Sob a direção de Gilles Legrand, cineasta que tem como ponto de partida, o roteiro escrito em parceria com Leonore Confino, As Boas Intenções é aquele tipo de filme que os espectadores professores se apaixonam de imediato, haja vista as suas potencialidades pedagógicas. Relacionamentos humanos, imigração, conflitos ideológicos, dentre tantos outros temas que abarcam as “humanidades”, podem ser contemplados num debate com esta produção de 103 minutos, lançada em 2018, drama francês sem letargia que nos conta a saga de Isabelle (Agnes Jaoui), uma professora que se dedica cotidianamente não apenas ao que lhe é a sua função principal, isto é, dar aula, mas é alguém também uma grande cidadã preocupada com o lado humanitário/social de sua função profissional. Ela atua como professora de francês para imigrantes e numa determinada ocasião, todos os seus estudantes precisam de uma carteira de habilitação para ter a possibilidade de trabalhar. Aqui, o aprender a dirigir e o ato de conseguir ser aprovado nos exames de uma autoescola representam a conquista por instâncias de cidadania pelos personagens. É a condução como o meio de sobrevivência.
Cada caso dentro da sala de aula é um exemplar de crise social. Para Isabelle isso é um transtorno, pois ela é o tipo de mulher com pensamentos e posturas críticas, alguém que considera os festejos natalinos, por exemplo, uma orgia ao capitalismo, encontros hipócritas onde muitos gozam dos privilégios de sua classe social e mesa farta, enquanto outros penam em situações de uberização e alijamento de maiores oportunidades educacionais e de acesso aos serviços de saúde. Com peculiaridades que definem a procedência geopolítica de cada indivíduo em sua sala de aula, a professora engajada inicia uma jornada pela quebra de determinados estereótipos, bem como projeta para si as questões pessoais de cada um dos integrantes da turma. Ela parece carregar uma culpa diante do cenário problemático de seus alunos, sensação que a faz ir além do possível dentro de suas limitações, tornando-se uma espécie de salvadora da pátria dos imigrantes que compõem o caldeirão cultural do território francês no contexto do filme, uma comédia envolvente, leve e logicamente, pretensiosa.
Os estrangeiros talvez pudessem ter mais espaço para driblar os clichês que os transformam em vítimas, mas o filme prefere deixar que Isabelle preencham o seu vazio ajudando os outros. Ausente com os filhos e a família, ela é o arquétipo da mulher preocupada demais com o mundo que coloca em risco a relação com os seus próprios pares cotidianos. Entre os risos com os preconceitos, o filme constrói um panorama de situações estereotipadas, indo na contramão, em alguns instantes, de seu próprio discurso. Isso, por sua vez, torna-se um paradoxo, mas algo que não estraga o desenvolvimento narrativo em As Boas Intenções. As personagens femininas, em sua maioria, irregulares, beiram ao que conhecemos por histerismo, salvaguardas as devidas proporções psicanalíticas desta comédia sobre tantos temas, dentre eles, o assistencialismo de Isabelle, personagem que deixa o marido, Adjin (Tim Seyfi), irritado e confuso diante de tantas missões de sua esposa, alguém que para ele, deveria se preocupar apenas em ministrar as aulas que lhe cabem e nada mais. Ela dá as suas aulas, mas traz o algo mais. Sempre muito mais.
Na escola de direção, Isabelle vai contar com a ajuda de um monitor (Alban Ivanov), colaborador que permitirá aos estudantes, aprender o código de trânsito do país, bem como as principais regras de conduta diante de um volante ou motocicleta, os meios de deslocamento para pessoas que precisam de tais aparatos para trabalhar e assim, exercerem as suas respectivas cidadanias ao trabalhar, consumir, etc. Piadas com erros na condução de automóveis e maneiras inadequadas de estacionar e proceder na leitura e interpretação de placas fazem o filme ser humorado e leve, dramaticamente problemático nos pontos já mencionados, mas relevante para discussões sobre trânsito, educação e mobilidade urbana. É nessa jornada que eles aprendem a sinalizar, um gesto aparentemente simplório, mas que podem evitar tragédias, além de compreender as ações dos pedestres e de condutores de outros modais. Para acompanhar essa jornada, Armand Amar assume a trilha sonora, Pierre Cottereau a direção de fotografia e Riton Dupire o design de produção, setores que trazem características temáticas de trânsito ao conteúdo dramático que flerta com a educação como um dos pilares importantes para a formação de condutores preparados para atravessar as vias que cortam e conectam territórios.
As Boas Intenções (Les Bonnes Intentions, França – 2018)
Direção: Gilles Legrand
Roteiro: Gilles Legrand, Leonore Confino
Elenco: Agnes Jaoui, Alban Ivanov, Michele Moretti, Tim Seyfi, Claire Sermonne, Eric Viellard, Philippe Torreton
Duração: 111 min.