Apesar de algumas representações fofinhas no cinema, os ratos geralmente estão associados ao lado negativo das coisas em nossa vida. Biblicamente falando, por exemplo, sabemos que em determinado ponto da história da humanidade, Deus teria enviado uma praga de doenças e ratos para aplacar a arrogância e desobediência dos filisteus. Na Idade Média, as marmotas provavelmente transferiram a base microbiológica da peste bubônica para os ratos, situação que transformou o período numa das fases epidemiológicas mais desastrosas da trajetória humana registrada. São muitos relatos sobre esses seres que possuem potencial gigantesco para deixar qualquer espectador de cinema aterrorizado. O problema é que tal como os ursos, poucos filmes com ratos conseguiram atingir alguma dose de eficiência dramática e estética, sendo a maioria, produções de baixo nível em quase todos os aspectos, funcionando apenas como entretenimento ligeiro e vulgar, para momentos de diletantismo descompromissados.
No desenvolvimento de Os Olhos da Noite, horror ecológico dirigido por Robert Clouse, cineasta que já tinha ensaiado a temática da ameaça animal com o ataque de cães em A Longa Noite de Terror, temos uma história asquerosa que se baseia no romance A Invasão dos Ratos, de James Hebert, ponto de partida literário já bastante expressivo graficamente, com mortes e ataques mirabolantes e violentos. Com roteiro de Lanon Smith e Charles H. Eglee, o filme retrata uma infestação de ratos gigantescos, do tamanho de cachorros, geneticamente modificados por causa do contato com uma ração contaminada por esteroides, pertencente a um navio cargueiro que atracou em um porto da cidade, embarcação cheia de grãos de importação, barrados pelo serviço de fiscalização por conter excesso da substância mencionada. Grandes, pesados e ferozes, “os ratos se levantam da escuridão e partem para se alimentar na cidade”. Ao menos é assim que a divulgação do filme reforça o potencial destas criaturas, responsáveis por tocar o terror ao longo dos 87 minutos deste filme excessivo e bizarro, lançado em 1982.
A inspetora Elly (Sara Botsford) é a realizadora da ação que barra os grãos de milho de serem distribuídos comercialmente, personagem que convenientemente, vai conhecer o professor Paul Harris (Sam Graam), herói com posto de par romântico. Juntos, a dupla vai lutar não apenas contra os ratos de esgoto que espalham o medo e o pavor na cidade, mas também os roedores do sistema, o velho arquétipo do horror ecológico, isto é, políticos e cidadãos que atrapalham os processos investigativos com suas posturas voltadas aos interesses comerciais e pessoais de seus projetos, pondo toda a população em situação de risco. Para o casal que protagoniza, inclusive, passagens com cenas de sexo desnecessárias, mas bem a cara dos anos 1980, há ainda a “rata” Trudy (Lisa Langlois), aluna de Harris que deseja de qualquer maneira, ir para a cama com o professor. Há até uma cena em que ela se infiltra em sua casa e aparece de roupas íntimas na cama do mestre que desperta os seus desejos mais profundos. É uma subtrama que não atrapalha, mas também não acrescenta muita coisa. Talvez seja mais para reforçar a masculinidade do protagonista e complementar dramaticamente a história sobre ataques de ratos assassinos.
Ademais, há ainda o filho de Harris e as idas e vindas com Elly, subtramas relacionadas aos constantes ataques dos ratos, divertidíssimos e eficientes em sua proposta. Tudo é excessivo, tal como o material do romance de James Hebert. A cena da inauguração do metrô, a invasão dos ratos numa sala de cinema lotada, o bebê devorado logo nas primeiras cenas, passagem corajosa e que talvez hoje não fosse mais filmada por questões moralistas do público, etc. São vários os trechos emblemáticos, construídos pela direção de fotografia de René Verzier, também presente em outro filme com ratos, o psicológico O Inimigo Desconhecido, lançado no ano seguinte ao mais brutal e gráfico Os Olhos da Noite. O design de som de Peter Jermyn colabora com a sensação de asco, complementada pelos efeitos especiais da equipe de Mike Kavanaugh e os curiosos cães da raça Dachshund, transformados em ratos por truques de maquiagem. Ademais, o filme é conduzido por meio de fórmulas de sucesso estabelecida no segmento horror ecológico, sem nenhuma surpresa ou diferencial, diversão ligeira que ao menos ganha por não se arrastar, tampouco sentir que possui um discurso cientifico sério, como muitas produções do Sy Fy tentam emplacar hoje.
Os Olhos da Noite (Deadly Eyes, Canadá – 1982)
Direção: Robert Clouse
Roteiro: Charles H. Eglee, Lonon F. Smith, James Herbert (baseado em seu livro)
Elenco: Sam Groom, Sara Botsford, Scatman Crothers, Cec Linder, Lisa Langlois, Lesleh Donaldson
Duração: 87 min