É interessante perceber como desde o início do mangá, Eiichiro Oda sempre foi agarrado a estrutura ilha-antagonista-salvação. Apesar do mote ser um tanto previsível, a criatividade do autor em relação à construção de mundo, caracterização de personagens e diferentes narrativas dentro de cada arco, ainda dialogando com temas anteriores, mas proporcionando uma aventura diferente para os protagonistas, é o que manteve a obra sempre fresca e divertida de acompanhar. Na crítica anterior, cito essa repetição de forma negativa, já que os dois arcos iniciais são muito parecidos. Na Vila Syrup, porém, vemos o primeiro vislumbre de como Oda consegue fazer coisas novas com a estrutura batida.
Após um capítulo solto sobre um homem preso numa caixa de tesouro, em uma cômica e surpreendente emocional história sobre adaptação, o terceiro arco do mangá nos leva à Vila Syrup, onde somos apresentados a Usopp, um membro do vilarejo que se diverte proliferando mentiras para os cidadãos locais sobre invasões piratas, assim como mente exageradamente em qualquer tipo de conversação normal, seja sobre coisas comuns, seja sobre feitos pessoais tão gigantescos que a falsidade se torna ridícula. Após descobrir que sua amiga Kaya e toda a Vila Syrup está em perigo nas mãos do mordomo Kuro, o mentiroso encara a cruel realidade de que sua reputação destruiu qualquer chance de salvar sua comunidade.
A partir disso, Oda usa a mentira como peça central da narrativa, confrontando a abordagem sincera da obra e da personalidade de Luffy. Existem muitas alusões a Pinóquio no arco, em uma inspiração e homenagem bonita de Oda sobre as consequências da mentira num texto que mastiga algumas lições morais sobre a importância da verdade. O flashback de Usopp sobre o abandono de seu pai dá estofo emocional ao atirador e cria uma relação com o leitor, que entende melhor o personagem para além de rir de suas mentiras ridículas e “esforços covardes” ao longo do arco.
Diferente dos arcos anteriores, que eram mais infantis, toda a trama aqui tem um quê novelesco no cerne do trio Usopp-Kaya-Kuro, sendo envolta por fraude e trapaça. Temos reviravoltas exageradas e revelações inesperadas dignas das melhores soap operas, com o mordomo realmente sendo o assassino. As lorotas dos personagens batem de frente com a honestidade do bando, gerando momentos de muito humor que confrontam a personalidade de Usopp – e de Nami também, que é meio malandra e esconde certas coisas. Diferente de um bando pirata normal, honestidade é importante para Luffy.
É aí que entra o manuseio do Oda de assuntos anteriores dentro de uma nova perspectiva. Através da mentira, temos uma expansão do significado do que é ser pirata no Universo de One Piece, de diferentes pontos de vista, como a malignidade do Kuro e sua tripulação; a idealização da liberdade de Luffy na vida fora-da-lei; e a trágica visão de Usopp, desde o abandono do pai pirata, até seu próprio ímpeto de ser um “bravo guerreiro do mar”. Se Kuro enxerga a vida ao mar como perversa e Luffy como autonomia, Usopp a vê como um prova de coragem. Por fim, o arco do atirador é verdadeiramente aceitar seus sentimentos e encarar seus medos, numa lição simpática.
Tudo isso é feito de forma bem simples, correlata a arte meio caricata e exagerada de Oda, que apresenta um ótimo dinamismo nas cenas de combate, mas que falha em equilibrar o tom do arco, ora extremamente violento, ora enfadonhamente infantil. A comicidade da narrativa proporciona boas gargalhadas, principalmente quando envolve a covardia de Usopp, mas certas repetições de piadas quebram o teor mais maduro da história.
De qualquer forma, Vila Syrup é um ótimo arco de introdução para o novo membro do bando, utilizando sua história de origem como recheio do que é ser pirata nesse mundo fantástico para o atirador do bando. O Pinóquio entrou para a trupe e a aventura pirata em busca do One Piece está mais divertida com ele.
One Piece – Vols. 3 a 5: Vila Syrup – Saga East Blue (One Piece – Vols. 3-5: シロップ村 – East Blue Saga) – Japão, 1998
Contendo: Vila Syrup (#22 a 41)
Roteiro: Eiichiro Oda
Arte: Eiichiro Oda
Editora: Shueisha
Revista: Weekly Shōnen Jump
No Brasil: One Piece – Vols. 3 a 5 (Panini, agosto, 2013)
480 páginas