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Entenda Melhor | Melhores Amigos do Homem? Cães Icônicos do Cinema

Cães monstruosos que refutam a tese de "melhor amigo do homem".

por Leonardo Campos
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Eles são considerados os melhores amigos do homem, mas nos filmes selecionados neste panorâmico artigo, permanecem catalogados como bestas capazes de provocar medo e horror. Semelhante aos demais textos desta linha, focados em traçar um painel de narrativas com feras assassinas do cinema, reflexões sobre serpentes, crocodilos, tubarões, insetos e outras criaturas da natureza, a análise proposta é uma proposta de mapeamento de subtemas dentro dos esquemas ficcionais do horror ecológico, profícuo subgênero do cinema. Em linhas gerais, sabemos que ao longo da história evolutiva da humanidade, os cães foram domesticados, animais acompanhados por simbologias significativas, tais como companheirismo, fidelidade, diversão, coragem, sociabilidade, lealdade, vigilância, inteligência e proteção. Na Antiguidade Clássica, em especial, a cultura grega, os cães integram diversos mitos, dentre eles, Cérbero, a criatura de três cabeças que simboliza a proteção e o conhecimento secreto sobre a morte e a ressurreição. Outro segmento mitológico associa os cães com a prática da caça, algo retratado pela estrela Sirius, elemento associado ao caçador Órion. No folclore mesoamericano, o cão possui a missão de transitar os mortos em sua passagem para o “outro lado”, também sendo associado ao fogo.

Cena de Cães Assassinos (2005)

Na cultura islâmica, os cães são criaturas consideradas impuras, algo que repele os mulçumanos de toca-los, diferente da concepção presente no cristianismo, mais tranquilamente associada aos animais que na contemporaneidade, são grandes referenciais para os humanos. Para os egípcios, tais animais eram usados para caça, além da travessia pela domesticação tal como os conhecemos hoje. O deus Anúbis, representado com corpo humano e cabeça de chacal, é uma das comprovações da aproximação dos cães com a formulação das mitologias presentes nesta cultura que tanto trouxe contribuições para o pensamento moderno. Essa figura é conhecida por ser responsável pela proteção e guarda das portas sagradas que guiam os mortos ao mundo espiritual. Em 2016, um estudo desenvolvido na Oxford apontou que os cães descendem de dois grupos de lobos, separados por longos quilômetros, sendo um bando do continente europeu e outro do leste asiático. Os pormenores desta investigação científica explicam as diferenças genéticas entre as raças caninas, estudo que entra em debate com a pesquisa da Universidade de Stony Brook, nos Estados Unidos, instituição que traz outros direcionamentos para essa história, ao afirmar que que todos os cães vêm de um único grupo de lobos.

Cena de A Longa Noite de Terror (1977)

Numa pesquisa alemã, os estudos empreendidos ressaltam que o excesso de carne estocado pelos humanos para enfrentar os rigorosos e longos invernos atraíram os lobos, animais que neste processo de proximidade, se tornaram conectados e assim, teríamos uma explicação para as primeiras instâncias de domesticação. É uma jornada que compreende algo em torno de 20 a 40 mil anos de trajetória, tendo como base, a análise genética de fosseis, em especial, o mais antigo até então encontrado por arqueólogos alemães, material de pesquisa que esteve ao lado de restos humanos também fossilizados. Nesta época, a domesticação já estaria acontecendo, passando pela história da agricultura e esses animais, pelas redondezas, eram úteis para a prática da caça, com os humanos na posição de pastores. Assim, caro leitor, diante do panorama exposto, podemos observar que em seu longo contato, humanos e cães mantiveram conexões amigáveis, como observado nas comédias românticas, nos filmes de ação, em animações e nas narrativas mais dramáticas, com função lacrimejante. Nosso foco aqui, no entanto, é mapear as histórias de medo e terror envolvendo o melhor amigo do homem.
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Vamos Nessa?

Antes de mapear alguns filmes, torna-se importante destacar para os leitores que a abordagem panorâmica dos cães como monstro do cinema engloba, por aqui, produções que não ganharam uma crítica específica no site, pois em algum momento no acompanhamento do texto, é possível que aqueles conhecedores do subgênero horror ecológico não encontrem filmes como A Longa Noite de Terror, A Revolta dos Cães, Cão Branco, Max: Fidelidade Assassina, Cães Assassinos, Prey, A Alcateia, dentre outras produções mais organizadas na catalogação dos serviços de streaming ou das empresas responsáveis pelo lançamento em DVD e demais mídias. O levantamento, como destacado, é parte de um mapeamento deste subtema na tessitura geral de um subgênero profícuo, em constante reformulação na indústria cinematográfica, o horror ecológico, segmento que tal como já expressados em outros artigos e críticas, traz o ser humano em perigo diante de ameaças animais, bem como outras manifestações da natureza, tais como tormentas, pandemias, vulcões, furacões, etc. Os filmes selecionados adiante são produções que antecederam e sucederam o boom destas narrativas na década de 1970, com o gigantesco e ameaçador tubarão do romance de Peter Benchley, levado aos cinemas sob a direção de Steven Spielberg, ponto de partida para a reformulação de histórias inspiradas pelos legados deixado por clássicos da literatura, tais como Moby Dick, Vinte Mil Léguas Submarinas, dente tantos outros.

Uma das histórias mais difíceis de encontrar por aqui em DVD/VHS é o curioso Os Dobermans Atacam, de 1973, narrativa dirigida e escrita por Frank De Fellitta, horror ecológico urbano sobre um homem que após despedir de sua esposa no aeroporto, torna-se rapidamente refém de um assalto e é deixado inconsciente numa loja. Quando volta a si, ele se percebe trancafiado no local e vigiado por cães treinados para matar. Com várias tramas paralelas dispersivas, o filme é contemporâneo de outras produções do segmento, tendo a mesma raça como elemento ameaçador. A Gangue dos Dobermans e A Volta da Gangue dos Dobermans, ambos do cineasta Byron Chudnow, também de 1973, são narrativas com semelhanças e que trazem os cães como animais perigosos e mortais. No mesmo período, o diretor George Bloomfield executou o roteiro de Angus Budrys, Os Palhaços Não Devem Morrer, trama sobre um casal que na busca por salvar o casamento numa Ilha da Nova Inglaterra, tornam-se vítimas do proprietário da ilha, um homem perturbado mentalmente, veterano do Vietnã. Os cães, assustadores dobermans, são guiados pela figura e seguem os seus mandamentos fielmente, um deles, perseguir e aterrorizar o casal em férias. Lançado em 1972, esse é um dos exemplares que demonstram como os animais perigosos estavam em alta na época, pouco tempo antes de Tubarão promover um maior aquecimento para narrativas do estilo, plagiado exaustivamente com todo tipo de espécie da natureza.

Em 1977, A Fera Assassina nos apresentou a saga de um fugitivo de uma ditadura latino-americana caçado por um cão de guarda de uma colônia penal. No país sul-americano sem nome, o cão pastor-alemão chamado King alegoriza a morte e a repressão, num segmento transversal do horror ecológico, subgênero que traz os animais assassinos numa perspectiva central diferente. É o que aconteceu com Cão Branco, do cineasta Samuel Fuller, um filme considerado maldito por décadas. Como exposto na crítica específica da produção, na trama, a discussão sobre a estupidez e a inconsistência do racismo é formulada quando uma jovem atriz atropela um pastor-alemão e o leva para casa, adotando-o após os cuidados veterinários. Ele se torna o seu cão companheiro e adentra de maneira envolvente no cotidiano da garota, paz momentânea, pois a crise se instaura quando atriz percebe um comportamento nada adequado por parte do cachorro, animal que absurdamente, parece ter sido treinado por seu antigo dono para atacar pessoas negras. Aqui, não temos um cão doméstico atingindo por um elemento sobrenatural, infecção ou coisa do tipo. O humano, tão aterrorizante quanto as bestas apresentadas, é catalisador das tragédias apresentadas em cena.

O filme é de 1982, parte de uma década não sensacional, mas profícua para tramas com criaturas selvagens e domésticas bastante perigosas. Dirigido e escrito por Robert Burns no mesmo ano, Mongrel é uma daquelas histórias que fizeram algum sucesso em sua época, mas ficaram esquecidos na atual cultura de relançamentos e resgastes de pérolas do terror para as novas mídias ou serviços de streaming. Na trama divertida e grotesca, temos um cachorro feroz que se desprender de sua coleira e ataca um inquilino que o provocava com um suculento pedaço de carne crua. Quando outro inquilino tenso, começa a ter sonhos estranhos com um cão, várias pessoas desta moradia macabra começam a aparecer mortos, num horror ecológico peculiar e com traços de narrativa slasher. Em 1989, o francês Baxter, dirigido por Jerome Boivin, apresentou aos espectadores uma irônica história sobre um cão da raça bull terrier, doado para uma senhora que possui hábitos desaprovados pelo animal que após diversas situações inusitadas, arruma uma forma de assassinar a idosa para ser adotado pelo casal morador da casa em frente. Ele domina s a sua função de companhia doméstica, aniquila outras criaturas de sua espécie e depois que o casal tem o primeiro filho, perde espaço e atenção e acaba sendo enviado para um garoto da mesma rua, fissurado em Hitler e com posturas bastante incomuns para uma vida em sociedade. Escrito por Jacques Audiard, baseado no romance Hell Bound, de Ken Greenhall, a produção não integra necessariamente o horror ecológico, mas traz um animal perigoso e mortal.

Na década seguinte, uma narrativa angustiante sobre cães como criaturas ameaçadoras é o interessante Depois da Meia-Noite, telefilme constantemente exibido na televisão aberta brasileira na época. Três histórias são contadas por um professor que utiliza o medo como estratégia nada convencional para testar os seus pacientes. Na antologia, o cineasta Jim Wheat assumiu a trajetória de quatro amigas que buscam diversão durante a madrugada, mas são barradas na entrada de uma badalada festa. Sem alternativas para adentrar, buscam outro lugar para dar continuidade aos momentos de lazer. O problema começa quando o mecanismo de informação do carro reforça que a gasolina está em baixa e elas precisam parar num posto e abastecer. O local desativado é assustador e as redondezas se transformam num campo de batalha quando precisam enfrentar um psicopata e seus cães, treinados para perseguição. Acuadas, as garotas lutam pela sobrevivência, no capítulo menos intenso da antologia, mas relativamente envolvente e assustador. Em 1998, o diretor Bryan Trenchard-Smith assumiu o roteiro de Miguel Tejada Flores e apresentou aos espectadores o bizarro Cachorro Atômico, horror ecológico sobre uma série de mortes explicadas depois que a população de uma pacata cidade descobre que um cão infectado por um vazamento nuclear seria o responsável pelo rastro de sangue. Para piorar, ele engravidou a cadela de estimação da família que protagoniza esse enredo burlesco, grotescamente executado.

No igualmente irregular Demônio do Pântano, o roteirista Joe Wiesenfeld resgata elementos clássicos de Arthur Conan Doyle para nos apresentar as mazelas do maior herdeiro da fortuna dos Baskervilles, figura que vê a sua vida ameaçada quando um animal que todos afirmam ser o próprio demônio causa desconforto na região onde a história se desenrola. Quem já teve a terrível experiência de vê-lo alega que o monstro de olhos vermelhos é assustador, além de mortal com as suas presas afiadas como navalhas. A maldição que ronda toda a cidade e, em específico, o pântano, expõe a criatura que deveria ser o melhor amigo do homem como uma perigosa, ou talvez, suposta, ameaça. Rottweiler, outra aberração da linguagem cinematográfica padrão, traz a história de Dante, um homem que alega ter sido preso injustamente. Desesperado por ter que assumir algo que alega não ser seu, foge e reencontra a namorada para estabelecer um plano que o tire de tal situação. O guarda da prisão, enfurecido pela fuga, libera um cão robô assassino para rastrear o fugitivo e trazê-lo de volta. O problema é que a criatura mata tudo que encontra pelo caminho e pavimenta uma trilha de horror e morte. Aqui, o cachorro artificial é munido de dentes e ossos de metal, muito mais perigoso que uma fera tradicional. O filme é um horror no tema e em sua concepção artística, totalmente desregulado também em seus eixos dramáticos, frágeis, bem como um arsenal de efeitos visuais constrangedores.

Chegamos ao desfecho do nosso artigo panorâmico. Você, caro leitor, consegue recordar algum filme com cães perigosos e mortais que não tenha ganhado destaque por aqui? Deixe o seu comentário e contribua com o mapeamento sobre narrativas que exploram o lado aterrorizante destes animais conhecidos pela fidelidade e companheirismo aos humanos, mas que aqui, se posicionam como monstros aberrantes e sanguinários, combustível para as mais criativas histórias do subgênero horror ecológico.

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