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Crítica | Mogambo

por Laisa Lima
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De todos os continentes, a África é a que mais tem história para contar. No passado, sua exploração esteve em cima de suas riquezas; hoje em dia, o aproveitamento vem por meio de uma câmera. O aparelho, no entanto, parece priorizar uma lente sob as misérias do lugar, caso de obras como Hotel Ruanda (2004) e Beasts of No Nation (2015). Contudo, há quem amplie o obturador inserido na máquina e deixe entrar o outro lado de uma área que não só vive de violência e pobreza, explicitado em filmes globalmente dominantes como Pantera Negra (2018) e permanentemente importantes como Mogambo (John Ford, 1953). Este último, porém, detém alguns diferenciais: John Ford aliado a Ava Gardner, Clark Gable e Grace Kelly. Assim sendo, o estereótipo de longas-metragens passados em localizações africanas cai por terra diante de componentes diferenciados por si só.

Para os meros mortais, ter Ava Gardner e Grace Kelly disputando seu amor já seria um indício de irrealidade. Para o Victor Marswell de Clark Gable, isso pouco importa. E, enquanto Eloise Kelly (Ava Gardner), hospedada no acampamento de Marswell no Quênia por causa do desencontro com um amigo, tenta conquistar o coração do caçador, Linda Nordley (Grace Kelly) e seu marido chegam no país onde ambos estão, com o intuito do antropólogo pesquisar a vida de gorilas nativos. Uma série de acontecimentos aproximam Linda e Marswell, e Eloise, que tenta ir embora e sofre um acidente de barco, volta para a instalação, conhecendo Mrs. Nordley e inaugurando uma rixa entre as duas. Em estado de oposição velada constante, as mulheres deixam a caça armada para os homens e assumem o papel de combatentes, mesmo que de forma inconsciente, de seus próprios pensamentos acerca de um homem. 

A savana, palco de obras que a eternizaram, como a clássica animação da Disney, Rei Leão (1994), faz emergir seus próprios sons. Mesmo que não tenha sido produzida por Hans Zimmer, a trilha sonora africana com os atabaques e tambores estão em Mogambo, que respeita uma cultura tão antiga quanto a própria humanidade dando a ela o espaço necessário para a apreciação de seu cenário e reconstrução da ideia de pauperismo envolto na mística da África. Todavia, a representação das belezas encontradas no Quênia não anula as figuras puramente ilustrativas do povo queniano, portadores de vestimentas tradicionalmente confeccionadas e donos de uma personalidade subserviente, na qual pouco falam e muito obedecem, sendo feitos de lacaios para indivíduos vindos de fora. A analogia com a colonização, inevitavelmente evocada, pode se perder ao se dar conta de que o filme não faz alusão ao abuso das terras do continente como ocorreu em sua vida pregressa. A ênfase não se volta para o tratamento ou posicionamento dos africanos ali tidos como auxiliares, e sim para a abundância natural de um pedaço na África sem destroços do homem branco.

Em um local cuja nenhuma má direção de fotografia seria capaz de estragar, os que compõem as cenas também não foram aptos a realizar tal despautério. Clark Gable, por exemplo, vai bem até possuindo somente uma faceta. O personagem é o arquétipo de um canastrão desapegado, preocupado somente com suas atividades que lembram, de fato, uma brusquidão. Kelly, de Ava Gardner, contrasta diretamente com Linda, de Grace Kelly. Ao mesmo tempo que Kelly é mais extrovertida e irreverente, Linda é a típica moça recatada, acompanhando o jeito de ser de seu marido, Donald Nordley (Donald Sinden), igualmente bondoso. A incompatibilidade de maneiras de se portar das jovens se intensifica ao trombarem com os sentimentos por Marswell, admitidos e aceitos por Kelly, porém não por Linda. O ciúme, apesar de presente, se origina justamente da discrepância de comportamentos das duas, que, inseguras, não sabem como lidar com tal sensação.

A construção de uma indecisão dos personagens juntamente à análise deles a partir das situações ali vividas, cada qual com reações condizentes a seus pensamentos, possui uma desenvoltura maior do que a própria história. O enredo não é mutável a ponto de acrescentar novas variantes ou informações mais surpreendentes, e conforme o prolongar da trama, só é  possível se tornar partidário e conhecer quem é quem. Por vezes, a confusão entre a passagem dos atos é perceptível, já que reviravoltas significativas e delimitações não são marcadas em Mogambo, contando apenas com a espera por um clímax previsto desde o início do longa-metragem. O sustento da obra encarrega, então, os personagens a serem interessantes o suficiente para apoiar-se na empatia de seus argumentos, com este objetivo possivelmente alcançado por intermédio do carisma dos atores. 

Afora a boa escolha dos que iriam interpretar os protagonistas do filme, John Ford, o diretor, aventurou-se não só na África, mas também em uma história de uma afetividade mais latente. O cineasta uniu filmes mais melodramáticos, como Depois do Vendaval (1952), com a predileção por imagens que averiguassem o terreno, típicas de seus trabalhos com o faroeste. Por ter saído de sua zona de conforto, John esqueceu-se que, em tramas pautadas em pessoas, é preciso uma carga mais forte de complexidade que as motive a sair de suas, igualmente, zonas de conforto. Não obstante, o criador de Rio Grande (1950) esforça-se para concretizar um confronto entre duas mulheres de uma maneira implícita, não necessitando de grandes motivos para o entendimento do que estava acontecendo e do que estava encoberto. A emoção, portanto, está concentrada neste mesmo quesito que, em certos momentos, engrandece a manipulação do sentir do espectador e, em outros, parece fraco para ser guia de uma obra.

Mogambo se passa e se aproveita de uma localidade expressivamente fértil de conteúdo e estética. E, se o technicolor e a filmagem evidenciam mais ainda o Quênia, a trama destaca seus integrantes humanos, os colocando em posição de enfrentadores das ocorrências tracejadas pelo amor. O fator mais estimulante, por isso, não parte de qualquer outra situação além das que são vistas, sem precedentes da existência dos personagens nem menções aos tempos posteriores. Agora, se isso é o bastante para amparar toda uma produção, mesmo tendo John Ford como mandante, é questionável. Se basta um filme focalizar apenas no drama interno dos personagens e não acrescentar muitos motivadores para isso, também é duvidável. Se é um dos melhores filmes do cineasta, similarmente discutível. Se vale a pena ver tantos símbolos do cinema em ação, isso é um pouco mais unânime.  

Mogambo (Mogambo – EUA, 1953)
Direção: John Ford
Roteiro: Freddie Young, Robert Surtees, John Lee Mahin, Wilson Collison
Elenco: Ava Gardner, Clark Gable, Grace Kelly, Donald Sinden, Asa Etula, Denis O’Dea, Eic Pohlmann, Philip Stainton, Laurence Naismith
Duração: 115 min.  

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