- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Depois de elegante e perturbadoramente flertar com o pastelão em Marino, Servant retorna à pura bizarrice em Loveshack, com grande foco em algum tipo de ritual – ou encantamento, não sei – cuidadosamente preparado pelo tio George enquanto Julian e Leanne chegam a um outro nível de relacionamento no sótão que dá nome ao episódio. É, para todos os efeitos, mais um capítulo enigmático, mas um enigmático bom, intrigante e instigante.
Focando muito da duração do capítulo no tio George, o roteiro não tem pressa alguma e trabalha tudo com muita calma, inclusive o estranho, mas ao mesmo tempo providencial retorno de Roscoe e sua insistência em conversar literalmente no frio congelante do lado de fora da casa, somente para, em seguida, descobrimos que ele foi “convertido” ao culto. Novamente dirigindo um episódio da série, Isabella Eklöf, que co-roteirizou o criminosamente desconhecido Border, mostra toda sua categoria ao trabalhar o episódio de maneira a deixar o espectador incomodado, como em um labirinto cuja saída não conseguimos enxergar.
E o melhor é que, mesmo mantendo o mistério no que toca a trama envolvendo o tio George, o episódio não deixa de fazer a história caminhar para a frente, jogando um pouco mais de luz na história pregressa de Leanne, algo catalisado por Julian e sua pesquisa sobre o passado da moça. É interessante notar como ela via em Dorothy a mãe ideal que ela aparentemente nunca teve, o que explica sua frustração extrema ao notar que mesmo sua mãe-modelo tem seus profundos problemas, além de revelar que o incêndio em sua casa foi causada por ela mesma, tentando abrir espaço para que sua mãe a amasse. E é mais interessante ainda notar como mais uma peça no quebra-cabeças da morte de Jericho é acrescentada, com o próprio Julian admitindo seu pecado de não ter ajudado a irmã quando ela precisava simplesmente porque preferiu dedicar-se aos seus vícios.
Essa ciranda de culpa que afeta os dois profundamente também os une, levando-os a transar com entrega total, inclusive com direito a copioso choro por parte de Julian e uma serenidade absoluta pós-coito por parte de Leanne, que sequer é afetada pela presença sinistra de seu tio com um faca na mão, arrependendo-se do que estava prestes a fazer. E, claro, a ameaça da chegada de mais alguém que não é a tia May é mais um mistério que é acrescentado à já alta pilha de mistérios que Tony Basgallop faz questão de não solucionar, arriscando-se a empurrar muita coisa para as temporadas futuras, potencialmente deixando muita coisa em aberto.
Seja como for, já fiz as pazes com isso e encaro Servant como uma série em que a jornada – bizarra, assustadora, incômoda e por vezes nojenta – é muito mais importante do que seu futuro desfecho e as soluções (ou não) de seus segredos, até porque não tenho muita dúvida que grane parte do que vemos será “explicado” com o guarda-chuva do sobrenatural, desafiando qualquer tentativa de se achar uma lógica maior do que a interna da série, o que é suficiente para mim. Por outro lado, por vezes fico com a impressão de que Basgallop parece estar esticando sua criação talvez para além da conta, por vezes andando de lado ou fazendo seus personagens correrem atrás de seus respectivos rabos. Não é o caso específico de Loveshack, que fique claro, mas mesmo o episódio sob análise é lento, com pouca efetividade em termos de desenvolvimento da história macro, ainda que essa falta seja suprida pela belíssima construção de uma atmosfera opressiva que é o grande trunfo da série.
Portanto, Servant mais uma vez acerta em seu ritmo e na forma como os personagens são trabalhados preparando o final de temporada em apenas mais dois episódios que têm tudo para somente aprofundarem ainda mais os mistérios, especialmente se uma nova personagem aparecer como o tio George dá a entender. O quanto mais Basgallop conseguirá manter esse ritmo, não faço ideia, mas a viagem doentia e decadente que ele imaginou tem sido realmente interessante e surpreendente.
Servant – 2X08: Loveshack (EUA – 05 de março de 2021)
Criação e showrunner: Tony Basgallop
Direção: Isabella Eklöf
Roteiro: Nina Braddock, Ishana Night Shyamalan
Elenco: Toby Kebbell, Lauren Ambrose, Nell Tiger Free, Rupert Grint, Phillip James Brannon, Boris McGiver, Victoria Cartagena
Duração: 29 min.