Home QuadrinhosMangá Crítica | One Piece – Vols. 1 a 3: Romance Dawn/Orange Town (Saga East Blue)

Crítica | One Piece – Vols. 1 a 3: Romance Dawn/Orange Town (Saga East Blue)

por Kevin Rick
2,3K views

Romance Dawn

Logo de cara, preciso confessar algo: One Piece é minha obra favorita. Não mangá ou anime predileto, mas obra favorita. Não digo isso em termos de qualidade, mas simplesmente de gosto pessoal e nostalgia por ser um universo que descobri na infância e cresci acompanhando. Ali com os meus 8 anos no início dos anos 2000, antes dos streamings e do bombardeio de produções que temos hoje, fiquei totalmente deslumbrado pela criatividade do épico de fantasia pirata criado por Eiichiro Oda.

Claro que existem diversas produções, incluindo outros mangás que acredito serem melhores do que OP, mas a obra tem um lugar especial guardado em minha memória afetiva. Dessa forma, a vontade do meu coraçãozinho de fã é simplesmente escrever uma carta de amor e dar a nota de obra-prima, mas o meu lado crítico fala mais alto. Mesmo considerando vários arcos de One Piece o ápice do que se pode fazer em shounens, o início da jornada do Luffy ainda não está nesse nível, mesmo que bem longe de ser remotamente ruim.

Antes de adentrar a fascinante aventura pirata, é primordial frisar que devido a gigantesca longevidade do mangá (estamos próximos de 1000 capítulos!), flertei em fazer estas críticas por Saga e não por Arco, o que diminuiria significantemente o trabalho textual, mas isso seria um desserviço para a magnum opus do Oda. Dito isso, considerando a quantidade efêmera de capítulos do primeiro Arco, Romance Dawn, decidi misturá-lo com Orange Town, que será provavelmente a única ocorrência de tal caso neste projeto homérico.

XXXXXXXXX

Romance Dawn segue todos os arquétipos esperados de uma introdução de mangá na Weekly Shōnen Jump, conhecida por seu rápido cancelamento e horários de trabalhos excruciantes, resultando em mangákas iniciantes começando seus projetos com tremenda pressão de prender leitores o mais rápido possível. Por conta dessa situação, os autores acabam entregando muita informação e personagens mais habituais para conquistar a atenção das massas e do público-alvo da revista: adolescentes japoneses com pouco senso crítico.

O primeiro volume da série sofre com isso, seguindo múltiplos clichês do gênero, especialmente no primeiro capítulo, numa super exposição de toda a trama da série com muitas ideias convencionais. Temos o universo dos piratas apresentado como base, o protagonista simples e carismático, Luffy, com um sonho impossível de se tornar Rei dos Piratas e a trajetória de encontro dos companheiros para a jornada fantástica, dividida em flashbacks abruptos como o de Zoro, o primeiro membro do bando capitaneado por Luffy. É tudo muito direto, resolvido facilmente e despejado no leitor, sem um senso construção narrativa minimamente orgânica.

Felizmente, o teor humorístico da obra digere esses problemas com uma dose de simpatia e bem-vinda estranhice, oferecendo uma leitura agradável, composta por personagens rapidamente identificáveis e divertidos dentro de cenários absurdos. Por mais que a trama não funcione, os personagens cativam logo de início e Oda mostra qualidade com piadas e rica caracterização de personagens, como os espalhafatosos piratas de circo do Buggy.

De forma geral, o autor apresenta um bom controle de ritmo cômico e aventureiro, principalmente com piadas de quebra de expectativa, como Luffy ser um homem-borracha e falar o que vem à cabeça. Alguns dramas sociais e temas sobre a corrupção da marinha já estão nas entrelinhas do mangá, mas nada muito profundo até aqui, numa história mais infantil que brinca com um pirata que tem um nariz vermelho ou um capitão da marinha com queixo de ferro. Puro charme!

Para além do humor, algo muito forte na história é o senso de pertencimento e significado do que é ser um pirata neste mundo, fortemente debatido nos diálogos com Shanks. Oda gosta de brincar com a ideia de dualidade entre piratas mocinhos e marinheiros criminosos, mas também invertendo os papéis, como se fossem lados opostos da mesma moeda. Aliás, a cena do Shanks perdendo o braço, uma espécie de mentor e figura paterna do protagonista, sedimenta a ambuiguidade deste mundo, sendo um dos mais memoráveis e emocionantes acontecimentos da série, deixando um impacto visual bem grande no leitor.

Romance Dawn

Mas o cerne destes dois primeiros arcos é o individualismo, beirando o egoísmo excessivo, na ação de todos os personagens, até mesmo dos protagonistas. Luffy, Zoro e Nami, assim como os antagonistas, têm sua própria agenda e não ligam muito para opiniões alheias ou consequências. Essa abordagem é mais humorística do que dramática, mas é apropriado que num mundo sobre caça a tesouros o pensamento em si próprio seja regra. Chega a ser irônico que a série futuramente seria conhecida por seu tema sobre companheirismo.

Claro que exceções existem e a compaixão do trio principal é sempre exibida, mas adoro como Oda apresenta personagens estoicos, imóveis, irrefutavelmente ligados aos seus sonhos e vontades. A dúvida é mostrada em personagens secundários, principalmente com Coby, e também em flashbacks, mas o poder de decisão do Luffy, apesar de comicamente absurdo e estúpido, é sustentando por um desejo determinado. É engraçado como essa falta de incerteza retira qualquer desenvolvimento do protagonista nos primeiros arcos, tornando-o unidimensional, mas não diminui a conexão empática com o público. Rimos, choramos e torcemos por ele, especialmente por seu posicionamento implacável.

Outro aspecto bastante argumentado na série é o “tesouro” pessoal de cada um, como o chapéu de Luffy ou as espadas de Zoro, que representam sonhos enormes e impossíveis. É tudo essencial para o núcleo de ambição que Oda quer criar na série, apesar dele martelar demais algumas dessas ideias. Isso remete-se a falta de originalidade na montagem dos arcos, extremamente semelhantes em tema, antagonistas e ambiente. Temos a cidade que precisa ser salva, o vilão superior que controla o destino dos vilarejos e nossos protagonistas que vieram para salvar a pátria, numa repetição meio chatinha e que viria a ser recorrente na obra.

Romance Dawn Orange Town marcam o pontapé inicial de uma das histórias mais longas e célebres mundiais. Ambos sofrem de sua semelhança narrativa e temas batidos, mas Oda começa a construir uma amálgama de gêneros, manuseando muito bem a comédia, a construção de mundo fantasiosa e um leve nível de escopo, através dos olhos de protagonistas hilários e magnéticos com sonhos impossíveis. One Piece não começa perfeito, mas os arcos de introdução fazem seu trabalho de feijão com arroz muito bem, pegando os clichês do mangá e proporcionando uma leitura prazerosa e criativamente riquíssima com a caracterização de personagens.

One Piece – Vols. 1 a 3: Romance Dawn/Orange Town – Saga East Blue (One Piece – Vols. 1-3: 冒険の夜明け / バギー海賊団 – East Blue Saga) – Japão, 1997/1998
Contendo:  Romance Dawn (#1 a 7) / Orange Town (#8 a 21)
Roteiro: Eiichiro Oda
Arte: Eiichiro Oda
Editora: Shueisha
Revista: Weekly Shōnen Jump
No Brasil:
One Piece – Vols. 1 a 3 (Panini, maio, 2019)
508 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais