerada das subversões que a franquia sempre teve. 

Mesmo com Shrek já sendo a subversão clássica, o deboche clássico, que criou abrangência dos contos de fadas em dois filmes em sequência, a sugestão do título, da escolha de uma comédia com ascendência medieval e a vilania dos contos de fadas querendo tomar espaço da trama, na onda hollywoodiana e cultural de repensar os espaços dos “feios” no protagonismo do teatro cinematográfico, clamam por uma participação propositiva do filme minimamente questionar uma nova estrutura a se pensar sobre os contos de fadas: e quando o ogro começa a ser amado, em que torcem por ele, porque os outros vilanizados não tem final feliz? Encantado, também num papel reverso, cria uma alquimia de vetores, colocando um caldeirão de ideias que o filme apenas quer fugir, indo atrás do personagem Artie (Justin Timberlake), loirinho jovem que sofre bullying no colegial e criando o terror da paternidade para fechar o triunvirato temático do filme que se encerra num discurso teatral. 

Em suma, a comédia pastelona vai sugando qualquer incoerência, vai dispersando qualquer drama mal desenvolvido, e com méritos provoca resoluções plausíveis dentro da bizarrice e da expansiva piada mais física. Shrek testa sua paternidade com um jovem, um terror ainda maior, o ato feminista de Fiona e as princesas em companhia tem seu momento de cinema de ação ao som de rock, e a paranoia conservadora em Hollywood é bem representada com Far Far Away e saqueada com a “grande imoralidade” dos vilões como Cavaleiro Negro beber café na rua, um dos sete anões andar pela cidade como um bêbado e o Ciclope tirar os selos de cartas para uma tal de Caolha. E é desse jeito, que apesar da narrativa em certa medida repetitiva, recheada de cortadas dramáticas para o humor, e que parece se esvaziar do recheio temático introduzido quanto a Shrek não poder e não querer ser rei dentro do que é o personagem, as internalizações da franquia, quanto ao deboche, referência ou citadas nada infantis, se tornam pueris e explícitas que acabam combinando com o teatro desafinado, literalmente, de uma Rapunzel careca e um Encantado mau ator. 

A trama do “felizes para sempre” se volta para o ordinário por completo em Shrek Terceiro, vetor contrário do reinado, assim como a comédia pastelona privilegia a comédia física e cortadas dramáticas imprevisíveis quanto abobalhadas, e se torna um automatismo que busca incendiar pela base de público e implicitudes adultas, ou politicamente incorretas, para o público infantil que acompanham Shrek desde de sempre. Afinal, não é lá um final feliz, ou conto de fadas, é algo bem real para Fiona e Shrek. A subversão da vez é desmascarar o “fadismo” e o teatro do final feliz, em que os os vilões se apegam a sonhos personalistas, não finais, e o jovem que sofre bullying, como o nerd que se torna CEO de uma grande empresa no Vale do Silício, vê a coroa como uma nova alternativa, não uma conquista que sempre almejou. Essa é a “nova” Califórnia, Hollywood e Dreamworks da verossimilhança sustentada comicamente pela implausibilidade do pastelão.

Shrek Terceiro (Shrek the Third) – EUA, 2007
Direção: Chris Miller, Raman Hui
Roteiro: Jeffrey Price, Peter S. Seaman, Chris Miller, Aron Warner
Elenco: Mike Myers, Eddie Murphy, Cameron Diaz, Antonio Banderas, Julie Andrews, John Cleese, Rupert Everett, Eric Idle, Justin Timberlake, Susanne Blakeslee, Cody Cameron, Larry King, Christopher Knights, John Krasinski, Ian McShane, Cheri Oteri, Regis Philbin, Amy Poehler, Seth Rogen, Maya Rudolph, Amy Sedaris, Conrad Vernon.
Duração: 93 minutos

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