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Crítica | O Poço e o Pêndulo

por Michel Gutwilen
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Para quem está fazendo uma maratona do diretor Roger Corman, assistir em sequência O Solar Maldito (1960) e, depois, O Poço e o Pêndulo (1961), pode ser um exercício curioso. Ambos os filmes possuem estruturas muito similares, advogando em prol de uma política de autor. Em comum, ambos são adaptações de contos de Edgar Allan Poe e possuem como gatilho inicial da narrativa um homem que chega a uma mansão, de maneira não solicitada, em busca de uma mulher que lá mora (em Solar, ele é seu marido; em Poço, o irmão). Não menos importante, há uma outra constante: o ator Vincent Price, que ocupará o papel inverso ao do viajante (em Solar, ele será o irmão da mulher; em Poço, o marido dela). 

Portanto, ao se falar de O Poço e o Pêndulo, corre-se um certo risco de pleonasmo quanto ao que tange O Solar Maldito, com o crítico Davi Lima já tendo explanado muito bem em sua crítica algumas características distintivas que tornam a obra anterior tão marcante. Além de uma idêntica estrutura-esqueleto, vários outros elementos se repetem: desde detalhes menores simbólicos, como a fixação de Corman por símbolos cristãos; passando por decisões estilísticas como as sequências oníricas; até outros mais cruciais, como o terror estar associado a uma noção de ancestralidade aristocrática. Estamos diante de uma degradação física, moral e psicológica de uma classe social que é marcada por um determinismo que assombra todos aqueles que possuem o mesmo sangue, de geração em geração. Não há como escapar do destino. Nas duas obras, as mansões são mais do que meros espaços físicos, mas são materializações desse mal. Os quadros dos antepassados cravados nas paredes são o elo de ligação entre o concreto e o sangue, um enraizamento deste naquele.

Dadas as semelhanças, um outro bom exercício intelectual é pensar no que distingue as duas obras — e que, para mim, também explicam porque eu prefiro O Solar Maldito. Na obra anterior, fica evidente que o protagonista é o estranho que adentra na casa, enquanto Price é uma figura misteriosa que antagoniza com ele desde o princípio, somando-se as forças da casa como um obstáculo diante da procura pela amada, em uma espécie de “Um Corpo que Cai em um ambiente-bolha”. Por outro lado, em O Poço e o Pêndulo, o estranho que chega à mansão é praticamente uma figura periférica, com Vincent Price assumindo todo o protagonismo. Ainda que se possa falar que Mark Damon foi bastante questionado como protagonista do primeiro e o Price é, inegavelmente, essencial ao cinema de Corman, me parece que a motivação da inversão de lados tem menos a ver com isso e mais com uma fidelidade ao próprio conto de Poe, que direciona o protagonismo para o dono da casa, não para o visitante. Se O Solar Maldito era sobre um estranho em uma casa mal-assombrada; O Poço e o Pêndulo é sobre um homem lutando contra seus demônios internos e os traumas do passado.

É justamente esse um dos motivos que me faz considerar O Poço e o Pêndulo uma obra menor, comparativamente com O Solar Maldito. Muito mais dramático do que seu anterior, Corman está focado menos em uma exploração física do espaço da mansão (ainda que ela, obviamente, exista) e mais em um suspense psicológico introspectivo. E por mais que Vincent Price seja um grandiosíssimo ator, sua escalação funciona muito mais quando ele faz parte do mistério em si e não escalado para interpretar um personagem que deve exteriorizar diversas camadas e sentimentos, além de que por boa parte do tempo ele não é visto como uma ameaça, o que inutiliza o potencial vilanesco do ator. Igualmente, uma outra questão central me parece enfraquecer este último filme: no primeiro, existe toda uma ambiguidade no entorno da existência de Madeline Usher, que é tanto presença como não-presença, que aparece e some pela casa, que está viva e está morta (por isso comparei anteriormente com Um Corpo que Cai). Já esse mesmo peso não se encontra no fantasma de Elizabeth, pois a personagem não parte de um ponto de ambiguidade, mas de um estado concreto de morte. Obviamente, a argumentação anterior provavelmente é mais uma constatação diante das obras de Poe do que da adaptação de Corman, que sofre por consequência ao ter que fidelizá-las. 

Por outro lado, inegavelmente que a sequência final envolvendo o pêndulo talvez seja melhor do que qualquer sequência de O Solar Maldito, com uma primorosa mise-en-scène do diretor. Ainda que ao final da crítica, pela escolha de um método comparativo entre duas obras, tenha ficado a impressão de que O Poço e o Pêndulo é um exercício repetitivo menos inspirado de um mesmo filme já feito do diretor, não se engane: um Corman “menor” é mais cheio de inspiração e amor pelo gênero de terror do que diversos outros diretores.

O Poço e o Pêndulo (The Pit and the Pendulum, 1961) — EUA
Direção: Roger Corman
Roteiro: Richard Matheson (baseado na obra de Edgar Allan Poe)
Elenco: Vincent Price, John Kerr, Barbara Steele, Luana Anders, Antony Carbone, Patrick Westwood, Lynette Bernay
Duração: 80 mins.

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