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Crítica | Túmulo dos Vagalumes

por Luiz Santiago
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Akiyuki Nosaka foi um dos milhares japoneses que perderam entes queridos por causa da desnutrição, durante a 2ª Guerra Mundial. Os bombardeios aéreos, o desaparecimento das fábricas e os incêndios nas mais diversas cidades faziam a vida no país cada dia mais difícil, e muitas crianças, adolescentes e jovens tornaram-se órfãos, tendo que se virar sozinhos num contexto de guerra. Em 1967, Nosaka procurou exprimir o seu sentimento de pesar por esse momento histórico no conto Túmulo dos Vagalumes, e foi com base nesse texto que Isao Takahata escreveu o roteiro de Hotaru no Haka, um dos mais icônicos e emocionantes filmes do Studio Ghibli.

O ponto de vista da obra é o da vida em meio ao inferno, partindo de um ponto estético sutil, inclusive com traços originais dos desenhos sendo feitos em tons térreos e não em preto, justamente para filtrar melhor a aplicação de cores e tornar mais difusa a aparência da animação como um todo. Muitas análises trazem à discussão uma possível posição antibélica do enredo, mas o diretor do filme sempre foi muito categórico ao rejeitar esse tipo de visão e chamar a atenção para o cotidiano de todas as pessoas que precisavam sobreviver em um país no meio de uma guerra. O filme faz um recorte específico para o Japão, mas o contexto e a discussão proposta são Universais e, infelizmente, cada vez mais atual. Aqui o cineasta não está apenas interessado em discutir elementos políticos ou morais de um conflito bélico. A guerra é vista como um monstro apartado, lá nos céus, mas capaz de causar extermínios diários. O interesse do artista é discutir o estado físico e psicológico de todos aqueles que transitam entre abrigos, que buscam algum tipo de trabalho, que fazem de tudo para conseguir o que comer e… permanecer vivo.

O filme começa com uma sequência solene, fechando o ciclo de misérias que se seguem à guerra. A trilha sonora já mostra o seu grande poder de construção atmosférica e este é só o primeiro impacto que ela nos trará ao longo de toda a projeção. Em contraste ao menino miserável sentado no chão, vemos pessoas passando apressadas, reclamando “de mais um vagabundo” nas ruas. Esse estágio comportamental endurecido recebe uma linha coesa de construção no filme, numa espécie de “prova de fogo” do caráter e da alma humanas. Ninguém sabe que pessoa sairá de um momento de crise. Alguns indivíduos tornam-se mais sombrios. Outros mais humildes e compassivos. Outros enlouquecem. Outros ainda são dominados pelo seu lado egoísta, utilizando esse sentimento como a maior arma para sobreviver ao inferno e deixando de se importar com qualquer um que não seja ele mesmo. É esse tipo de transformação que Túmulo dos Vagalumes discute, opondo as necessidades de duas crianças às mais diversas posturas dos adultos ao seu redor.

Além desse fator externo, o filme adota como linha central a relação entre os irmãos Seita (Tsutomu Tatsumi) e Setsuko (Ayano Shiraishi). A beleza amarga do reencontro dos dois logo no início da película nos prepara para o que vem adiante, mas, ainda assim, a obra consegue nos destruir pouco a pouco, elencando uma série de necessidades, doenças e tentativas de sobreviver a mais um dia que a dupla adota. E mais ainda: o amadurecimento rápido dos dois não é feito de forma brusca e desalmada. Por mais que Seita procure ser forte e cuidar da irmã, seu choro e sua tristeza vêm à tona aqui e ali, e ele compartilha o luto e a paupérrima vida com a garota, sempre com algum tipo de ingrediente que ganha ares simbólicos, constantemente apontando para o fim. Os vagalumes morrem poucos dias depois de começarem a brilhar. As balinhas de fruta acabam. O arroz acaba. Tudo o que pode trazer algum tipo de conforto e felicidade para esses dois pequenos é repentinamente retirado deles, que mais uma vez são lançados a um estágio de busca, ficando cada vez mais fracos e desesperançados.

Antes da destruição da vida, Takahata nos mostra a destruição dos sentimentos, a destruição da empatia e da forma humana no tratamento entre as pessoas. A tristeza aumenta porque muitas dessas relações são pautadas exatamente pela falta, como na cena em que Seita tenta convencer um lavrador que não tem arroz nem para si próprio. Já a tia dele representa um outro tipo de pessoa nessa equação, aquelas endurecidas e ressecadas pela guerra, enxergando em cada um apenas um instrumento em favor do país e, se este alguém não puder ser um instrumento, então não merece nada. Como disse antes, as discussões trazidas pela obra tornam-se mais tocantes quando traçamos um paralelo delas com a realidade de milhares de pessoas, em todas as idades, que não apenas morrem pela ação direta do fogo das muitas guerras em andamento, mas também por todos os outros males que elas trazem consigo.

Túmulo dos Vagalumes (Hotaru no haka) — Japão, 1988
Direção: Isao Takahata
Roteiro: Isao Takahata (baseado na obra de Akiyuki Nosaka)
Elenco: Tsutomu Tatsumi, Ayano Shiraishi, Yoshiko Shinohara, Akemi Yamaguchi, Tadashi Nakamura
Duração: 89 min.

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