Durante uma de nossas conversas usuais acerca de cinema, eu e Luiz Santiago tivemos, em determinado momento, a ideia de realizar um especial juntos. Como o momento pelo qual o mundo passa não é nada fácil, pensamos em escolher algum diretor com obras mais leves e que a alegria e o riso pudessem aflorar ao longo dessa aventura. Dito isso, após minuciosa e criteriosa reunião, o alemão Ernst Lubitsch acabou sendo o nome escolhido. E ainda que alguns de seus filmes já tenham sido criticados por aqui, Sapataria Pinkus “abre” essa empreitada.
Lançada em 1916, ainda na fase alemã do autor, a fita gira em torno de Sally Pinkus (Ernst Lubitsch), um jovem estudante em vias de terminar seus estudos e encarar a vida adulta. Extremamente travesso, Pinkus vive causando confusão em sala de aula, na rua, em casa ou onde quer que esteja, além de sempre tentar conquistar qualquer jovem moça que cruze seu caminho. Ao adentrar a maioridade, o jovem começa a busca por um emprego e, entre recusas aqui e ali e sem conseguir ficar em um lugar por muito tempo graças ao seu jeito, consegue, eventualmente, um trabalho em uma sapataria, onde conhecerá uma mulher que lhe dará um empréstimo para que comece sua própria sapataria.
Assim como é possível notar em várias de suas obras, Lubitsch escolhe uma abordagem cômica para retratar aspectos, costumes e situações cotidianas, facilitando muito a assimilação da plateia. Nesse sentido, é interessante perceber como o diretor sugere uma análise comportamental do homem em determinado momento do filme, utilizando a personagem que ele interpreta e seu último patrão antes de abrir o próprio negócio. Quando uma bela cliente chega para comprar um sapato, vemos uma verdadeira disputa dos dois para atender e agradar a jovem mulher, expondo a semelhança entre homens de gerações diferentes. Mesmo se tratando de um jovem e de um quase senhor, a maneira como reagem àquela situação, disputando a atenção da mulher a todo custo, revela parte dos costumes e ensinamentos passados de geração em geração daquele tempo.
Outro ponto que chama bastante atenção é como o realizador utiliza a profundidade de campo. Algumas das melhores sequências do longa são justamente as que existem uma preocupação nos acontecimentos em primeiro, segundo e terceiro plano, com Pinkus transitando de um para outro e interagindo com demais personagens, criando ambientações realmente excelentes. E o melhor é perceber que esses núcleos não dependem exclusivamente do protagonista estar participando para que a ação ocorra, já que cada um segue realizando suas tarefas normalmente e adicionando detalhes à cena. Para um filme realizado há mais de um século, não deixa de ser surpreendente a criatividade e a qualidade apresentadas.
Ao longo de 45 minutos, Lubitsch apresenta uma narrativa divertida da ascensão na vida de um jovem comum até o grande sucesso em um setor específico, flertando, mesmo que inconscientemente, com o american way of life. Se esse tipo de abordagem influenciou sua futura ida para Hollywood, é algo que podemos apenas especular, mas a forma de retratar o comportamento social da época, que se assemelhava por todo o Ocidente, possuía a conveniência que agradaria em terras estadunidenses. Seja como for, é bom poder prestigiar bons trabalhos como esse.
Sapataria Pinkus (Schuhpalast Pinkus) – Alemanha, 1916
Direção: Ernst Lubitsch
Roteiro: Hanns Kräly, Erich Schönfelder
Elenco: Ernst Lubitsch, Ossi Oswalda, Guido Herzfeld, Erich Schönfelder, Hanns Kräly, Fritz Rasp
Duração: 45 min.