Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Duna: Graphic Novel – Vol. 1

Crítica | Duna: Graphic Novel – Vol. 1

por Ritter Fan
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Considerando a vastidão de obras literárias que já ganharam adaptações em quadrinhos, chega a ser uma surpresa constatar que Duna, o romance de ficção científica mais vendido no mundo, jamais tenha sido convertido para a Nona Arte. Claro, há a adaptação pela Marvel Comics do longa de 1984 dirigido por David Lynch, mas é só. No entanto, a dupla Brian Herbert e Kevin J. Anderson, responsável pela expansão do universo de Frank Herbert com o lançamento de diversos prelúdios e continuações literárias, parece finalmente disposta a alterar esse cenário com duas HQs quase simultâneas em antecipação à adiada versão cinematográfica de Denis Villeneuve: a adaptação do primeiro livro em uma graphic novel de três volumes, o primeiro sendo objeto da presente crítica, e de Dune: House Atreides, em uma maxissérie em 12 edições.

Conforme Herbert e Anderson deixam claro no prefácio de Duna: Graphic Novel – Vol. 1, o objetivo deles foi transpor todo o clássico livro de 1965 para a nova mídia, sem inventar nada ou deixar nada de fora, ainda que, claro, não fosse possível usar todo o texto original. Sem dúvida é uma proposta ambiciosa que de início já traz um potencial problema: a transliteração sem que seja feita uma efetiva adaptação que respeite o veículo da adaptação pode ser uma perigosa armadilha. Sei que muita gente acha que quanto mais próxima for a adaptação do material fonte, melhor, mas isso é apenas o desejo de fãs que não aceitam modificações nas obras que gostam, algo até compreensível, mas impraticável. Será então que o objetivo dos roteiristas foi cumprido a contento?

A resposta é um cauteloso sim. Há que se considerar que Duna não é, sob qualquer perspectiva, uma obra facilmente adaptável, vide tanto o já citado filme de Lynch quanto a minissérie do ano 2000 do SyFy, então Sci-Fi Channel, como também a produção que nunca viu a luz do dia de Alejandro Jodorowsky. Os quadrinhos permitem mais espaço e mais flexibilidade com investimento infinitamente menor e a leitura do primeiro volume mostra que Herbert e Anderson realmente conhecem o material que tinham em mãos e eles entregaram o que prometeram, ainda que, com isso, um leitor menos familiarizado com o obra de Frank Herbert possa estranhar o passo mais lento e sem ação propriamente dita da narrativa que faz mímica do que encontramos no livro.

Está tudo lá, desde o começo da história ainda em Caladan, com a família Atreides prestes a se mudar para o planeta desértico Arrakis, ou Duna, com o objetivo de passar a cuidar da extração da valiosíssima especiaria, iguaria que, dentre outra diversas funções, permite as viagens interplanetárias à velocidade da luz, até o momento em que a vida deles muda completamente com um insidioso e mortal plano colocado em movimento pela Casa Harkonnen, comandada pelo asqueroso e ambicioso Barão Vladimir Harkonnen. Cada importante personagem é apresentado de maneira solene, especialmente, claro, Paul Atreides e seus pais, o Duque Leto Atreides e Lady Jessica, esta uma Bene Gesserit (uma ordem poderosa de mulheres com enorme influência nesse futuro distante e que comandam a árvore genealógica de seus membros). A importância de Paul como uma figura messiânica não demora a ser estabelecida e até mesmo os traços antipáticos do rapaz – muito frio e distante, calculista ao extremo e incapaz de demonstrar emoções – são mantidos na adaptação, um risco que reputo mostrar coragem dos roteiristas.

Interessantemente, e talvez justamente pelo espaço disponível (afinal, estamos falando de mais de 170 páginas só para essa primeira parte), a graphic novel consiga trabalhar muito bem o Duque que, talvez seja perfeitamente possível afirmar, ganha destaque suficiente aqui para ser considerado o protagonista desse início. É sem dúvida uma boa escolha, pois torna a sucessão de eventos trágicos ainda mais dolorosa para todos os envolvidos e também para o leitor.

A arte de Raúl Allén e Patricia Martín, que foram assistidos por diversos outros desenhistas e coloristas, não tem exatamente a mesma sorte que o texto de Herbert e Anderson. E não digo que seja uma arte ruim ou mesmo apenas boa, mas sim que ela parece ser talvez comportada demais para o escopo da narrativa. Mesmo que as fisionomias dos personagens sejam muito boas, ao mesmo tempo fieis às descrições do livro e sem conectarem-se com material audiovisual já conhecido (não podemos esquecer que a HQ não é uma adaptação do filme de Villeneuve e sim do livro) e mesmo considerando que algumas soluções estéticas merecem destaque, como o escudo corporal, o ornitóptero, os stillsuits e a stilltent, há uma incômoda simplicidade em segundo e terceiro planos que empobrecem a impressão geral da obra. Além disso, é palpável a quantidade de oportunidades que Allén e Martín perderam de fazer uso de páginas inteiras ou páginas duplas grandiosas para lidar com a vastidão do deserto do planeta Duna, do palácio na capital Arrakeen e nos detalhes de figurinos e ambientes. Só para o leitor ter uma ideia, há apenas uma única página inteira e uma única página dupla – esta com a aparição do gigantesco verme de areia que ataca os extratores de especiaria -, o que chega a ser frustrante, especialmente porque é possível notar, em alguns momentos, que os artistas tinham capacidade de fazer algo mais detalhado, como algumas vistas aéreas da cidade deixam entrever.

Posso estar muito enganado, mas parece que houve uma desnecessária pressa em se lançar a HQ, tirando tempo de Allén e de Martín de entregarem algo que realmente transpusesse para os quadrinhos o que Frank Herbert escreveu. Ainda é, porém, um esforço hercúleo que de forma alguma dificulta a leitura ou desagrada os olhos, mas é constante a impressão de que a arte ficou aquém do que deveria ter sido.

Se os dois volumes vindouros – o segundo está previsto apenas a primavera (do hemisfério norte) de 2022 – seguirem esse caminho, Brian Herbert e Kevin J. Anderson poderão orgulhosamente dizer que de fato conseguiram transpor Duna para os quadrinhos sem que nada da história fosse perdida ou alterada e sem que a leitura se tornasse enfadonha, o que é um feito digno por si só. Claro que a HQ jamais substituirá o livro e nem esse é o objetivo, mas pode ser que estejamos diante de uma obra que é a mais próxima possível de seu material fonte. Nada mal!

Duna: Graphic Novel – Vol. 1 (Dune: The Graphic Novel, Book 1 – EUA, 2020)
Roteiro: Brian Herbert, Kevin J. Anderson (baseado em romance de Frank Herbert)
Arte: Raúl Allén, Patricia Martín
Assistentes de arte: Jesús R. Pastrana, Guillermo Ortego, David Astruga, Alex J. Brady, Mónica Jaspe Garfia
Capa: Bill Sienkiewicz
Editoria: Charlotte Greenbaum, Lisa Silverman
Editora original: Abrams ComicArts (Abrams)
Data original de publicação: 24 de novembro de 2020
Editora no Brasil: Editora Intrínseca
Data de publicação no Brasil: 18 de janeiro de 2021
Páginas: 176

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