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Crítica | Falcão e o Soldado Invernal – 1X05: Truth

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Falcão e o Soldado Invernal vem em uma muito bem-vinda espiral de amadurecimento. Se New World Order e The Star-Spangled Man, os dois primeiros episódios, deixaram a desejar, Power Broker não demorou para colocar a história nos eixos, com The Whole World is Watching vindo para fazer a narrativa desabrochar de vez. No entanto, é o perfeita e simplesmente intitulado Truth – ou Verdade – que realmente lida com a pergunta que está no âmago da minissérie, fazendo tudo o que passou ser mero prelúdio: o que significa ser um Capitão América negro?

Pensem bem como seria simples se Sam Wilson simplesmente aceitasse imediatamente o escudo de Steve Rogers e se tornasse o novo Capitão América. Não é nenhum segredo que é isso que vai acontecer e a Marvel Studios não precisava trabalhar o caminho árduo entre receber o escudo e tornar-se um símbolo, símbolo esse não só manchado pela história de um país em relação aos afrodescendentes, mas também literalmente transformado em um objeto de morte, todo ensanguentado, pelo homem branco, loiro e de olhos azuis a quem entregaram o equipamento, o uniforme e o título de outro homem branco, loiro e de olhos azuis. Mas a tal “fórmula Marvel”, expressão que muita gente usa para desmerecer o estúdio, parece não ser mais tão formular assim. Somente para ficar com os exemplos recentes, WandaVision já funcionou como uma evidente rachadura nesse pré-conceito e, agora, Falcão e o Soldado Invernal vem para dizer que o caminho em linha reta de A para B, na verdade, é extremamente complexo, duro e triste. Fórmula Marvel sim, claro…

E o episódio trafega por esse caminho sem trabalhar obviedades. Sam recebeu o escudo de Steve, mas nunca se sentiu confortável com ele, decidindo entregá-lo a um museu. Bucky revelou a existência de Isaiah Bradley, o terceiro homem em que o soro do supersoldado funcionou e que, conforme aprendemos em detalhe agora, comeu o pão que o diabo amassou por ter sido um herói na Guerra da Coréia. Claro que eu teria preferido que a conversa entre ele e Sam, com o escudo permanentemente dentro de sua nada discreta sacola, fosse salpicada de flashbacks para os momentos que ele descreve – quem sabe um dia não teremos uma minissérie só sobre ele, passada nos anos 50? -, mas a grande verdade é que Carl Lumbly, ainda bem retornando para a série, teve uma atuação estupenda e densa que lidou com o gigantesco elefante na sala. As estrelas e listras da bandeira americana e, por tabela, do tão cobiçado escudo, nada significam para ele e, em sua concepção, o manto do Capitão América é impensável para qualquer negro americano que se respeite. Para Bradley, Sam não deve e não pode ser o Capitão, não porque Steve Rogers não era um homem digno, pois sabemos que era, mas sim em razão do que a bandeira que ornamenta o uniforme do super-herói significa para a história de seu povo.

Talvez compreensivelmente, nunca houve espaço nos filmes do Universo Cinematográfico Marvel para que essa questão fosse abordada de verdade, para que víssemos Rogers lidando com o assunto de maneira significativa. E é por isso que essa minissérie é tão importante. Lógico que vai ter gente levantando a bandeira da “lacração”, lógico que vai ter gente tendo leituras do tipo “que bobagem” ou, pior, afirmando sandices genéricas como “veja bem, não foi bem assim”, mas um episódio como Truth faz o que a verdade costuma fazer, ou seja, machuca, dói em todos os lugares. E não, o argumento exposto não vale apenas para os Estados Unidos, antes que a turma do “país imperialista!” venha também bradar hinos antiamericanos. O argumento se sustenta em todos os lugares e em todos os países.

Mas, de novo, Truth não entrega caminhos fáceis. Steve disse que Sam deveria ser o Capitão América. Isaiah disse que Sam não deveria ser o Capitão América. Quem são eles – sim, quem são eles! – para falarem isso ou aquilo? Sam tem seu próprio caminho a perseguir e, se ele decidir não ser o Capitão ou ser o Capitão, não deverá ser porque alguém disso assim para ele e sim porque ele entende que é isso que deve ser feito, que esse símbolo sendo vestido por um homem negro pode fazer a diferença que ele acha que não consegue fazer com seus atos heroicos apenas como Falcão. Bucky, em todo seu papel de coadjuvante de luxo neste episódio, consegue enxergar isso e o momento em que isso ocorre de verdade é quando ele acorda no sofá da casa de Sarah Wilson e vê os filhos dela brincando com o escudo. São nesses singelos e belíssimos segundos que Bucky finalmente entende a importância de Sam escolher o caminho do símbolo, algo que, porém, ele não diz com todas as letras para o parceiro (ok, colega de trabalho), deixando-o decidir finalmente. Não foi Isaac Newton que disse que “se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”? Então é isso que Sam faz ao final: ele sobe por sobre o ombro de dois gigantes – Rogers e Bradley – e encontra seu caminho.

Sei que não parei de falar nesse assunto, mas é que não tinha saída. Ele foi o cerne do episódio e da série como um todo e precisava do destaque, até porque foi somente aqui, em Truth, que a questão foi trabalhada de maneira verdadeiramente especial, inclusive dando significado ao problemas pessoas de Sam no capítulo inaugural. O restante, portanto, é o restante, ainda que esse restante tenha sido, quase que completamente, altamente competente, já começando pela excelente luta de Bucky e Sam contra John Walker logo depois que ele comete o assassinato de um dos Apátridas, com o roteiro e a câmera de Kari Skogland fazendo toda a ótima coreografia girar ao redor do escudo e de seu significado, destacando por diversas vezes não só a mancha de sangue, com a tentação que ele representa para os três ali, quase como se ele fosse o Um Anel de O Senhor dos Anéis.

E a forma dura como as consequências do ato de Walker são lidadas pelo Congresso americano também foi muito interessante. Tudo é relativizado quando uma decisão daquela magnitude é tomada. Seria justo ele perder o título de Capitão e ser expulso da vida militar sem benefícios em razão de seu erro? O próprio Falcão deixa muito claro que acha que não no diálogo que precede a pancadaria inicial. Não estou querendo dizer que fizeram injustiça com Walker, nada disso, mas sim que essa postura talvez radical em relação a ele seja muito mais uma resposta de aparências do que qualquer outra coisa, o que obviamente só contribuirá para que ele afunde ainda mais em seu lado desequilibrado, algo que será potencialmente amplificado pelo soro do supersoldado que corre em suas veias (as explicações de Bradley sobre as demais cobaias do programa cabem como uma luva aqui).

Como a cereja no bolo da perdição de John Walker, eis que, para minha dupla surpresa, entra em cena ninguém menos do que a fascinante Condessa Valentina Allegra de Fontaine, personagem retirada diretamente dos quadrinhos, mais precisamente da mitologia ao redor do Nick Fury original (o que era branco e hoje vive na Lua – literalmente), como uma Agente da S.H.I.E.L.D., que também é interesse romântico do diretor e que, mais tarde, torna-se a Madame Hydra (ou uma das Madames). É provavelmente essa última faceta que explica sua presença no episódio recrutando Walker. Mas eu disse dupla surpresa. Uma delas foi a personagem em si e outra, maior ainda, foi ver Julia Louis-Dreyfus, a Elaine, de Seinfeld, no papel, o que automaticamente empresta um tom humorístico interessante que é envolvido em um verniz de sarcasmo e de superioridade (afinal, é uma Condessa, o segundo título nobiliárquico da série, aliás) muito divertido.

Até mesmo o aparente encerramento – pelo momento – do arco de Zemo foi muito bom, ainda que devidamente anticlimático, com Bucky mostrando a ele que não, ele não é mais o Soldado Invernal e entregando-o às Dora Milaje que prometem encarcerá-lo na prisão conhecida como Balsa e de onde, alguma hora, ele fugirá, provavelmente levando comparsas a tiracolo. Foi interessante a calma da situação e, sim, a nobreza de tudo o que ocorre, com Zemo muito propriamente visitando o memorial de Sokovia, lugar que os heróis que constam no título da série sequer se deram ao trabalho de ir.

O que não funcionou de jeito algum, porém, foram… vocês adivinharam… os Apátridas. Quer dizer então que a Senhorita Ruiva com Sardas tem uma rede internacional de simpatizantes nos mais diversos escalões da sociedade que estão do lado de sua causa, algo que nunca sequer foi mencionado antes? Tenho certeza que Tyler Durden morreria de inveja ao ver o tanto de gente sinistra que ela tem ao seu serviço com um simples sinal de celular, gente capaz de atacar a ONU com a maior facilidade do mundo. Olha, se o roteiro queria esticar minha descrença até ela se parecer com a Cassandra (clique aqui para saber quem ela é, se já não souberem), posso dizer que a missão foi cumprida ao ponto de isso ter me impedido de dar a nota máxima ao episódio.

Truth vem para marcar Falcão e o Soldado Invernal como mais do que uma aventurinha legal no estilo buddy cop e mostrar que, mesmo fazendo o aparentemente simples e óbvio, a Marvel Studios tem belos ases na manga para tornar o jogo bem mais apimentado e para dar efetivo significado ao legado do Capitão América. Caminhamos, agora, portanto, para um final que promete muita ação e, ao que tudo indica, um monte de pontas soltas que servirão como sementes para continuar germinando essa potencialmente interessantíssima Fase 4 do UCM.

Falcão e o Soldado Invernal – 1X05: Truth (The Falcon and the Winter Soldier – EUA, 16 de abril de 2021)
Criação e showrunner: Malcolm Spellman
Direção: Kari Skogland
Roteiro: Dalan Musson
Elenco: Sebastian Stan, Anthony Mackie, Wyatt Russell, Clé Bennett, Danny Ramirez, Carl Lumbly, Erin Kellyman, Desmond Chiam, Dani Deetté, Amy Aquino, Daniel Brühl, Emily VanCamp, Florence Kasumba, Julia Louis-Dreyfus, Carl Lumbly, Elijah Richardson, Gabrielle Byndloss, Georges St-Pierre
Duração: 54 min.

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