Apesar de Círculo de Fogo, filme de 2013 dirigido e co-escrito por Guillermo del Toro, ser, para o meu gosto, o melhor filme de kaiju já feito e um dos melhores mega-blockbusters descerebrados hollywoodianos da década passada, ele foi um relativo fracasso de bilheteria, gerando uma pífia continuação em 2018 cuja existência prefiro nem considerar. Imaginei que a franquia, com isso, estaria definitivamente enterrada e esquecida, mas eis que, na continuada sana por conteúdo graças aos serviços de streaming, eis que surge uma série animada no estilo japonês produzida pelo Netflix, canal que vem investindo pesado e com sucesso nesse tipo de obra, bastando lembrar de Voltron, O Príncipe Dragão e She-Ra.
Mas já embarquei na proposta desconfiado, especialmente ao notar que o foco é em dois irmãos adolescentes, Taylor (Calum Worthy), o mais velho, e Hayley (Gideon Adlon), a mais nova, que são, juntamente com diversos colegas, deixados pelos pais pilotos de Jaeger (para quem não sabe, esse é o nome dado aos robozões pilotados sempre em dupla que, nesse universo, são a única arma eficaz contra a invasão de monstros surgem de fendas na Terra) em um paraíso escondido no meio do Outback australiano momentos antes de o país ser completamente (ou quase) evacuado. Afinal, a premissa de adolescentes que salvam o dia já cansou um pouco e meu receio era de que aquela velha dinâmica de irmãos opostos em quase tudo já de cara minasse a história.
Felizmente, porém, estava enganado. Apesar de o primeiro episódio perigosamente jogar um jogo simples demais, com os irmãos descobrindo um Jaeger de treinamento (sem armas, portanto) – o Atlas Destroyer – no subterrâneo do lugar em que viveram por cinco anos, iniciando um processo trágico sem volta, a cada novo episódio dos apenas sete desta 1ª temporada, camadas e mais camadas de complexidade vão sendo acrescentadas, com uma surpreendentemente boa expansão de mitologia que inclui a equipe vilanesca à la Mad Max, só que tecnológico, comandada por Shane (Andy McPhee) e seu mortal braço direito adolescente Mei (Victoria Grace) e um silencioso e misterioso garoto (Ben Diskin) que os irmãos encontram em uma antiga base do PPDC (Pan-Pacific Defense Corps) e que eles adotam, além de um inusitado biomecha para lá de ameaçador. O uso de violência – e não falo aqui da pancadaria entre robôs e monstros – é outro ponto alto, pois ela nunca é gratuita, funcionando de maneira orgânica e por vezes chocante, o que retira de vez o ar adolescente que a série parece ter em seu início.
Mas é claro que os embates titânicos entre as imensas criaturas (e outras não tão grandes assim) e o Atlas Destroyer, especialmente com a enorme desvantagem que o robozão tem por não possuir armamentos, estão bem presentes e pontilham a temporada com cadência correta, sem exageros e sem se estenderem por muito tempo, o que inevitavelmente as tornaria cansativas. E a animação não deixa nada a desejar, pois o CGI vistoso lida bem com as escalas dos monstros e robôs – diria que melhor ainda que nos dois filmes americanos mais recentes do Godzilla – algo que é ajudado pelas cidades em ruínas e também pelos espaços abertos do deserto vermelho australiano.
Há tempo até mesmo para os personagens saírem da unidimensionalidade completa, com Taylor e Hayley ganhando boa dinâmica e boas características pessoais, especialmente depois que eles passam a formar um trio com Garoto (é assim que ele chamam o… garoto). No entanto, o destaque verdadeiro fica mesmo com Mei e sua relação com o vilanesco Shane, com os roteiros estabelecendo um passado mais do que complicado para a jovem assassina que chama a atenção do espectador pela abordagem adulta e refrescante, ainda que não 100% original.
Por incrível que pareça – já que não sou de reclamar disso – há episódios de menos na temporada. Com a duração correta, mas inegavelmente acanhada de cada um, eram necessários mais alguns capítulos para que um ritmo mais constante entre revelações surpreendentes e construção de personagens fosse estabelecido. Comparativamente, o começo é lento perto do que passa a acontecer quando os irmãos se juntam ao grupo de Shane e desse ponto em diante, com uma sucessão intrigante de mistérios – inclusive com a inteligência artificial Loa (Erica Lindbeck) do Atlas Destroyer – que sofrem não por não serem resolvidos, pois não esperaria isso, mas simplesmente pela temporada acabar de maneira brusca. Tenho para mim que o Netflix deve estar seguindo a estrutura de Voltron, ou seja, menos episódios na base de meias-temporadas, tornando a chegada de novo material da série mais constante, mas, mesmo que seja este o caso, teria sido melhor se o desenvolvedor Craig Kyle tivesse planejado melhor um “fim de arco” por assim dizer.
Seja como for, Círculo de Fogo: The Black é uma ótima surpresa dentro do universo criado por Del Toro que expande esse futuro distópico cheio de monstros e robôs gigantes de maneira relevante e lógica, com personagens que vão além daquele básico recorte em cartolina. Se antes eu não levava muita fé pela animação, agora mal posso esperar pela segunda temporada!
Círculo de Fogo: The Black – 1ª Temporada (Pacific Rim: The Black, EUA/Japão – 04 de março de 2021)
Desenvolvimento: Craig Kyle, Greg Johnson
Direção: Takeshi Iwata, Susumu Sugai, Masayuki Uemoto
Roteiro: Greg Johnson, Craig Kyle, Paul Giacoppo, Nicole Dubuc,
Elenco: Calum Worthy, Cole Keriazakos, Gideon Adlon, Camryn Jones, Erica Lindbeck, Ben Diskin, Victoria Grace, Andy McPhee, Jason Spisak, Allie MacDonald, David Errigo Jr., Bryton James
Duração: 171 min. (sete episódios)