Zagor é um dos vários títulos célebres e eternos da Sergio Bonelli Editore. A série acompanha as aventuras de Patrick Wilding numa ambientação western com um grande enfoque, pelo menos nessa edição, no período de choque cultural e territorial americano entre indígenas e “homens-brancos”, em uma espécie de mistura das histórias do Tarzan com Indiana Jones – a despeito deste último ter vindo depois da HQ. E mesmo não tendo lido outras tramas do explorador, percebe-se como A Origem de Zagor difere de um simples conto de aventura do protagonista, sendo, como o próprio título diz, uma história de como Patrick se tornou Zagor.
A narrativa acompanha ele e seu companheiro Chico, um personagem chatíssimo, vivendo em uma pequena cabana florestal. O diálogo situa muito bem a longeva amizade da dupla, assim como a dinâmica braçal e cômica deles. E após uma chuva mantê-los enclausurados, Chico descobre um retrato dos pais de Patrick, que ele confunde por ser o próprio amigo com uma moça qualquer. Zagor rapidamente se enfurece, e após uma série de diálogos irritantes e questionamentos atrevidos do mexicano, o protagonista decide contar seu passado trágico.
A partir daí, a narração do Patrick divide sua história em três atos – que recebem até títulos próprios -, começando pela sua infância florestal perigosa com seu pai caçador e comerciante de peles, porém, extremamente feliz no ambiente parental. Tudo desmorona quando Solomon Kinsky, junto de uma tribo hostil, atacam a família, terminando em seus pais morrendo queimados e o garoto fugindo através de uma correnteza. Um viajante chamado Fitzy salva Patrick e retorna à sua casa, encontrando e enterrando os restos mortais dos pais do garoto. Desta tragédia em diante, a narrativa encontra dois tipos de desenvolvimentos paralelos para Patrick: a vingança e o descobrimento próprio.
Toda a construção da amizade dos dois, com um quê de mentor e figura paterna por parte de Fitzy, é extremamente orgânica e divertida, contendo lapsos do ódio vingativo que consome Patrick. E para não expor spoilers escandalosos, vou apenas me ater a dizer que as ações do personagem para concretizar sua retaliação – já no segundo ato – acabam tendo efeito contrário da sua idealização de justiça e paz. Ocorre um plot-twist até esperado, mas que funciona tremendamente bem na desconstrução da personalidade do Patrick, que em seu remorso e culpa, decide entregar sua vida para ajudar inocentes, independente de grupo ou raça.
É interessante como Guido Nolitta meio que pega o núcleo central da série de exploração territorial e utiliza-o como uma exploração da própria essência do protagonista, e na evolução de identidade de Patrick para Zagor. O terceiro ato sumariza isso muito bem, com ele encontrando uma família circense, denominada de “Os Grandes Sullivan“, que auxiliam o agora defensor dos fracos na constituição de uma imagem mística que possa ajudá-lo no combate. Começamos vendo sua trágica infância, o crescimento sob a tutela do Fitzy, a vingança e o remorso, e, por fim, ele se torna um símbolo.
Com exceção do irritante Chico, não tenho nenhuma ressalva à edição de origem. Nolitta elabora o passado de Patrick de modo bem didático, sentimental e simbólico, e nos mantém bastante curiosos pelo desenrolar do crescimento do personagem. Só acho que não é… digamos… especial. É tudo bem redondinho, como histórias de origem costumam ser, e consegue deixar o leitor interessado em outras aventuras do Zagor.
Zagor #55 e 56: A Origem de Zagor (Zagor racconta) | Itália, 1 de janeiro de 1970)
Editora Original: Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Editora Vecchi (1978)
Roteiro: Guido Nolitta
Arte: Gallieno Ferri
160 páginas