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Crítica | Uma Canção de Natal, de Charles Dickens

por Luiz Santiago
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Uma Canção de Natal ou Conto de Natal é daqueles livros que a gente já sabe muita coisa a respeito antes mesmo de ler a obra. De adaptações cinematográficas às inúmeras paródias, sátiras e referências feitas nos quadrinhos e em séries animadas, essa pérola de Charles Dickens continua sendo um verdadeiro fenômeno, repetindo o sucesso que foi já à época de seu lançamento, em dezembro de 1843.

A obra é uma verdadeira declaração de amor ao Natal e nos traz uma demonstração simbólica e também socialmente crítica do que é o “espírito natalino“, fazendo-nos acompanhar o emburrado, desagradável e pão-duro Ebenezer Scrooge, que visita diferentes realidades e diferentes tempos no dia de Natal, aprendendo alguma coisa em cada uma dessas visitas. Muito da experiência de vida pessoal de Dickens aparece aqui na forma de uma honesta e compassiva observação da realidade à sua volta, começando com as relações de trabalho.

Já de início, o autor nos faz ter um olhar verdadeiramente negativo para Scrooge porque o protagonista não mostra nenhum tipo de sentimento em relação a Jacob Marley, seu sócio por muitos anos que já falecera. Esse tipo de frieza se intensifica quando vemos a forma abusiva como lida com seu funcionário Bob Cratchit, um homem que “conhecemos à distância”, no decorrer do livro, e a quem ficamos muito felizes de observar no desfecho da obra. Estabelecida a reprovável maneira como Scrooge lidava com as pessoas, o autor vai pouco a pouco nos familiarizando com o seu entorno e, nessas primeiras páginas, fixa o ambiente que em breve será abraçado pelo fantástico misturado com terror, quando o espírito de Marley aparece e anuncia três outros fantasmas que deverão mostrar algo para o incrédulo Ebenezer.

Já ouvi muitos leitores desprezarem o tom e as “lições morais” da história por serem “demasiado cristãs dentro da caixinha” ou coisa parecida. Do meu ponto de vista, Uma Canção de Natal é uma história sobre o exercício da humanidade a partir do fornecimento chocante de uma perspectiva sobre a vida. Nesse aspecto, Scrooge me lembra muito o personagem de James Stewart em A Felicidade Não Se Compra. Ele só passa a valorizar aquilo que tem, as pessoas que estão à sua volta e as belezas da vida quando é forçado a ver o mundo de outra forma. E esse tipo de amadurecimento pelo fogo — para a observação da caridade, do compartilhamento e da companhia em festa — não é necessariamente uma mensagem cristã, mas uma mensagem humana.

De um ponto pessoal, todavia, consigo ver o por quê gosto tanto dessa história. O Natal é a minha data comemorativa favorita do ano, e isso desde muito novo (tenho lembranças absolutamente doces e felizes dos meus natais de infância) e gosto muito de toda a gentileza, dos clichês bobos e bonitos, dos símbolos e principalmente do senso de união e comunidade que parece se espalhar durante esse período. E claro, como em todo o aspecto do comportamento cultural humano, pode-se fazer uma crítica a esse respeito, clamando hipocrisia dos “benfeitores de Natal“, que poderiam fazer isso o ano todo. Mas não vejo como esse olhar diminui o momento e nem a importância da data para unir, para celebrar e para compartilhar; coisas que os fantasmas do presente, passado e futuro mostram para Scrooge durante uma intensa noite de aprendizado.

O único “senão” que tenho em relação à obra está bem no início, antes de entrarmos de fato na aventura principal. No entanto, o desenvolvimento da história é emocionante em vários sentidos. Tive imensa nostalgia em todo o trajeto do segundo fantasma e lamentei e me emocionei durante as viagens do primeiro e do terceiro. Assim como a data que homenageia, Uma Canção de Natal é capaz de nos tirar de um ponto confortável para nos fazer pensar naquilo que nos formou, naquilo que hoje formamos e, num esforço um pouco maior, naquilo que vamos deixar formado quando partirmos desse mundo. Um livro breve, sobre uma data breve e que espelha a essência da nossa própria… breve vida. Tudo a partir de uma noite bela de celebração.

Uma Canção de Natal (A Christmas Carol) — Reino Unido, 19 de dezembro de 1843
Autor: Charles Dickens
Editora original: Chapman & Hall
Ilustrador original: John Leech
Edição lida para esta crítica: Penguin Companhia (2019)
Tradução: Rodrigo Lacerda
134 páginas

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