Home TVTemporadas Crítica | Sombra e Ossos – 1ª Temporada

Crítica | Sombra e Ossos – 1ª Temporada

por Kevin Rick
4,4K views

Baseada na série de livros do Grishaverse, da autora Leigh BardugoSombra e Ossos é mais uma empreitada da Netflix em busca de um universo de fantasia que ecoe com um grande público, assim como The Witcher, mas aqui com um pezinho ainda maior na demografia adolescente. A primeira temporada da série é, sem sombra (he, he) de dúvidas, uma fantasia genérica, seguindo toda a cartilha esperada do gênero, desde o triângulo amoroso, a protagonista “escolhida”, a luta entre a escuridão e a luz, retratada praticamente de forma literal, e um universo cheio de magi… digo, ciência; a Pequena Ciência.

A grande força do show está na estética do seu universo fantástico, baseando sua ambientação do Reino de Ravka na Rússia, divergindo dos esperados EUA ou Inglaterra que normalmente vemos em obras de fantasia. O design de produção merece todos os elogios possíveis, e a série arrebenta nas belas locações monárquicas, o sujo e acinzentado ambiente militar, as florestas invernais, os figurinos deslumbrantes e até mesmo as periferias são um deleite de cuidado estético que nos imergem na história. E, fugindo do visual, outro elemento positivo, apesar de em menor medida, reside na mitologia, que apesar de ser simplista, consegue entreter.

Entre os humanos, existem os chamados Grishas, pessoas dotadas com algo que soa, parece e de fato é  mágica, mas a série quer deixar claro que é na verdade uma manipulação da matéria. Alguns Grishas são “Etherealki”, invocadores capazes de controlar elementos, como vento e fogo. Alguns são “Corporalki”, capazes de controlar o corpo, prejudicando ou curando. Alguns são “Materialki”, capazes de manipular matéria sólida, por meio da construção e da invenção. Mas o que distingue um pouco a mitologia do comum é a situação política, que ganha um inesperado – e bem-vindo – destaque na primeira temporada, manuseado com um subtexto étnico e cultural entre o já citado Ravka, Fjerda e outras nações da série, em uma, se não espetacular, boa construção de mundo.

No meio dessas divergências políticas e guerras entre as nações, existe uma faixa de escuridão permanente separando o Leste e o Ocidente de Ravka, chamada de “A Dobra”, sendo habitada por criaturas carnívoras aladas conhecidas como Volcra que impedem a passagem entre os lados do reino. É a partir desse conflito que a narrativa principal acompanha Alina Starkov (Jessie Mei Li) e Malyen Oretsev (Archie Renaux), uma dupla de órfãos que por infelicidade se encontram atravessando o paredão de escuridão, e quando confrontados com a morte, Alina demonstra a habilidade de convocar e controlar a luz do sol, chamando a atenção do General Kirigan (Ben Barnes), também conhecido como Darkling, sendo o mais poderoso personagem da série.

A partir do momento que Alina revela seus poderes e é levada para os cuidados de Kirigan, a série assume uma narrativa fragmentada em três (e meio) núcleos, que diverte e proporciona uma boa experiência, mas é cheia de problemas, especialmente no tom. Com o afastamento da protagonista e Malyen, o início da temporada nos entrega dois tipos de fantasia: a militarista, com Mal buscando meios de encontrar Alina, que por sua vez está vivendo uma “fantasia monárquica”. Eu simplesmente não consegui comprar a aventura boba de Alina, em uma jornada completamente clichê da heroína sofrível e sem talento que descobre ser a salvadora do universo, além de que grande parte do seu arco se resume a um romantismo forçado, superexposição de elementos do universo e complicadas situações em torno de figurinos e beleza facial… O próprio subtexto étnico da personagem é lentamente escanteado, e a personagem cai na infeliz caracterização ordinária de protagonistas de fantasias.

Felizmente, a série acerta e muito com as sequências florestais e militares de Mal, e uma boa atuação de carisma bruto e fechado de Archie Renaux. Em paralelo, Ben Barnes consegue deixar as situações no palácio minimamente interessantes com uma performance completamente louvável em tornar seu típico vilão fingido em um personagem intrigante. Acho que os dois personagens conseguem segurar a trama desinteressante de Alina, que, numa nota positiva, ganha bastante destaque, mas lhe falta carisma, uma construção emocional e uma organicidade na sua transformação, no qual senti a personagem, que devia ser a mais importante da obra, um grande “papel branco”, uma personificação de escolhas genéricas, e de longe a personagem que menos me importei do elenco principal.

Contudo, de maneira bem inesperada, a série adiciona o núcleo de três criminosos que querem raptar Alina em busca de uma recompensa, composto pelo líder Kaz (Freddy Carter), a furtiva Inej (Amita Suman) e o atirador viciado em jogos de azar Jesper (Kit Young). E, uau, como a inserção desses personagens revitalizam a série, em uma explosão de carisma, dinâmica divertidíssima em sequências de assaltos e escapadas, e uma química de diferentes personalidades que roubam cada minuto em tela. Confesso que me alegrava sempre que o foco saia do triângulo amoroso principal e se voltava para os deliciosos esquemas do bando. O problema disso é que a temporada toda fica meio deslocada… pulando em tons completamente diferentes, e o pior, com um núcleo secundário muito melhor que a trama principal. Essa desconexão é aumentada pela estranhíssima subtrama entre a dupla antagônica/apaixonada de Nina Zenik (Danielle Galligan) e Matthias (Calahan Skogman), que não soma e nem detrai nada da história, apenas existindo ali.

Tudo isso faz parte da estrutura não-linear da série, e à medida que os núcleos começam a convergir, a narrativa começa a entrar no eixos, acertando seu tom aventureiro e desvencilhando Alina da sua bolha enfadonha no palácio. O segundo ato da série se desenrola num típico luz versus escuridão, mas o ritmo e as performances conseguem mascarar a narrativa normalzona com uma experiência divertida, e um desfecho dentro da Dobra genuinamente tenso, apesar de tecnicamente falho com a iluminação.

Existe potencial em Sombra e Ossos para ser uma série de fantasia divertida quando ela assume o carisma da aventura juvenil como proposta, e também quando as escolhas narrativas são mais maduras, como no arco militar de Mal no início da temporada. A série, porém, se perde dramaturgicamente quando decide focar em temáticas genéricas e mal trabalhadas do gênero, em grande parte no desenvolvimento da protagonista. Alguns personagens secundários fantásticos, o belo design de produção, a razoável mitologia e a ótima performance de Ben Barnes mantêm a série longe da mediocridade, mas esta primeira temporada não foge à habitual fantasia YA (Young-Adult). Bom, mas ordinário.

Sombra e Ossos (Shadow and Bone) – 1ª Temporada | EUA – 23 de abril de 2021
Desenvolvimento: Eric Heisserer
Direção: Mairzee Almas, Lee Toland Krieger, Dan Liu, Jeremy Webb, Eric Heisserer
Roteiro: Eric Heisserer, Daegan Fryklind, Vanya Asher, Shelley Meals, Christina Strain, M. Scott Veach (baseado no Grishaverse, de Leigh Bardugo)
Elenco: Jessie Mei Li, Archie Renaux, Freddy Carter, Amita Suman, Kit Young, Ben Barnes, Zoë Wanamaker, Simons Sears, Sujaya Dasgupta, Howard Charles, Julian Kostov, Danielle Galligan, Calahan Skogman, Daisy Head, Kaylan Teague, Cody Molko, Hugo Speer, Andy Burse, Luke Pasqualino, Tom Weston-Jones
Duração: 416 min. (oito episódios)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais