Entre os diversos temas abordados por Zhang Yimou em seus trabalhos, a crítica às políticas do Partido Comunista Chinês costuma aparecer em maior ou menor grau, ao menos nas obras em que retrata a vida da população após a Revolução Chinesa de 1949. Entretanto, diferente do que vemos em A História de Qiu Ju, por exemplo, o resultado obtido em Tempo de Viver não é tão satisfatório quanto seu antecessor.
A trama gira em torno de Xu Fugui (Ge You) e sobre como sua família perde o resto de sua fortuna graças a seu vício no jogo. Após chegar ao limite de apostar e perder sua própria casa, onde mora com sua esposa Jiazhen (Gong Li), sua filha Xu Fengxia (vivida em fases diferentes por Liu Tianchi, Zhang Lu e Xiao Cong), seu pai (Huang Zong Luo) e empregados, Xu Fugui vê sua vida desmoronar ao se encontrar subitamente pobre, desonrado e sem sua família (seu pai falece com o impacto dos acontecimentos e Jiazhen vai embora com a filha enquanto o marido não abandonar o vício).
A partir disso, vemos um Xu Fugui lutando para sobreviver com um teatro de marionetes em meio a sua nova realidade, longe da abastança possibilitada por seu antigo status social. Enquanto vai se adaptando ao novo modo de vida e, após superar seu vício, conseguir reatar com sua família, acaba surpreendido pelo exército que o força a integrar as tropas que lutam contra o avanço dos comunistas liderados por Mao Tsé-Tung no país. É em meio a essa mudança de poder no país, focando no drama familiar de Xu Fugi, que Yimou aborda temas como a resiliência e capacidade adaptativa do ser humano, ao mesmo tempo que tece fortes críticas a medidas do então novo governo.
Pode-se dizer que o diretor faz muito bem esse trabalho durante a primeira metade do filme, porém isso não se repete na metade final. É interessante perceber o choque de realidade e as mudanças drásticas na vida daquelas pessoas, que quando parecem estar ajeitando suas vidas após o primeiro trauma familiar, são pegas de surpresa por algo além de seu controle (a guerra, nesse caso). Mesmo em meio a todas as adversidades, a família encontra um jeito de permanecer junta, resistir e seguir em frente independente da realidade que se apresente. O que acontece na segunda parte da obra não é uma ausência desse tipo de abordagem, ela está lá, mas o aumento exagerado das críticas ao governo comunista a ponto de parecerem somente a crítica pela crítica, ofuscando a narrativa até então construída.
Os traumas com as repentinas mudanças de vida, o problema desenvolvido pela filha após uma forte febre, a adaptação a um novo país que começa a surgir, diferente daquele que estavam acostumados, tudo isso reforça a ideia de resistência do povo chinês e que é tão bem retratado por Yimou. O progressivo aumento de críticas ao governo, entretanto, acaba ocupando cada vez mais espaço de tela, alterando o foco da fita até então estabelecido e trazendo os trágicos acontecimentos com o filho caçula e, posteriormente, com Xu Fengxia quase como os únicos episódios que remetem à abordagem inicial.
Diferente das críticas realizadas ao Partido Comunista Chinês em A História de Qiu Ju, que é realizado de maneira muito mais orgânica e funciona melhor para denunciar os erros e a incompetência dos governantes, Tempo de Viver opta por focar demais nesse ponto, quase criando uma caricatura dos criticados. Apesar disso, o longa apresenta uma interessante análise da adaptação humana, característica marcante em nossa raça, utilizando as primeiras décadas da revolução na China como pano de fundo.
Tempo de Viver (Huo zhe) – China, Hong Kong, 1994
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Lu Wei, Hua Yu
Elenco: Ge You, Gong Li, Ben Niu, Jiang Wu, Huang Zong Luo, Guo Tao, Ni Dahong, Liu Tianchi, Zhang Lu, Xiao Cong, Dong Fei, Liu Yanjin, Li Lianyi, Zhang Kang, Zhao Yuxiu, Sophie Su Yan
Duração: 133 min.