- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
O que faz de você a Feiticeira Escarlate.
– Harkness, Agatha
O vasto Universo Cinematográfico Marvel nunca prezou pela sutileza. Suas histórias são “pá-pum”, sem firulas, sem elucubrações, sem nenhuma tentativa de criar simbologia que não tenha uma legenda embaixo explicando exatamente o que ela significa. Se algum mistério ou metáfora é utilizado, não demora e uma explicação detalhada vem, nem que seja no filme seguinte. Tudo bem, é uma escolha e um padrão que compreendo e aceito porque o outro lado dessa moeda foi a criação de um um universo compartilhado tão coeso e tão bem feito e que, ainda por cima, traz à lume personagens obscuros que eu jamais imaginaria que veriam a luz do dia (Guardiões da Galáxia, estou olhando para vocês!!!), que vale a simplicidade narrativa.
Mas eis que vem WandaVision, uma série estranha com gente esquisita fazendo mais referências a séries antigas – que audácia! – do que ao universo cinematográfico ou aos quadrinhos que, pelo menos no começo, deixou muita gente impaciente cabreira. No lugar de obviedades, vieram sutilezas. No lugar de explicações, vieram grandes e pequenos mistérios se amontoando. No lugar de usar uma estrutura conhecida, eis que o comando da showrunner Jac Schaeffer fez o diabo (sem trocadilho!) com metalinguagem para criar uma daquelas séries que faz o espectador acordar ainda mais cedo para ver o episódio da semana. O problema – que não é enorme, eu sei – é que a Marvel continua sendo a Marvel e explicar, explicar, explicar parece fazer parte do DNA do estúdio.
Previously On é esse episódio explicativo, tecnicamente o segundo da temporada depois de We Interrupt This Program que, temos que lembrar, teve a vantagem de ser o porrete disruptivo da narrativa. Em uma estrutura simpática de flashbacks meta-narrativos forçados por Agatha em Wanda como forma de a mega-bruxa de Salem descobrir a fonte dos poderes da super-heroína, retornamos ao passado remoto dos gêmeos Maximoff em meio ao caos de Sokovia em que, com um retcon maroto, aprendemos de uma vez por todas que Wanda já tinha poderes antes de tê-los amplificados pela joia do infinito no centro de Loki. Seria ela uma mutante, então? Seja como for, o episódio teria sido ainda melhor se ele se concentrasse no inédito, no que realmente era importante entendermos, talvez, por exemplo, sem a sequência de Wandinha quase usando seu poder quando criança, de forma que seu momento seguinte como voluntária de Strucker pudesse ser explorado em mais detalhes.
Da mesma maneira, o vício pelo didatismo que afasta toda e qualquer sombra de dúvida deixa sobejamente claro que Wanda sempre foi viciada em séries de TV, com as capas dos DVDs aparecendo proeminentemente na maleta do amoroso pai que diz aos espectadores: “olha, apesar de ser completamente desnecessário explicar isso, toma aí o contexto pelo qual Wanda criou uma bolha televisiva para viver feliz para sempre”. É a explicação pela explicação, uma forma de encontrar o denominador comum para deixar todo mundo confortável e feliz como a própria Wanda em seu mundinho mental.
Por outro lado – e o episódio foi efetivamente um gangorra narrativa – a sequência em que vemos o que realmente ocorreu no quartel-general da S.W.O.R.D., com Wanda primeiro recebendo a “sugestão” do Diretor Hayward de que ela poderia reviver o Visão e, depois, vendo o corpo desmontado do Visão, foi tremendamente eficiente não só para amplificar a dor da personagem, como também para sacramentar a tragédia do androide humano, tragédia essa que casa perfeitamente com a revelação, na sequência pós-créditos, que seu corpo esbranquiçado e agora certamente sob o comando da agência que tem em suas primeiras duas letras a expressão “arma senciente”, agora é apenas um instrumento de destruição que em breve será usado contra o amor de sua vida. Há poesia aí, ainda que nada sutil, obviamente.
Independente do “senta aqui, deixa eu te explicar”, uma coisa foi constante e sensacional no episódio: a atuação de Kathryn Hahn. E falo só dela mesmo, pois Elizabeth Olsen foi quase que literalmente engolida pela Feiticeira Faceira. Hahn já havia mostrado seu potencial magnético na série, claro, mas em Previously On ela tem o que basicamente podemos chamar de sua primeira oportunidade solo para brilhar. E brilhar ela brilha. A forma como ela navega logo no prelúdio no século XVII entre bruxa traída e coitadinha e bruxa assassina e sugadora de essências de vidas é sensacional, assim como sua flutuação entre diabolismo, sarcasmo, surpresa e genuína satisfação em descobrir o que é Wanda Maximoff. O que significa ser a Feiticeira Escarlate (por um segundo, naquela visão de Wanda no passado, quando tem uma “conversa” com a joia do infinito, ficou a impressão de uma entidade cósmica à la Fênix) e o que exatamente Agatha quer com isso (suas intenções não estão, pelo menos para mim, completamente claras) tornam-se quase que desimportantes diante do que a atriz consegue irradiar com sua inebriante performance.
Por fim, se o jogo está mesmo sendo jogado apenas por Wanda, que mal compreende seus poderes e parece ter criado sua versão de Westview como genuína manifestação de seu profundo luto e por Agatha, que parece querer se aproveitar da situação, ainda que ela possa ainda estar tentando ajudar, ou se há ainda mais forças sinistras por trás, descobriremos muito em breve e, desconfio, com muuuitos detalhes para não deixar nada em dúvida. Ou, se ficarem dúvidas, não será nada que, posteriormente, não seja devidamente esmiuçado em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura que, como já anunciado diversas vezes, será “encaixado” em WandaVision.
WandaVision – 1X08: Previously On (EUA, 26 de fevereiro de 2021)
Criação: Jac Schaeffer
Direção: Matt Shakman
Roteiro: Laura Donney
Elenco: Elizabeth Olsen, Paul Bettany, Teyonah Parris, Kathryn Hahn, Randall Park, Kat Dennings, Josh Stamberg, Asif Ali, Jett Klyne, Julian Hilliard, Evan Peters
Duração: 47 min.